Planejar a sociedade e implementar práticas adequadas de governança demonstram startups mais preparadas para o futuro e apoiadas em transparência, organização e compliance
Startup é como se chama uma empresa em fase inicial de operação, que tem um modelo de negócio inovador, escalável e que busca rápido crescimento. Segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), o país possuía mais de 12.700 startups em funcionamento no ano passado, quase o triplo do número de empreendimentos em 2015.
Em sua fase preliminar, seja intencionalmente ou por falta de conhecimento, uma série de questões jurídicas complexas muitas vezes são deixadas em segundo plano pelos sócios-fundadores, como por exemplo, a escolha do tipo societário e a implementação de uma governança corporativa adequada.
Para se estabelecer uma governança corporativa adequada, os sócios devem se atentar ao o tipo societário sob o qual a sociedade foi ou será constituída, levando em considerações os seguintes fatores: (i) quantidade de sócios; (ii) relação e função dos sócios; (iii) capital e sua estrutura; (iv) planejamento do negócio; (v) objeto social; (vi) administração; (vii) custos; e (viii) requisitos para entrada e saída de sócios.
No Brasil, as sociedades por ações e as sociedades limitadas são os principais tipos societários adotados, sendo as sociedades limitadas, sem dúvida, as mais comuns em negócios incipientes. O principal motivo para isso é a limitação da responsabilidade dos sócios em relação às obrigações contraídas pela sociedade.
As sociedades limitadas, regidas pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2020 (“Código Civil”) têm suas regras estabelecidas em contrato social, e são bastante flexíveis e menos burocráticas, dependendo de como contrato social é redigido. A responsabilidade dos sócios é limitada à integralização do capital social.
As sociedades anônimas, por sua vez, devem observar os termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e são regidas por um Estatuto Social. Além de regras menos flexíveis, as sociedades por ações têm um custo mais elevado para a sua operacionalização e menor privacidade com relação aos seus negócios devido à obrigação de publicação de certos documentos societários.
No entanto, quanto às possibilidades de financiamento, as sociedades anônimas podem emitir debêntures e têm mais flexibilidade para a determinação e alocação do preço de emissão de ações, além de emitir diferentes tipos e classes de ações, com diferentes direitos, sendo possível controlar o grau de diluição dos acionistas em novas captações via capital (equity), o que pode ser muito positivo na conquista de investidores. Nas sociedades anônimas, a responsabilidade dos acionistas é limitada ao pagamento do preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.
Escolhido o tipo societário, é recomendável estruturar a governança corporativa da startup. Assim como para empresas em estágios mais avançados, os princípios e as práticas da boa governança corporativa podem (e devem) ser aplicados às startups o mais cedo possível.
Principalmente em seu estágio inicial, muitas vezes os sócios-fundadores entendem que a estruturação de uma governança corporativa traz burocratização desnecessária e dificulta a operacionalização do negócio, ou que é desnecessária porque são “todos amigos”. No entanto, tais práticas podem ser implementadas gradualmente, sendo adaptadas a cada uma das fases de desenvolvimento da empresa. Quando se tem sócios, é sempre salutar alinhar expectativas e combinar regras logo de início.
A governança corporativa, além de preservar e otimizar o desempenho da sociedade conforme o seu estágio, também diz respeito à maneira pela qual as sociedades são dirigidas e controladas, dispondo de regras que evidenciam e monitoram os atos de gestão (sócios, conselhos, executivos, órgãos de fiscalização e controle e demais partes) e o método de direção societária. Ademais, por proporcionar transparência e responsabilidade, a boa governança protege as diversas partes envolvidas, tais como investidores, empregados, clientes e fornecedores.
Assim, pensando no risco que o negócio pode trazer, o contrato ou estatuto social e eventuais acordos de sócios/acionistas, conforme o caso, devem prever os mecanismos necessários para a instituição de uma boa governança, tais como: boa comunicação entre os sócios, criação de uma boa administração, adoção de mecanismos de controle eficientes, alçadas de competência, regras de saída, voluntária ou forçada de sócios, transações com partes relacionadas, admissão de herdeiros, apuração de haveres, encerramento da sociedade, entre outras.
As questões jurídicas que envolvem uma sociedade são complexas e, portanto, precisam de uma boa administração desde o seu início. A criação de um conselho, de administração ou consultivo, é alternativa para possibilitar o funcionamento e um crescimento do negócio mais adequado. Os membros dos conselhos podem atuar em prol do planejamento estratégico do negócio e na busca de resultados; jamais devem ser encarados como um obstáculo para o funcionamento da startup. É sua função trazer ideias e oxigenar a empresa.
Outra prática de governança corporativa útil desde o início da sociedade é a instituição de mecanismos de controle das operações, como a implementação de auditorias para supervisionar a aplicação de regras e boas prática, uma boa contabilidade para contribuir e assegurar as atividades financeiras e controles internos eficientes que garantam a qualidade no trabalho realizado.
Em relação ao valor da sociedade, são comuns cláusulas determinando o pagamento a sócios retirantes com base no valor contábil da sociedade, apurado em balanço levantado na data do fato, ou mesmo a falta de um acordo prévio nesse sentido, levando-nos à regra de apuração de haveres do Código Civil que determina a realização de um “balanço especial” que será levantado com base no patrimônio da sociedade, à data da resolução (art. 1031).
Nesse sentido, se faz importante a determinação de critérios adequados para o cálculo de haveres ou preço de compra de participações que façam sentido vis-à-vis a natureza do negócio desenvolvido pela sociedade, pois o valor contábil da sociedade (na grande maioria das vezes) não reflete o verdadeiro valor de negócio.
O valor da sociedade nos remete às regras de saída que podem ser importantes, considerando os sócios e suas características e necessidades. Algumas das regras são o direito de preferência para compra e subscrição de ações/quotas, a cláusula de direito de venda conjunta (tag along), a cláusula de obrigação de venda conjunta (drag along) e opções de compra e venda.
É compreensível que diante de todas as questões legais, burocráticas e custos que envolvem a constituição e manutenção de uma sociedade, os sócios de uma startup não priorizem as questões acima apresentadas, mas é sempre bom lembrar que esses arranjos são mais fácies de serem negociados e acordados quando não existe um ambiente de conflito entre os sócios, uma vez que transparência e baixo nível de contingências são coisas que os investidores dão valor.
Ao contrário, brigas entre sócios, falta de transparência e contingências em grau elevado, por melhor que seja a ideia, podem afastar investidores que não tenham apetite para risco e ambientes conflituosos.
Em suma, para se ter sucesso (e menos dor de cabeça) na questão de sociedade em startups, se mostra necessário instituir práticas adequadas de governança corporativa, via-à-vis o momento do negócio, com mecanismos que visem transparência, equidade, responsabilidade, organização, cumprimento das obrigações legais (compliance) e boa-fé. Para um negócio de sucesso, não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje.
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