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Tecnologia e inovação

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Como o blockchain pode combater pandemias

Prós e contras do uso da tecnologia na segurança e vigilância global da saúde

Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

29 de Junho

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Artigo Como o blockchain pode combater pandemias

Desde 2014, após as epidemias de ebola e zika, muitas preocupações surgiram em relação à segurança da saúde. Como os órgãos de saúde nacionais poderiam fortalecer os sistemas de vigilância em nível global?

Por isso, a ONU lançou a Agenda Global de Segurança na Saúde com os seguintes objetivos: abordar ameaças globais à saúde pública, fortalecer a força de trabalho e os sistemas na área da saúde, detectar e responder rápida e efetivamente às ameaças provocadas pelas doenças e tratar a segurança global da saúde como uma prioridade.

Ao longo desses anos, a tecnologia blockchain galgou atenção significativa entre governos, organizações, setores da indústria e cidadãos, pois trouxe um veículo sem precedentes para transferência de valor, verificação e registro de informações online. Ela já foi testada, com sucesso, em soluções de tecnologia financeira.

Nos Estados Unidos, o relatório econômico do Congresso, em 2018, dedicou um capítulo completo aos blockchain, reconhecendo sua enorme importância por sua imutabilidade, velocidade e eficiência no compartilhamento e processamento de dados. Sua aplicação em diversos setores, como energia, logística, gerenciamento de registros e eleições, pode ser cada vez mais usada.

Também na saúde. Nessa linha, o blockchain tem se mostrado eficaz como uma plataforma para melhorar a autenticidade e a transparência dos dados em clínicas e hospitais, seja para manutenção de permissões nos registros eletrônicos de saúde (EHR), seja para a racionalização do processamento de pacientes e reivindicações.

Transferência de dados de saúde

Blockchain é um protocolo, uma arquitetura, uma rede peer-to-peer (distribuída, descentralizada, sem autoridade central) que possibilita a transferência de qualquer tipo de valor (não só monetário) via internet, entre pessoas que não se conhecem, ou não necessariamente confiam entre si. Vale destacar que registros médicos e dados de saúde são um tipo de valor, assim como uma fração de um imóvel, um kilowatt de energia ou até o seu comportamento na internet.

Um dos aspectos mais importantes da arquitetura blockchain é que ela foi projetada para ser inteiramente descentralizada, distribuída. Ou seja, em vez de depender de uma autoridade central (organização, instituição, órgão etc.) para validar registros de transações entre os usuários do sistema, a tecnologia blockchain utiliza um protocolo ou um mecanismo de consenso para validar e registrar dados de uma maneira incorruptível.

Um sistema de saúde global centralizado possui muitas desvantagens como o desencontro e insegurança de informações, decorrentes de um sistema extremamente fragmentado. São diversas plataformas que não conversam entre si, o que gera alto custo, lentidão, falta de transparência e ineficiência.

A descentralização do sistema global de segurança e vigilância de epidemias e saúde, por meio da integração propiciada por uma plataforma blockchain, pode trazer consideráveis melhorias à interoperabilidade, otimização de custos e aumento da velocidade no compartilhamento de informações entre os participantes.

Mas por que usar blockchain se já temos bancos de dados?

Porque bancos de dados guardam dados, enquanto blockchain é uma "base de registro de transações". Bancos de dados foram concebidos para uso dentro de uma organização, as arquiteturas blockchain permitem o uso compartilhado entre várias organizações.

Num blockchain, os registros são de interesse de vários participantes independentes, externos. Já um banco de dados continua a ser a opção para armazenar e compartilhar dados e informações de uso interno de uma organização e suas filiais.

É aqui que as coisas começam a ficar interessantes.

Numa batalha contra uma pandemia, a necessidade de cooperação e resposta é elevada a um nível superior entre diversos atores que não se conhecem, e não necessariamente confiam entre si como, por exemplo, departamentos de prevenção a epidemias, órgãos de saúde, hospitais e governos do mundo inteiro. Nesse cenário, uma ferramenta transparente, antifraude e resistente a adulterações pode fazer toda a diferença.

Perceba que em uma rede blockchain, para ocorrer uma modificação nas informações já registradas na plataforma, não se reescreve a informação. Em vez disso, toda alteração (Y) de determinado registro (X) é armazenada em um novo bloco, mostrando que X mudou para Y em uma data e hora específicas.

Assim, em vez de termos vários documentos conflitantes sobre determinado registro (número de pessoas infectadas pelo coronavírus, por exemplo, ou a quantidade de mortes), teremos um registro transparente, e permanente, do histórico dessas informações. Isso mostra quem registrou as informações e quando se deu o registro.

Vantagens e limitações do blockchain em um sistema global de saúde

Dentre as vantagens que a tecnologia blockchain pode trazer a um sistema global de saúde, podemos citar:

  • redução de custos e maior eficiência;
  • maior acessibilidade aos dados de saúde e registros médicos, atualizados em tempo real;
  • redução de fraudes, pois as transações passariam a ser processadas automaticamente por algoritmos de consenso, sem a necessidade da validação dos registros por uma única instituição centralizada;
  • segurança aprimorada, protegendo registros sigilosos e proteção à prova de phishing;
  • maior interoperabilidade, possibilitando maior rapidez à comunicação entre diversos atores.

Já quanto às limitações técnicas, o uso da tecnologia blockchain em um sistema global de saúde ainda precisa enfrentar os seguintes desafios:

  • relação custo-eficácia (que varia conforme o tipo de blockchain escolhido);
  • questões regulatórias, principalmente ligadas à proteção de dados
  • risco potencial de comprometimento;
  • escalabilidade de uma blockchain pública ainda é um desafio a ser enfrentado.

Apesar de existirem projetos-piloto aplicados a atividades do setor hospitalar e de saúde desde 2017, como registros médicos, cobrança de seguros e vigilância de doenças, a indústria de saúde não tem dado importância ao blockchain, priorizando outras tecnologias, como o uso da robótica na realização de cirurgias ou da inteligência artificial para mensurar e melhorar resultados.

De todo modo, vale a pena destacar a utilização de blockchain no gerenciamento de prontuários eletrônicos, em que vastas informações podem ser processadas com eficácia. A tecnologia é capaz de resolver inúmeros problemas de compartilhamento de registros, podendo causar uma revolução na interoperabilidade de dados na área da saúde.

Para ilustrar: se você fizer exames num hospital em São Paulo e posteriormente for atendido em uma rede em Belo Horizonte, não terá acesso aos exames “paulistas”. É isso que a interoperabilidade resolveria.

Propiciada pelo compartilhamento e gerenciamento de dados de saúde em uma rede blockchain, ela melhoraria o acesso a registros, arquivos de imagens, relatórios médicos, prescrição de medicamentos e vigilância , possibilitando a todos os participantes do sistema de saúde ter acesso aos dados registrados na rede.

No próximo artigo, continuaremos falando mais sobre uso de blockchain no combate a pandemias e comentaremos sobre os sistemas de vigilância existentes, os desafios do sistema global de saúde, a segurança e a importância de blockchain para uma vigilância de doenças em tempo real.

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Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo é LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Professora do curso Blockchain para negócios no Insper. Autora de três livros “Blockchain- Tudo o Que Você Precisa Saber”, “Bitcoin, CBDC, Stablecoins e DeFi”, e “Cryptocurrencies in the International Scenario”.

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