Será que os conceitos de marketing permanecem os mesmos no século 21? Neste artigo, você confere cinco concepções para pensar o presente e o futuro do marketing e das marcas num período de mudanças expressivas
“Com muito medo de parecer óbvio, escrevi meu artigo do mês passado a respeito da grande confusão que existe entre o que é estratégia e o que é tática no mundo digital. Medo porque eu tinha apenas uma desconfiança de que os conceitos traziam entendimentos e apelos diferentes no universo marqueteiro. No entanto, a realidade se provou idêntica à desconfiança. Recebi muitas mensagens elogiosas por ter escrito sobre o assunto, que, apesar de básico, tem o poder de expor profissionais de marketing e de agências a erros crassos.
Diferentemente de outras áreas mais exatas, o gerenciamento do marketing moderno permite uma certa elasticidade na aplicação de seus conceitos. Porém, essa elasticidade pode levar a interpretações equivocadas, gerar trabalhos em vão e, especialmente, impactar no negócio. De acordo com a MIT Sloan Business School, o marketing é uma alavanca de captura de valor transversal nas empresas, ou seja, perpassa praticamente todas as áreas do negócio: da logística ao mercado propriamente dito.
Por isso, lá estou eu de novo levantando mais um tema controverso do universo conceitual do marketing (propósito de marca) ao qual, particularmente, duvido e ponho a mão no fogo em dizer que também está muito desalinhado entre os profissionais da área.
Para começar essa conversa é importante lembrar que as escolas de negócios mais modernas do mundo são muito claras em reconhecer que a jornada de decisão de compra desta década está submersa na subjetividade do consumidor. Os aspectos emocionais e especialmente os atributos filosóficos intangíveis de marca estão “jogando um bolão” na hora da escolha de marcas.
Explico melhor. A afirmação “”não vou comprar esta marca porque ela não ‘está nem aí’ para o meio ambiente”” acabou se tornando padrão de resposta do consumidor na hora da decisão de compra. Entretanto, é claro que dá para relativizar bastante as declarações dos usuários sobre uma marca, porque nem sempre elas estão alinhadas com suas atitudes.
O que é certo? O atributo filosófico de marca tem entrado na jornada do processo de compra com uma rapidez exponencial.
Vendo o mundo mudar tão rapidamente e “”subjetivar”” ao seu redor (vale uma lida no meu artigo sobre o mundo VUCA e BANI), os CEOs e os gestores seniores das empresas começaram a se preocupar com o gap entre o mundo moderno e os atributos de suas marcas. E iniciaram um processo de revisão de branding, solicitando aos seus departamentos de marketing e às suas agências, trabalhos de reconstrução de imagem de marca.
E é aí que começa a grande confusão.
A minha marca precisa de um “”reposicionamento””? E de um propósito? Qual a proposta de valor que se alinha aos novos tempos?
Essas são preocupações cotidianas dos gestores sobre suas marcas que têm se somado a outras dezenas de questões sobre os negócios nos tempos atuais. E essas demandas geram um novo questionamento que analiso a seguir.
Mais do que nunca, as marcas hoje representam não somente a característica distinta e diferenciadora de um produto ou serviço no mercado como também e principalmente, se define como uma espécie representante diplomática do negócio, capaz de construir pontes e diálogos, além de estruturar o engajamento com a sociedade. Por isso, falar de marca neste século é também falar da companhia que a produz.
Dessa forma, as perguntas de praxe mencionadas acima, que ouço todos os dias na minha consultoria de branding e comunicação, trazem, ao mesmo tempo, receio e uma certa ansiedade dos gestores, uma vez que os conceitos de marca atuais adicionam uma camada de complexidade na já competitiva equação do marketing e comunicação.
Com a escalada de importância dos atributos mais intangíveis de marca e com o papel de representar a voz das empresas perante a sociedade, as marcas se veem obrigadas a repensar (ou a começar a pensar) em seu papel ético na Terra. A sustentabilidade, a ética empresarial, a transparência e mais um punhado de valores humanos estão agora sob a tutela da iniciativa privada por meio de suas marcas.
Como diz Philip Kotler em seu livro Marketing 4.0, quem é que hoje, em sã consciência, num mundo tão competitivo e cheio de commodities, compra um produto ou serviço por que não existe outro similar? A resposta é simples: ninguém. Produto por produto, serviço por serviço, vivemos num mar de similaridades. E a última camada de diferenciação que resta para uma marca ser escolhida reside em seu lado ético. Compulsório ou não, o assunto precisa ser endereçado.
As companhias têm se desdobrado para encontrar um território de luta, de defesa da sociedade ou da natureza. É a esse esforço que chamamos de propósito de marca ou razão de existir.
Diante disso, você deve estar se perguntando: o propósito de marca é um elemento de imposição do mercado ou um caminho natural e espontâneo das empresas?
O propósito de marca passa a ser mais um vetor obrigatório no elenco de características de uma marca. Queiram ou não, os gestores e CEOs precisam olhar para o assunto, seja de forma compulsória, seja por pura consciência para sustentabilidade do negócio nos próximos anos. Daí a grande correria das marcas em revisitar seus comportamentos.
Sabe quando a gente pega um nó de uma rede de pesca, levanta e junto com ela vem os outros nós que estão ao lado? Pois bem, levantar o assunto propósito de marca ou propósito empresarial é como pegar um nó numa rede. É mexer com toda a cadeia de valores e conceitos que permeiam o marketing. É também falar de posicionamento de marca, de tom de comunicação, da proposta de valor nos negócios, de posicionamento de comunicação, de suas narrativas, e por aí vai.
É por isso que quero finalizar este artigo com alguns conceitos sobre os termos marqueteiros tão falados nesses tempos atuais.
Propósito de marca – a bem da verdade, e após a leitura do artigo, praticamente já temos definido o território do propósito, mas vale um “”recap””.
Propósito é a legítima vocação filosófica da empresa em advogar e adotar por uma prática social ou ambiental que vise melhorar a realidade da comunidade, da sociedade e/ou do mundo em geral. E que tenha, obrigatoriamente, alinhamento com seus valores corporativos e da sua cultura empresarial.
São atitudes empresariais que podem ou não estar ligadas ao próprio negócio, mas que gerem acima de um diferencial competitivo, algo mais nobre do que esperamos de uma empresa.
A Natura, por exemplo, é um exemplo óbvio e conhecido de propósito empresarial. Comunicação, produtos, serviços e processos, todos se direcionam para o mesmo ponto de propósito: o bem-estar da humanidade por meio da sustentabilidade do planeta.
Em outro exemplo, Spotify tem como propósito “”desbloquear o potencial da criatividade humana dando a oportunidade de milhões de músicos viverem de sua arte independentemente do monopólio das gravadoras e, ao mesmo tempo, dar aos fãs a oportunidade de desfrutar de seus ídolos””. Um propósito nobre, mas quase funcional, alinhado com seus objetivos de negócios.
É claro que o propósito interfere diretamente no comportamento (comunicação) e no posicionamento das marcas de produtos e serviços que fazem parte do portfólio da companhia. No entanto, as marcas e seus posicionamentos são entidades separadas do propósito porque visam competir ou ganhar espaço no mercado em que atuam, diferentemente de um propósito empresarial que gera uma resposta mais inspiradora.
Se a marca empresarial for a mesma da do produto ou do serviço, via de regra, a dimensão humana e filosófica terá correlação com os valores corporativos. E a dimensão relacional e funcional com os valores competitivos de produto. O que não quer dizer que, dependendo do tamanho da marca, ela não possa representar também os atributos filosóficos empresariais e ter também um perfil mais humano.
Se formos definir propósito para além dos parágrafos acima, arrisco dizer que devemos analisar caso a caso.
Princípio (filosófico) norteador – Para as médias e pequenas empresas que têm uma certa dificuldade em alçar voos tão nobres e globais (como os de salvar o mundo), elas apelam para uma espécie de propósito com dimensões mais modestas, porém não menos nobres que chamamos por princípio norteador.
Imaginem uma rede de borracharias. Você consegue enxergar esse negócio “”salvando o mundo””? Claro que não. Mesmo que seja um varejo poderoso, com lojas espalhadas por todo Brasil e com parcerias robustas com a indústria de pneus, seu negócio pode lançar mão de um recurso mais filosófico e colaborar para a melhoria da comunidade.
No caso dessa rede, adotar um território hipotético que beneficie a sociedade pode servir como um bom GPS. E se, por exemplo, a rede adotar o território da segurança para enveredar todo e qualquer esforço para garantir esse bem?
Na pandemia, por exemplo, pensem quantas ações poderiam ser criadas para garantia de segurança como um “”asset”” social?
Posicionamento de marca – é o território (uma espécie de filtro) por onde a marca vê o mundo. Por exemplo, na categoria automotiva, as marcas podem construir suas posições e narrativas “”a partir”” de lentes diferentes. A Volvo vê o prazer de dirigir e o design sempre pelas lentes da segurança. Este é seu posicionamento. Ferrari, pela esportividade radical. Lexus, pela via do luxo etc.
Outro exemplo ilustrativo, o posicionamento dos cremes Nivea, é ver a hidratação como “”care” enquanto que Avon se posiciona a partir do filtro do empoderamento feminino. A de O Boticário é transformar a vida das pessoas por meio do Amor (que gera – e é – a beleza).
Notem que posicionamento é o conceito que alicerça as marcas num grande território. Os exemplos acima são “”percebidos”” e não “”narrados ou ditos”” pelas marcas.
Crença de Marca – é a narrativa que embala o posicionamento das marcas. Com a Nike, por exemplo, a narrativa que embala seu posicionamento de performance é “”existe um atleta dentro de cada um de nós””.
Em Ikea, famosa loja de decoração europeia, que tem como posicionamento “”design””, sua crença é “”design is a right, not a previledge”” (numa tradução livre, “”design é um direito, não um privilégio””. Note que dentro de cada uma dessas narrativas que embalam essas marcas, existem mensagens que carregam outros valores para construção do equity da marca.
Posicionamento de comunicação – Enquanto a crença da marca é a embalagem ou a narrativa do posicionamento, o posicionamento de comunicação é a narrativa da crença. A planilha 5W2H – what, why, where, when, who, how, how much – é uma espécie de gabarito que pode ajudar as agências de publicidade a construírem histórias para as marcas.
As “”histórias”” publicitárias que traduzem a crença constroem uma linha de campanha, e dela, também saem o tom de diálogo que essa marca tem com seu público de interesse, suas atitudes, seus comportamentos, etc. Com as mídias sociais, o tom da comunicação é “”chave”” para construção de uma identidade de marca clara na construção dos diálogos com os públicos.
O caso mais emblemático de narrativa da crença no Brasil é o da marca BomBril, com o personagem do Carlos Moreno, o Garoto Bombril, que por quase três décadas contou a história da marca, sempre embalada com bom humor, delicadeza e uma pitada de sarcasmo.
Hoje, as marcas precisam construir essa identidade e reputação de forma muito mais ágil do que era feito há 30 anos. Por isso, ter claro esses conceitos é tão importante para que essa construção aconteça na velocidade do mundo cada vez mais digital e complexo.
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