Entenda por que promoções como a Black Friday representam tudo que há de insconsciente no capitalismo, o pior do velho normal, aquele que prejudica todo o ecossistema de negócios
O mundo está mudanças, V.U.C.A. com certeza (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo). Provavelmente um M.U.V.U.C.A. (agregamos Meaning e Universalidade). No mundo que vivemos hoje não temos mais espaço para viver duas vidas, duas perspectivas.
A ideia do tripé da sustentabilidade, no qual o pé de Pessoas tem uma intersecção com o de Planeta que tem uma intersecção com o de Lucro (Profit) não existe. Temos apenas um planeta, todos vivem nele (exceto uma meia-dúzia que está na estação espacial) e todos os negócios estão inseridos nas comunidades (ainda não existem negócios sem pessoas).
Olhando a nova versão ESG (Environment, Social e Governance) que é um upgrade do tripé da sustentabilidade ao trazer o elemento Governança, vemos que agora, mais que nunca, o modo como uma empresa gera lucro importa, é relevante para os investidores. Isso é apenas uma evidência de que as ideias do passado nem sempre estão erradas apenas incompletas.
Mas o que isso tem a ver com o Black Friday, Black Rock e Black Plague?
Começando de trás para frente, estamos vivendo uma peste, uma pandemia. Sob sua vigência, o consumo foi reduzido ao essencial, pois fez com que as pessoas realmente começassem a pensar o que é importante. Em tudo que consumimos até o ano passado. Em tudo o que deixamos de consumir. No tempo que passamos no trânsito. Nas novas opções de trabalho que estão surgindo.
Estamos pensando no trabalho como servir ao outro de maneira relevante, em vez de só ter carteira assinada e fazer mais do mesmo. Estamos pensando no consumo como consumir o que realmente importa. A pandemia fez com que desacelerássemos e nos deu tempo para repensar muita coisa. Muitos estão loucos para voltar para o “normal”, mas os que tentarem de fato voltar para o “normal” provavelmente sucumbirão diante da próxima crise.
Com a pandemia cancelamos muitos dos eventos sociais e coletivos, mas ainda assim esquecemos de cancelar um, justamente um que representa perfeitamente esse “normal” do passado: a Black Friday.
O que é, no fundo, essa tal de Black Friday? Um momento em que as empresas desovam seus estoques de produtos encalhados, ultrapassados, e desatualizados, e se eximem da responsabilidade do consumo desproporcional estimulado por suas próprias campanhas de marketing. É um modelo não cabe mais no futuro em gestação. A responsabilidade do excesso não pode ser mais jogada para o consumidor. As empresas e seus líderes têm uma responsabilidade moral de ajudar a criar uma nova realidade mais sã e mais cuidadora de seus ecossistema.
Black Friday é prejuízo para aquelas empresas que vendem com consciência de seu ecossistema de negócios, que inclui todos: clientes, fornecedores, comunidade, funcionários, acionistas e meio ambiente. E e prejuízo para aqueles ecossistemas que recebem as promoções das empresas inconsequentes.
Isso nos leva ao Black Rock, o fundo de investimentos com US$ 7 trilhões em carteira, o equivalente a três vezes o PIB do Brasil. O que importa não é o que eles têm, é como eles estão focando seus investimentos.
O CEO da Black Rock, Larry Fink, publica todo ano uma carta para os presidentes e CEOs de empresas de capital aberto com uma mensagem clara. Em 2018, foi a mensagem demandando planos de longo prazo. Em 2019, foi a mensagem de que as companhias precisam ter um propósito além do lucro. Em 2020, foi a mensagem sobre a crise climática ser o ponto focal em seus investimentos, exigindo uma reforma das finanças.
Não dá mais mais trabalharmos com perspectivas de curto prazo, pelo bônus e prêmios trimestrais. Não dá mais para aceitarmos que as empresas continuem saqueando riqueza de suas comunidades (precisamos resolver problemas e não causá-los), do meio ambiente (precisamos ser carbono neutro), dos clientes (fazê-los consumir a qualquer preço), dos fornecedores (pagando-os mais de 30 dias depois, pois clientes não são bancos), dos funcionários (trabalharem em um ambiente de incerteza, quantos movimentos de downsizing sua empresa já fez?) e tudo a favor dos acionistas.
A mensagem do maior fundo de investimentos do mundo é clara. Se você, líder, não focar na geração de valor para todos envolvidos sua empresa provavelmente será desinvestida pelos investidores – ou não terá nenhuma chance de participar do portfólio deles.
Estamos com modelos incompletos, a cada oportunidade de aprender expandimos nossa consciência. A ideia de Milton Friedman de 50 anos atrás, de que o único propósito de uma empresa é gerar lucro para os acionistas, está incompleta, como eu já disse aqui e repito. Ainda precisamos gerar lucro, pois sem lucro não pagamos impostos, não fazemos investimentos e não podemos fazer filantropia.Mas não podemos ser irresponsáveis socialmente.
Além do mais, uma coisa não exclui a outra. Nossos estudos demonstram que, criando valor para todos stakeholders, geramos um resultado financeiro de até sete vezes maior que a média de mercado no longo prazo (estudo de 20 anos).
Meu livro, “Jornada ao Capitalismo Consciente”, é uma contribuição para quem quer enveredar por esse novo caminho, trazendo uma abordagem para criar esse mundo integrado e ecossistêmico.”