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Como inovar para o bem de todos

As organizações podem inovar para abordar problemas ambientais e sociais e ter sucesso, desde que… construam a cultura certa. É o que indica uma pesquisa

Thijs H. J. Geradts e Nancy M.P. Bocken
29 de julho de 2024
Como inovar para o bem de todos
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Não é de se surpreender que muitas grandes corporações multinacionais estejam prestando cada vez mais atenção à inovação voltada para a sustentabilidade (que definimos amplamente como melhorias para bem social, não apenas iniciativas “verdes”). Confrontadas por desafios crescentes e pressão dos governos, organizações não governamentais (ONGs), investidores e funcionários para estarem mais conscientes em relação aos impactos ambientais e sociais das atividades comerciais, as empresas estão buscando formas de fazer as coisas de maneira diferente enquanto procuram oportunidades de crescimento. Como resultado, muitas estão tentando explorar o potencial criativo e empreendedor de seus funcionários, encorajando-os a desenvolverem novos produtos, serviços ou modelos de negócio que criem valor tanto para a empresa quanto para a sociedade.

A inovação voltada para a sustentabilidade não é nova – pesquisadores a estudam há mais de uma década. Entretanto, enquanto organizações tradicionais adotam novas tecnologias e modelos de negócio, algumas percebem que é difícil fazer com que os funcionários pensem como empreendedores, o que é essencial para construir uma cultura inovadora que se compromete a resolver problemas ambientais e sociais. Para aprender o que empresas líderes estão fazendo para abordar esse desafio, realizamos entrevistas com gestores em sete empresas multinacionais reconhecidas por suas atividades de sustentabilidade: AkzoNobel (uma empresa holandesa de tintas e produtos químicos), Interface (uma fabricante norte-americana de carpetes), Johnson&Johnson (uma empresa norte-americana de produtos médicos, farmacêuticos e de bens de consumo), Pearson Education (uma empresa de educação e publicações), Koninklijke Philips (uma empresa holandesa de cuidados de saúde, aparelhos eletrônicos e iluminação), UBS (uma empresa suíça de serviços financeiros), e Unilever (uma empresa holandesa-britânica de bens de consumo).

Neste artigo, integramos as experiências dessas empresas com descobertas de estudos anteriores para ilustrar como é uma inovação eficaz voltada para a sustentabilidade e para descrever como as empresas podem cultivar o pensamento e comportamento empreendedor que desencadeará tais esforços.

OS PROPÓSITOS

A inovação voltada para a sustentabilidade assume muitas formas – do desenvolvimento de produtos novos ou melhorados ou serviços até a criação de novos processos e modelos de negócio que trazem benefícios ao ambiente ou à sociedade em geral. As inovações em si podem ou não ser radicais, mas a ideia é mitigar os impactos negativos das soluções existentes ou, ainda melhor, causar um impacto positivo.

Ao descreverem ambientes que fomentam com sucesso a inovação baseada em sustentabilidade, a maioria dos executivos e gestores que entrevistamos destacou a conexão íntima entre propósito _individual_ e propósito _corporativo,_ e a importância de ligar os interesses da empresa a longo prazo com o bem da sociedade. Há um segmento de funcionários, segundo observaram os entrevistadores, que deliberadamente escolhem seu empregador com base em seu compromisso com a sustentabilidade. Ter um propósito comum, muitos disseram, ajuda a definir a direção para o que indivíduos e corporações realmente fazem. E quando propósitos individuais e corporações estão alinhados, os gestores observam que os funcionários estão dispostos a irem além do que é exigido para materializar seus valores.

CONSTRUINDO A CULTURA CERTA

Nossa pesquisa é desenvolvida para ajudar corporações a motivarem e incentivarem funcionários a mudarem seus comportamentos e ativamente apoiarem novas iniciativas. Então o que executivos e gestores fazem para promover inovações focadas em sustentabilidade nas organizações? Com base nas experiências de sete empresas que estudamos, identificamos cinco elementos essenciais:

Em primeiro lugar, as empresas precisam ter uma direção clara e conseguirem articular as metas aos funcionários.

Em segundo lugar, elas precisam oferecer um orçamento adequado e outros recursos (incluindo espaço, tempo e treinamento) para buscar os objetivos.

Em terceiro lugar, elas devem ter o que chamamos de “espaço para colaboração” – isto é, precisam permitir que as pessoas trabalhem com outras partes da organização ou se associem a fornecedores, clientes, ONGs e outras partes para abordar lacunas de habilidades e recursos.

Em quarto lugar, as empresas devem oferecer um reforço positivo para funcionários que se envolvem com projetos de inovação baseados em sustentabilidade.

E, por fim, elas precisam estabelecer métricas de responsabilidade que priorizem a criação de valor social e ambiental.

OS CINCO ELEMENTOS, UM POR UM

1. Uma direção clara. Para traduzir o propósito de uma corporação em ação, é importante que os gestores articulem como a sustentabilidade se encaixa nos objetivos mais amplos da empresa. Isso envolve explicar como a inovação baseada em sustentabilidade apoia a estratégia e está embutida em operações cotidianas. Na Unilever, por exemplo, o CEO Paul Polman tornou o crescimento uma prioridade estratégica e uma parte essencial do modelo de crescimento a longo prazo. Com o apoio de Polman, a empresa criou um roteiro que busca aumentar o impacto social positivo da Unilever ao mesmo tempo que fortalece sua posição competitiva. Os funcionários da Unilever com os quais conversamos disseram que o plano é motivador, e muitos o veem como um convite para procurar seus próprios jeitos de buscar inovação baseada em sustentabilidade.

Além disso, nós também descobrimos que os gestores precisam estar dispostos a ir além de meramente manifestar coragem para esforços de inovação baseados em sustentabilidade. Eles devem guiar ativamente e apoiar os funcionários que estão envolvidos em tais atividades. Por exemplo, na Interface, empresa de placas de carpete, um dos objetivos de mais amplo alcance do fundador Ray Anderson durante o início dos anos 2000 foi zerar o desperdício. O conselho executivo da Interface continua encorajando os funcionários a criarem novos produtos voltados para a sustentabilidade, processos e materiais, e identifica passos que as pessoas podem tomar para executar a visão de Anderson. Em uma iniciativa liderada por funcionários, a Interface colabora com comunidades de pesca locais nas Filipinas e Camarões para reciclar redes de pesca de nylon descartadas e transformá-las em material para novos carpetes. Para apoiar o modelo de negócio, executivos ativa e publicamente ficam por trás de iniciativas voltadas para a sustentabilidade como essa, legitimando as atividades internamente.

Descobrimos que ter um conjunto coerente de valores corporativos de sustentabilidade pode servir como bússola comportamental e de tomada de decisão para funcionários. A crença da Johnson & Johnson – colocar “as necessidades e o bem-estar das pessoas que atendemos em primeiro lugar” – não apenas descreve o compromisso da empresa com a sociedade, mas também dá aos indivíduos um contexto claro no qual agir. Recentemente, um funcionário da Johnson & Johnson iniciou uma tentativa de melhorar o acesso ao cuidado com a saúde mental na África subsaariana. Uma vez inspirada e fortalecida pela missão da empresa, ela tomou iniciativas para inovar em conformidade, e a empresa identificou formas de oferecer treinamento para profissionais de saúde mental na região e dar aos residentes locais acesso a medicações mais baratas.

2. Orçamento e outros recursos. Além de estabelecer uma direção clara, as empresas que buscam promover inovação voltada para a sustentabilidade para certificarem-se de que os funcionários tenham o financiamento, o conhecimento e o apoio corporativo necessários para buscar projetos relacionados. Cada uma das empresas que estudamos reconhece a importância de oferecer recursos financeiros e ajudar funcionários a se conectarem com os especialistas certos. Em muitos casos, unidades de negócio favoráveis e pessoas em vários papéis da organização oferecem seu apoio à projetos voltados à sustentabilidade e alavancam o perfil das iniciativas. Pearson, a empresa de educação, por exemplo, estabeleceu o que se chama de incubadora Tomorrow’s Market, em 2016, para explorar possíveis novos produtos ou empreendimentos focados em expandir oportunidades educacionais a pessoas em comunidades de baixa renda. Funcionários com ideias que acham promissoras podem pedir financiamento, receber apoio de executivos e ganhar um tempo para executar seus planos de negócios.

Assim como a Pearson, muitas das empresas que estudamos dão aos funcionários permissão e flexibilidade para buscarem as atividades voltadas para a sustentabilidade nas quais eles estão interessados. A Philips, por exemplo, dá aos cientistas em seu departamento de inovação um momento às sextas-feiras para trabalharem seus próprios projetos, e os deixa aplicá-los por bolsas de pesquisa de três meses para buscar ideias de interesse. Além disso, a empresa dá aos projetos de sustentabilidade margem de quão rápido eles devem mostrar resultado.

Obviamente, a habilidade de uma empresa em inovar de maneira bem-sucedida requer mais do que ambição, tempo e recursos financeiros. Também depende de conseguir atrair o talento certo e ajudar funcionários a desenvolverem as capacidades e habilidades certas. Reconhecendo que não estava atraindo funcionários empreendedores o suficiente, a Unilever alterou a forma de recrutar recém-formados e adicionou um novo programa focado em contratar indivíduos com um mindset de sustentabilidade. A Johnson & Johnson, por sua vez, criou seu “Programa de Intraempreendedorismo Social”, que é moldado a exemplo de um programa desenvolvido pelo Aspen Institute e objetiva especificamente ajudar funcionários a aprenderem a desenvolver iniciativas focadas em sustentabilidade. Os consultores ensinam os participantes a atrair recursos, identificar parceiros e trabalhar colaborativamente para atingir objetivos comuns.

Entre as empresas que estudamos, a Interface sobressai por seu compromisso com o treinamento. Cada novo funcionário passa por um programa de treinamento mandatório, detalhando a importância da sustentabilidade para a Interface, descrevendo atividades em curso e desafiando pessoas a buscarem novas oportunidades para a inovação voltada para a sustentabilidade. A empresa também oferece treinamento avançado opcional visando ajudar funcionários a se tornarem mais eficazes na resolução de problemas sociais. Os funcionários dizem que o treinamento os faz sentir-se mais positivos em relação à empresa.

3. Espaço para colaboração. Muitos dos gestores que entrevistamos enfatizaram a importância das relações colaborativas tanto dentro da empresa quanto com grupos de fora. Vários entrevistados falaram sobre os efeitos negativos que a competição interna e o pensamento silo podem ter sobre a inovação e os benefícios da colaboração entre disciplinas.

Algumas organizações reforçam essa ideia por meio de incentivos comportamentais. Pense na UBS, que colocou grande ênfase sobre a colaboração nos últimos anos. A alta gerência não só promove regularmente o valor da colaboração, mas a transforma em parte da avaliação de desempenho dos funcionários e na base para prêmios de reconhecimento.

Outras empresas redistribuíram capacidades internas desenvolvendo programas voltados para a sustentabilidade como ramos de seus negócios tradicionais. A Philips, por exemplo, queria alavancar sua experiência como especialista em iluminação para desenvolver modelos de negócio que produzam tanto benefícios comerciais quanto ambientais. Por meio de conversas com um de seus clientes, ela teve a ideia de vender “luz como um serviço” para clientes comerciais. Em vez de vender equipamentos de luz de maneira tradicional, a Philips cria um sistema energeticamente eficiente e cobra uma taxa – com o compromisso de adaptar o sistema conforme as necessidades do cliente mudam e, por fim, reciclando-o.

Ter parcerias externas, nos contaram os entrevistados, permitiu que suas empresas acessassem capacidades que eles não tinham internamente enquanto também estabeleciam novos laços úteis. A Pearson, por exemplo, estabeleceu uma relação estratégica em 2015 com Save the Children para fornecer recursos de educação para crianças refugiadas. O objetivo imediato do programa, chamado Every Child Learning, é aumentar as oportunidades educacionais para crianças sírias refugiadas vivendo na Jordânia. Entretanto, a Pearson trata isso como um programa piloto que poderia ser adaptado a outras áreas de conflito.

Vários gestores que nós entrevistamos enfatizaram a importância de ter relações próximas com stakeholders que priorizam a comunidade, ao apoiarem a inovação voltada para a sustentabilidade. Tais relações permitem que as empresas interajam com grupos filantrópicos locais regularmente, permitindo, então, que funcionários identifiquem oportunidades de empreendimento potenciais que possam beneficiar a sociedade. Por exemplo, a AksoNobel, a fabricante holandesa de tintas e revestimentos especiais, desenvolveu uma relação com uma ONG no Reino Unido chamada Community RePaint. Ela recolhe dezenas de milhares de litros de restos de tinta de famílias inglesas por ano e as reprocessa para reuso das comunidades e instituições de caridade, e ainda evitam que a tinta vá para os aterros.

Ao estudar como as empresas encorajavam a inovação voltada para a sustentabilidade, descobrimos que embora seja importante que os funcionários tenham conhecimento em sua própria área, eles também precisam ser interdisciplinares, porque o valor econômico e social que suas iniciativas geram transcendem barreiras funcionais. Equipes e comitês multifuncionais desempenham um papel importante ao trazerem stakeholders à mesa e fomentarem colaboração. A Interface, por exemplo, tem um programa embaixador de sustentabilidade e os desafiam a inovar, mas também cultivar um quadro de funcionários entusiasmados e comprometidos de partes diferentes da empresa.

4. Reforço positivo. Um jeito comprovado de motivar funcionários a irem além do envolvimento inicial em atividades de inovação é oferecer reforço positivo. Gestores fazem isso através de elogios informais e reconhecimento formal. Embora muitos dos funcionários que participam de projetos de inovação voltados para a sustentabilidade estejam intrinsicamente motivados a participar dessas atividades, as empresas devem buscar formas de expandir a participação e mostrar como recompensas pessoais superam os custos.

Embora a UBS, como empresa de serviços financeiros, opere em uma indústria altamente regulada, ela tenta encorajar seus funcionários a pensarem de maneira empreendedora. Em um evento recente, os gerentes gerais e sêniores falaram sobre a necessidade de elogiar e apoiar os funcionários que estão defendendo iniciativas de dentro da empresa.

5. A necessidade de responsabilidade. Organizações que querem promover inovação voltada para sustentabilidade precisam definir a responsabilidade dos funcionários de formas que vão além da maximização de lucro para acionistas e adotam alvos e sistemas de avaliação que incluem sustentabilidade. Ter tais iniciativas encoraja funcionários a trabalharem em direção a objetivos ambiciosos para crescimento sustentável.

De sua parte, a AkzoNobel apresentou um sistema de bônus que premia gerentes-gerais e gestores seniores por atingirem metas de sustentabilidade de longo prazo. Para encorajar investimento em inovação voltada para a sustentabilidade, 30% do bônus de incentivo de longo prazo dos gerentes-gerais estão relacionados com quão bom é o desempenho da empresa em um índice desenvolvido pela RobecoSAM, uma empresa de investimentos suíça que se concentra em sustentabilidade.

Vários entrevistados observaram que a transparência em relação a objetivos de sustentabilidade e desempenho ajuda as empresas a atingirem novos padrões de divulgação, aumenta a consciência entre os clientes, e mostra o que a empresa considera importante. Na Pearson, por exemplo, gestores se comprometeram a avançar a educação de qualidade e reduzir desigualdades. Ao manter essas metas, a empresa começou a informar a “eficácia” dos produtos e serviços para estudantes, o que é auditado pela PwC. Tais práticas podem ajudar as empresas a se tornarem mais responsáveis e estabelecerem metas e padrões ainda mais altos.

A INOVAÇÃO voltada para a sustentabilidade pode ajudar empresas a se tornarem mais competitivas e identificarem novos mercados enquanto abordam as necessidades mundiais. Entretanto, a não ser que os gestores ofereçam uma noção clara de propósito, os recursos certos, um ambiente colaborativo, um reforço positivo e um compromisso com a responsabilidade, as empresas acharão difícil fazer com que os funcionários participem de iniciativas voltadas para a sustentabilidade. E sem entusiasmo e compromisso de funcionários motivados, as empresas que aspiram se tornar inovadoras em sustentabilidade vão arriscar-se a perder vantagem.

SOBRE A PESQUISA

Este artigo se baseia em 63 entrevistas semi-estruturadas com gerentes gerais, gestores seniores e médios responsáveis por atividades de inovação voltadas para a sustentabilidade em sete corporações multinacionais. As empresas foram selecionadas com base em seus rankings no Dow Jones Sustainability Index e a pesquisa GlobeScan/SustainAbility. Os pesquisadores pediram que os entrevistados identificassem fatores que estimulavam, apoiavam, desencorajavam ou atrapalhavam funcionários em relação a projetos de inovação voltados para a sustentabilidade dentro da organização e pediram também que dessem exemplos das melhores práticas na área. Então, utilizaram os projetos e práticas mais comumente mencionados para construir seu panorama.

Crédito da foto: Shutterstock

Thijs H. J. Geradts e Nancy M.P. Bocken
Thijs-H.-J.-Geradts-e-Nancy-M.P.-Bocken

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