Você ainda busca diferenciação de marca para competir num mundo repleto de commodities?
“Sempre que participo de uma reunião de briefing com o cliente, seja para criação de uma campanha, seja para posicionamento de uma marca, ou ainda, no desenvolvimento de novos produtos ou serviços no portfólio do cliente, me dou ao direito de iniciar o encontro fazendo uma pergunta que às vezes se torna desconfortável para o cliente.
A pergunta é: o que te faria comprar sua própria marca e não a do concorrente se você estiver na posição do seu consumidor? Pode parecer uma pergunta fora de hora, uma provocação gratuita ou ainda um desafio ao briefing que estamos prestes a receber. No entanto, faço isso com o intuito de colocar uma reflexão importante para ambos, consultoria, agência e cliente, para avaliarem se a marca em questão mantém sua competitividade e sua atração, fundamentais para conversão em vendas; ou se o lançamento em questão cai na vala comum de preenchimento de portfólio de produtos da empresa.
Sei que a pergunta é uma daquelas que a resposta vale 1 milhão de dólares, mas ela, muitas vezes, descortina a fragilidade que muitas empresas têm em construir marcas legítimas e concretamente diferenciadas para competir no mercado supercompetitivo atual.
Pergunte a um dono de cachorro da raça chiuaua se ele acha seu cãozinho bonito? Imaginou a resposta? Mesmo que não diga que sim, por razões óbvias, ele vai dizer que é charmoso, que tem um certo sex appeal ou ainda que chama muita atenção, mas jamais vai dizer diretamente que não é um Brad Pitt canino. O exemplo deixa claro que sua diferenciação mora em sua singularidade, em seus atributos únicos e peculiares que nem mesmo o Brad Pitt dos cães tem.
Produtos e serviços nos próximos anos não escapam dessa lógica. Por mais comoditizados que possam parecer, eles têm traços de singularidade que os fazem competitivos. É por isso que evito trabalhar nas marcas de clientes a partir da sua possível diferenciação, já que vivemos hoje num mar de similaridades de produto e serviços, todos muito parecidos, sem efetiva diferenciação.
Entra ano, passa ano e até hoje não consegui deparar com metodologia de posicionamento mais perfeita e atual do que a de David A Aaker, hoje com 83 anos. Quando David Aaker criou sua metodologia, a grande maioria dos atuais diretores e gerentes de marketing e produto das empresas estavam nascendo. Eu diria que David Aaker está para um Philip Kotler na comunicação de marca. A propósito, Kotler acaba de lançar, juntamente com outros dois professores, o livro Marketing 5.0 – Technology for Humanity.
Também apenas por curiosidade, Aaker é pai da também famosa Jeniffer Aaker, psicóloga e autora do livro The Dragonfly Effect, de 2010, considerado um dos livros mais importantes da década, originado dos estudos da autora sobre storytelling nas mídias sociais e seus impactos em rede na sociedade.
Contudo, você pode estar se perguntando: a metodologia de Aaker não está velha para os dias de hoje, já que o mundo digital trouxe mudanças radicais no jeito que consumimos marcas? Não. Um redondo não. De acordo com Aaker, posicionar é mostrar a face mais sedutora da marca para o mercado. É como numa fotografia de casamento em que muitas mulheres e homens preferem usar “”seus melhores ângulos”” para tirar uma foto. Por isso, o gabarito metodológico de Aaker, se atualizado com os atributos do novo momento de mercado, ainda é muito robusto.
Lembrem do chiuaua e de sua singularidade. Uma marca só se torna singular se conhecer profundamente seu ecossistema de atributos. Aaker constrói a identidade de uma marca a partir de seus atributos e os posiciona a partir de suas relevâncias perante o mercado.
Ao longo dos anos, senti a necessidade de atualizar o gabarito de Aaker que era constituído de atributos físicos, emocionais, comportamentais e corporativos de marca. No mundo digital e com a ascensão das mídias sociais e da importância da tecnologia e do valor humano nas marcas, fiz uma espécie de atualização do gabarito original. Na época de Aaker, a diferenciação de marca era um tema importante para o posicionamento. Hoje, o apelo está em deixar sua marca singular, onde suas ofertas “precisam parecer”” exclusivas e proprietárias.
São quatro grandes pilares de atributos de marca que precisam ser explorados para busca da singularidade de marca e de seu posicionamento no marketing atual. São elas: os atributos transacionais, os relacionais, os imagéticos e os institucionais.
Em cada um deles, há uma miríade de possibilidades de posicionamentos (e singularidades) para qualquer produto e marca. A má notícia é que, diferentemente das ciências de números, que pressupõe uma avenida metodológica única para atingimento dos objetivos, as ciências humanas demandam decisões estratégicas, muitas vezes subjetivas, apesar de contar com a lógica e com o bom senso. Ou seja, a escolha de um posicionamento e, por consequência, da singularidade da marca está nas mãos do gestor, sem que ele tenha a certeza de que produzirá o resultado esperado. No entanto, para mim, está aí a beleza do marketing.
O que há de concreto intramuros da empresa, do produto ou da marca que pode elevar a relevância da oferta? Quais elementos funcionais que constituem a entrega de valor da marca? Até aqui, não há novidade. Se temos um lançamento de produto ou serviço a fazer, temos obrigatoriamente uma entrega concreta a realizar. E elas devem ser usadas como atributo transacional.
No entanto, por melhores que sejam as entregas concretas das marcas, elas sozinhas não movem mais o ponteiro de share. A não ser que estejamos falando da mais recente e inovadora tecnologia do segmento e que nenhuma outra marca já tenha lançado mão em seu lançamento.
Um exemplo disso foi o lançamento da QWANT, um motor de busca concorrente ao Google e Yahoo que promete mais segurança que os concorrentes, já que adota regras mais fortes para proteção de dados em comparação aos concorrentes, já que não guarda dados pessoais, incluindo o endereço de IP. Por isso, as buscas nesse novo motor não são individualizadas, mas sim, aparecem as mesmas para qualquer usuário.
Nesse caso, o posicionamento, ou a singularidade da francesa QWANT está totalmente alicerçada num atributo transacional. No entanto, note que esse posicionamento é pouco perene; suficientemente volátil até que toda a categoria ofereça o mesmo recurso.
Para mim, a melhor definição de marca no século 21 é aquela que define marca como uma ideia. As plataformas das mídias sociais aproximaram e personificaram de tal maneira as marcas e consumidores que seus usuários se relacionam com as marcas como se fossem pessoas, a partir de uma ideia central.
Depois de experimentar as marcas mais famosas de maquiagem do mundo e de sentir o vazio da indústria de produtos em relação a lançamentos destinados a todos os tipos e tons de pele, a cantora Rihanna foi inspirada a criar a marca Fenty Beauty, em 2017. A ideia nasceu para ser uma marca mais universal, que atende a todos os tipos de consumidores, já que tem em seu portfólio produtos para todos os tipos de pele, para “”todxs”” que quiserem se maquiar. A parceria com a gigante LVMH foi um sucesso instantâneo e já lançou a ideia da marca em mais de 150 países.
Importante deixar claro que por trás da ideia de um portfólio amplo de produtos (atributo transacional fácil e rápido de ser copiado) está Rihanna, uma personagem moderna e rica de atitudes, que está alinhada aos valores mais contemporâneos da comunidade. O inconsciente coletivo “”entende”” a Fenty com numa relação direta com a estrela e tem expectativas que a marca ofereça para sociedade um universo de produtos e atitudes tão contemporâneas quanto sua criadora. Ou seja, a persona por trás da ideia.
Nenhum outro atributo de posicionamento é tão contemporâneo quanto o imagético para trazer singularidade de marca. A sociedade se moveu nos últimos 20 anos para uma avenida menos trafegada por palavras, com mais trânsitos de imagens. A própria língua se objetificou com signos e símbolos forrados de significados ;-), por exemplo.
A ciência há muito explica a correlação das imagens e de nossa resposta de comportamento emocional. António Damásio, médico neurologista português, famoso pelo seu livro O Erro de Descartes, cunhou o termo ‘marcador somático’ para estabelecer um mecanismo cerebral que nos influencia a tomar decisões tendo como base a cognição prévia e repetitiva de um elemento gráfico, seja ele verbal ou não verbal.
Trocando em miúdos, no marketing, temos dezenas de exemplos de marcadores somáticos como o do território da segurança, amplamente trabalhado pela Volvo há tantos anos ou um design limpo, minimalista da Apple ou ainda o formato das garrafas de Absolut Vodka. O marcador somático facilita a identificação de uma marca. É um atalho mental que economiza o gasto energético cerebral porque ele está impregnado de significado.
A singularidade de uma marca pode vir pelo seu marcador somático. Ou por seus códigos visuais, assim como quando vemos um comercial e notamos a presença maciça da cor laranja e a identificamos com uma instituição financeira. O mesmo acontece com marcas que, à revelia de suas vontades, passaram por questões inesquecíveis como a Vale, por exemplo. O marcador somático está lá; esse não foi construído, mas aderiu ao valor de marca se tornando um marcador somático.
A evolução de uma corporação autocentrada para uma empresa amplamente socialmente conectada – seja com sustentabilidade ou com a comunidade – já aconteceu. Estamos na seara do ESG (em inglês, Environment, Social and Governance). O boicote às marcas que não fazem parte do meu portfólio de justiça ou, pior, daquelas que prejudicam a sociedade é uma constante nas mídias sociais e na mídia em geral.
Será que a empresa desse creme que estou achando a embalagem linda e que meu bolso pode comprar fez teste em animais? Será que desmatou florestas para compor a embalagem? O caso mais emblemático de uma marca singular, com posicionamento claro institucional, é a Natura, um exemplo para o bem e para o mal de um posicionamento institucional acima dos posicionamentos de produto.
A atitude empresarial é, hoje, a pedra de toque para obtenção da simpatia dos seus usuários e conversão de vendas. Voltamos ao tempo em que “quem produz” é tão importante quanto “o que produz”.
Os pilares de posicionamento para singularidade de marca se intercambiam. Um posicionamento forte é aquele que se utiliza de elementos de todos os quatro pilares acima, no entanto, fazendo preponderar um acima dos outros. Ou seja, não é porque a Volvo tem seu marcador somático de segurança que ela deixa de explorar os atributos institucionais por ser uma marca sueca.
A construção do ecossistema de atributos de marca para seu posicionamento tem sido uma tarefa árdua para os diretores de marketing e agência de comunicação, já que a volatilidade do mercado está altíssima.
Por mais complexo que possa parecer, o recado aqui é um só: diferencial de marca é coisa do passado. A singularidade de uma marca tem “”batido um bolão”” na hora da escolha pelo usuário dentro da nova jornada de consumo.
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