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Comunicação Corporativa

5 min de leitura

Como juntar meio, mensagem e coerência – e servir de inspiração

Vale a pena se debruçar sobre os exemplos de diversos líderes mundiais e aprender com seus erros e acertos

Colunista Junia Nogueira de Sá

Junia Nogueira de Sá

21 de Julho

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Artigo Como juntar meio, mensagem e coerência – e servir de inspiração

Foi no início dos anos 1960 que um dos maiores teóricos da comunicação cravou a frase que definiu sua obra: o meio é a mensagem. Naquela época, o canadense Marshall McLuhan estava estudando o fenômeno da comunicação de massa, maravilhado com as transformações que a TV trazia e defendendo a ideia de que o meio pelo qual trafega uma mensagem pode, e muito, interferir em seu conteúdo. (Um detalhe: o sujeito era tão bom que previu o surgimento da internet e apostou que, um dia, viveríamos no que chamou de “aldeia global”, totalmente conectados.)

Pois então: nestes dias de isolamento social, em que o computador é a janela para o mundo e o coronavírus nos conectou inapelavelmente, fico pensando que McLuhan poderia usar seu conceito para explicar como um/a líder pode se sair muito bem (ou terrivelmente mal) quando se comunica. A mensagem que entrega tem, mais do que nunca, uma profunda e intrínseca relação com a maneira como essa entrega é feita.

De certa forma, sempre foi assim – você certamente já ouviu dizer que “o corpo fala”, e pode até ter participado de um media training em que boa parte do tempo foi investida na lição sobre como usar as mãos, os olhos e a voz. Vai muito além disso: na era mais absurdamente visual da história da humanidade, a mensagem continua sendo importante, mas é você, sua imagem e o que você projeta com ela, o chamado “conjunto da obra” que anda definindo o jogo.

E como hoje está tudo ao alcance de um clique, dá para aprender muito com os melhores – e mais ainda com os piores... – sem nem sair de casa (como mandam os nossos tempos também).

Vamos por partes. Donald Trump. Para quem admira seu estilo, as aparições do mais improvável dos presidentes americanos são um deleite de autenticidade. Mas é difícil ganhar outros corações quando ele surge nas coletivas nos jardins da Casa Branca e se agarra ao púlpito com as duas mãos (fico pensando: para quê?), vira meio de lado e mastiga as palavras, olhando ora para a plateia de jornalistas, ora para seus assessores enfileirados ali atrás. Não importa o que Trump diga – pode estar rezando uma Ave Maria – que o visual (lembrando, na era mais visual da humanidade) transpira confronto, é arrogante e, por vezes, um tanto debochado. Indomável (dizem os assessores que ele não ouve nem segue regras). Se a mensagem for essa, portanto, o meio está perfeitamente ajustado. O fato é que nem sempre é.

Como contraponto, Barack Obama já foi considerado dos personagens mais sedutores que a política produziu. Alguns dos segredos: o sorriso na hora certa, os olhos-nos-olhos do interlocutor (até diante de uma câmera ele é bom nisso...) e um ar permanente de quem escuta mais do que fala. Tem um segredo: Obama é o rei das pausas. Aprendeu a usar aqueles dois, três, cinco segundos de silêncio a seu favor, quando sabe que a audiência ou o interlocutor precisam respirar, para fechar cada bloco de ideias. Puro treino, que ele faz permanentemente (lição importante: nem o melhor porta-voz do mundo pode parar de treinar). E isso junta nele meio e mensagem de maneira poderosa.

Também nessa linha cheia de empatia e de simpatia, o planeta descobriu a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Adern, há pouco tempo. Durante a pandemia, ela deu um show aparecendo na TV a partir da sala de casa, sentada no seu sofá, com a mensagem de que era preciso ficar por ali para vencer o coronavírus. Quando enfim saiu, foi para dar a boa notícia de que a lição de casa estava feita (ela deu um show de gedtão também) e o país poderia voltar à (quase) normalidade. Contou, legitimamente feliz, que teve “vontade de dançar” com a filha pequena quando soube. Impossível duvidar: ela era, inteira, a mensagem nesse momento.

Adern, aliás, sabe usar o meio como mensagem de maneira exemplar. Em 2019, foi visitar as famílias que perderam parentes e amigos no atentado a uma mesquita e cobriu a cabeça com um hijab, o véu muçulmano, sem medo de que isso parecesse apelação. O momento da visita, a maneira como ela se comportou e o fato de não estar cercada de seguranças e assessores se somaram ao hijab em sinal de respeito à comunidade e sua dor. Um detalhe entre tantos acertos.

Sim, porque adereços podem ser um ruído desnecessário entre o meio e a mensagem -em comunicação, chamados de “ruído” tudo o que atrapalha, e às vezes até desvirtua a compreensão da mensagem. As máscaras de proteção a que estamos (quase) nos acostumando, por exemplo. O diretor da Organização Mundial de Saúde Tedros Adhanon, autoridade máxima do tema, não usa máscara nas coletivas diárias que faz – mas se senta distante dos demais membros da mesa, porque é o que preconiza, e diz o que deve ser feito nos quatro cantos do planeta. Adhanon não usa máscara porque, ali, não é necessário, ainda que lá fora seja, e muito. Não precisa: o recado está dado.

Diferente disso, há todas aquelas autoridades que fazem questão de cobrir o rosto mesmo em entrevistas em que aparecem sozinhos, ou distantes de outras pessoas, ou em casa (!). E, assim protegidos, anunciam a volta do comércio, do transporte público, a reabertura de parques e de shopping centers. Pior: há os que aparecem mascarados num dia, e absolutamente desmascarados no outro. E nem se dão ao trabalho de explicar o comportamento errático: caso perdido.

Porque comunicação é um território de meios e de mensagens, mas governado principalmente pela coerência. Também por isso o insight de McLuhan continua brilhante depois de meia década, e ajudando a separar os comuns dos excelentes – aqueles de quem a gente vai sempre se lembrar como inspiração.

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Autoria

Colunista Junia Nogueira de Sá

Junia Nogueira de Sá

Consultora especializada em gerenciamento de riscos e crises, gestão de reputação e relações institucionais, foi diretora de assuntos corporativos do Grupo Telefônica no Brasil e da Volkswagen do Brasil, além de ter coordenado a comunicação do Governo de São Paulo e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Foi também CEO da FleishmanHillard no Brasil.

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