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Países distintos, home office distinto

Pesquisa permite entender como as condições de um país afeta a capacidade das pessoas de trabalhar em casa; em 30 países, o Brasil é o 26º em facilidade para o trabalho remoto (o 5º pior)

Sarah H. Bana, Seth G. Benzell e Rodrigo Razo Solares

26 de Junho

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Artigo Países distintos, home office distinto

Os lockdowns e quarentenas ao redor do mundo, por conta da Covid-19, reveleram que algumas pessoas trabalham melhor em casa e outras não – seja por causa da profissão, das circunstâncias domésticas de de outros fatores. E o que é verdade para indivíduos também é verdade para regiões e países: alguns países estão numa posição melhor que outros para ter sucesso enquanto cumprem com o distanciamento social.

Recentemente, nossa equipe de pesquisa no MIT construiu um índice que analisa o impacto econômico do trabalho remoto em 30 países. Os resultados mostraram que economias desenvolvidas provavelmente terão um desempenho melhor – especialmente aquelas que possuem uma ampla gama de indústrias e profissões mais propícias para o trabalho em casa, além de outras condições favoráveis, como o acesso à internet e conectividade de alta qualidade.

Essas descobertas têm implicações claras nos níveis macro e micro, ou seja, tanto para os formuladores e gestores de políticas públicas como para os líderes empresariais. Mesmo quando os países reabrem suas economias, existe uma chance razoável de lockdowns subsequentes por conta de ondas de infecção no futuro – ou a de outros desastres naturais depois que a Covid-19 passar. Além disso, muitas empresas estão considerando uma mudança permanente para trabalhar em casa, tanto como requisitou ou como opção. Seja por opção ou por considerações de saúde pública, a mudança no local onde o trabalho é feito é real. Os governos devem entender as implicações disso e tomar as medidas necessárias para posicionar suas economias adequadamente.

A natureza do trabalho é pivotada

Ao decidirem se devem implementar medidas de distanciamento social, e como fazê-lo, os governos devem levar em consideração os custos econômicos de tal decisão. Mas essas decisões afetam os líderes empresariais de grandes organizações globais, que determinam quantos funcionários contratar, onde e o que a empresa deve produzir, bem como os investidores, que definem onde alocar capital. 

As regiões onde trabalhar de casa é menos viável podem estar mais suscetíveis a demissões em massa, maior queda na atividade econômica e uma demanda menor por produtos. Da mesma forma, as pessoas que atuam em regiões onde o trabalho remoto encontro mais obstáculos casa podem ser mais afetadas conforme as empresas locais virem suas receitas  diminuírem. (E também conforme os proprietários de imóveis virem seus salários diminuírem.)

Nosso índice é composto por quatro elementos:

  • A variedade de profissões em cada país e se essas ocupações exigem que as pessoas trabalhem próximas umas às outras.
  • Acesso à internet e qualidade da rede.
  • A porcentagem de domicílios com um filho.
  • A porcentagem de trabalhadores empregados que já trabalhavam em casa de vez em quando. 

No caso do primeiro elemento, vale esclarecer que alguns profissionais, como fisioterapeutas, dentistas e barbeiros, simplesmente não podem fazer seu trabalho sem estar extremamente próximos de outras pessoas. Comissários de bordo, garçons e outros prestadores de serviços pessoais sofrem as mesmas restrições, assim como muitos profissionais médicos. As economias nacionais com uma parcela maior desses prestadores de serviços pessoais de alta proximidade terão um impacto maior do distanciamento social. Por exemplo, Espanha, Irlanda e Estados Unidos têm mais de 10% de sua força de trabalho em tais profissões, enquanto a China e o Brasil têm menos de 5%. 

Outras profissões são mais propícias ao distanciamento social e ao trabalho em casa, e não apenas as de colarinho branco. Nossa análise mostra que muitas profissões que fazem pouco uso da tecnologia (como agricultores e madeireiros) e profissões com alto uso de tecnologia (analistas estatísticos e cientistas sociais) precisam de pouca proximidade física.

Vale dizer que as quatro dimensões que analisamos não são os únicos fatores envolvidos, e outras condições podem contribuir ou diminuir a habilidade de um país de mudar o trabalho para casa.

Economias desenvolvidas se adaptam mais fácil

Em geral, os resultados que obtivemos indicaram que países no mundo desenvolvido provavelmente vão mudar o trabalho para casa com maior facilidade depois desta pandemia. Apesar desses países terem uma quantidade maior de pessoas trabalhando em serviços que exigem uma alta proximidade – para os quais a demanda cresce à medida que um país se torna mais rico – as várias profissões expostas a riscos são compensadas pelo alto nível de qualidade da internet, a experiência de trabalhar em casa e a demografia.

Por exemplo, Luxemburgo, o país mais bem avaliado nesses quesitos, tem a maior taxa de penetração de internet de todos os países da nossa amostra, e está em quarto lugar no critério relacionado a força de trabalho que possui experiência em trabalhar de casa. Para um país desenvolvido, Luxemburgo também se sai muito bem na sua variedade de profissões, devido a uma alta parcela cientistas, engenheiros e profissionais de negócios e administração.

A Suécia ficou em segundo lugar, em parte porque uma parcela muito grande da população ativa no mercado de trabalho do país já trabalha em casa de vez em quando (29,4%, mais do que qualquer país na nossa amostra). Os sindicatos robustos da Suécia, suas leis que favorecem o trabalhador e suas políticas sociais também são possíveis fatores que dão aos funcionários um grau maior de flexibilidade no trabalho.

Completando a lista dos cinco primeiros países são Holanda, Canadá e Bélgica. A Estônia ficou em sexto lugar. Os tipos de trabalho da Estônia são um pouco mais propícios ao distanciamento social que os da Suécia, e sua qualidade da internet e quantidade de trabalhadores que já trabalharam de casa estão acima da média. A Estônia é conhecida por seu sucesso em passar muitos de seus serviços governamentais para plataformas digitais.

Os Estados Unidos ficaram em 11ª lugar, o que demonstra a troca que países ricos vivenciam. Dentre os 30 países que analisamos, ele ficou na média em relação a qualidade da internet e domicílios com crianças, e uma boa parte da sua força de trabalho já trabalha em casa de vez em quando (ficou em segundo lugar nesse quesito na nossa amostra). Entretanto, ele ficou em último lugar na variedade de profissões, já que uma grande parte dos trabalhos nos EUA exigem proximidade física de outras pessoas.

Países em desenvolvimento foram os que ficaram com as piores classificações. A Nigéria ficou em último lugar (30º) e o Paquistão foi o penúltimo (29º). Ambos ficaram presos em suas posições por conta da grande quantidade de domicílios com crianças pequenas e internet de baixa qualidade. O Brasil e a China também ficaram mais para o final.

A China ficou em 25º lugar. Como muitos países de renda média, sua variedade de profissões tende a ajudar na classificação (ficando em 6º lugar nesse quesito), porém, a China cai no ranking por proporcionar menores índices de acesso à internet, e baixa qualidade dela relativamente (nesse quesito, ela ficou em 18º), além de ter muitos lares intergeracionais; a China possui a terceira maior porcentagem de famílias com um filho com menos de 15 anos, um fator que pode representar um desafio para as pessoas que tentam trabalhar em casa.

Esses resultados demonstram como a variedade de profissões de um país contribuem – embora não sejam os únicos fatores determinantes – para sua posição no ranking. Países em desenvolvimento têm a vantagem de ter menos serviços envolvendo a proximidade das pessoas, mas a infraestrutura da internet dá uma grande vantagem às economias desenvolvidas. O acesso à internet é duplamente importante, já que ele também ajuda os funcionários que estavam trabalhando de casa antes da pandemia atual. E países desenvolvidos costumam ter taxas de fertilidade mais baixas, o que reduz o número de crianças pequenas distraindo os funcionários no lar.

1º. Luxemburgo  
2º. Suécia
3º. Holanda
4º. Canadá
5º. Bélgica
6º. Estônia
7º. Áustria
8º. Grã-Bretanha
9º. Finlândia
10º. França
11º. Estados Unidos 12º. Alemanha 13º. República Tcheca 14º. Lituânia 15º. Hungria 16º. Croácia 17º. Portugal 18º. Letônia 19º. Irlanda
20º Romênia
21º. Grécia 22º. Chipre
23º. Espanha 24º. Uruguai 25º. China 26º. Brasil 27º. Itália 28º. África do Sul 29º. Paquistão 30º. Nigéria

Especificidades da posição brasileira

O Brasil ocupa a 26ª posição do ranking de maior facilidade para o trabalho remoto entre 30 países, o que significa que o ambiente do País não favorece a transição para o trabalho remoto como poderia e mereceria ajustes.

No lado positivo, há menos pessoas trabalhando em atividades que exigem proximidade física, o que sugere que o ajuste das horas e processos de trabalho para manter o distanciamento social deve ser mais possível.  Em termos de mix ocupacional, o país tem o quarto mix mais seguro entre os 30 países.

Por outro lado, os lares brasileiros têm algumas características que dificultam o trabalho em casa. Quase metade deles (47%) tem filhos com menos de 15 anos de idade, que podem distrair os adultos do trabalho. E tanto o acesso à internet (apenas 67% da população o tem) com a velocidade (a média é de 24 mbps, bem abaixo da média do mundo desenvolvido) deixam bastante a desejar. 

Essas desvantagens domésticas superam as vantagens relativas a ocupações que necessitam de proximidade física e, em nosso índice combinado, levam à baixa classificação geral do Brasil.

Como um país pode se preparar para a próxima disrupção

A pesquisa deixa evidente:  nenhum país do mundo está totalmente preparado para que todos seus residentes trabalhem em casa. Porém, existem medidas bem claras que diferentes stakeholders podem tomar para mitigar as consequências econômicas de futuros impactos em larga escala.

Os líderes governamentais podem seguir o exemplo da Estônia ao digitalizar serviços do governo e subsidiar a expansão do acesso à internet. (A Estônia garantiu que toda escola no país tivesse acesso à internet até 1998). Essas medidas impactaram direta e indiretamente a habilidade do país de lidar com a crise da Covid-19. 

  • Diretamente: uma qualidade de internet melhor ajuda uma grande parte da população a trabalhar de casa. Isso também significa que serviços comerciais podem seguir funcionando independentemente da geografia, mesmo quando os próprios trabalhadores do governo estão trabalhando em casa.
  • Indiretamente: gestores e funcionários que estão acostumados a interagir online com escolas ou serviços do governo ficarão mais confortáveis ao lidar com suas obrigações comerciais da mesma forma.

Os governos também podem ajudar empresas a se prepararem para a próxima crise ao criar os incentivos corretos – e desestímulos também. Por exemplo, programas de resgate financeiro, por mais bem-intencionados que sejam, podem desencorajar empresas e líderes locais de fazer investimentos que os preparem melhor para a próxima crise. Da mesma forma, as políticas públicas econômicas de muitos países acabam desencorajando, mesmo sem querer, as empresas de se atualizarem tecnologicamente para que se tornem mais resilientes. Quando uma empresa decide entre substituir um antigo servidor ou atualizar seus processos, movendo seus serviços digitais para a nuvem, ela escolhe entre dois investimentos. Porém, alguns governos tratam apenas o primeiro como elegível para deduções tributárias, desencorajando a implementação de recursos de nuvem e trabalho em casa.

Outra maneira de os governos ajudarem é desencorajando a superespecialização e a superconcentração regional. Por exemplo, programas de desenvolvimento econômico geralmente enfatizam a urbanização ou as vantagens comparativas de uma região. Essas etapas costumam ser essenciais para o crescimento econômico, mas a Covid-19 mostrou esse crescimento pode ser precário. As cidades costumam ter uma parcela maior de trabalhadores que se especializam em serviços pessoais se comparadas a regiões suburbanas ou rurais, o que as torna mais suscetíveis a disrupções.Da mesma forma, regiões especializadas em setores que possuem profissões demandantes de proximidade física e que se apoiam sobretudo em turismo de longa distância, estão mais vulneráveis que regiões com uma economia mais equilibrada. 

E as empresas?

É claro que, no nível das empresas, vemos bastante heterogeneidade. Varia muito a forma como as organizações apoiam os funcionários para que façam seu trabalho em casa. Parte dessa disparidade é inevitável – certos setores, como serviços pessoais, enfrentam desafios muito maiores ao utilizar apenas a internet. Entretanto, alguns aspectos de como uma empresa está preparada para facilitar o trabalho on-line têm a ver com uma escolha da direção.

Por exemplo, nesta pandemia, algumas empresas permitiram e até incentivaram os funcionários a trabalhar em casa antes da crise, e essas organizações aprenderam com suas experiências iniciais. A tecnologia é uma área que serviu de base correta para algumas empresas, mas não para todas. Há inúmeras histórias sobre sistemas de TI que caíram e chamadas pelo Zoom que foram interrompidas. 

A cibersegurança também deve ser uma prioridade empresarial. A demanda pelos melhores hackers e especialistas em segurança digital vai continuar crescendo. Olhando para o futuro, as empresas devem explorar as tecnologias de realidade virtual e aumentada como uma forma de substituir alguns aspectos das interações em pessoa que não são tão facilmente traduzidas por uma tela bidimensional.

Além de examinar a própria tecnologia, as equipes de liderança devem avaliar cuidadosamente a distribuição geográfica de suas forças de trabalho. As empresas multinacionais devem considerar a distribuição de trabalhadores que realizam trabalhos semelhantes, mas essenciais, em vários países. As empresas devem equilibrar a segurança criada por ajustes como esses com as economias de escala ou vantagens comparativas que teriam de abrir mão.

Tanto nas unidades de negócios como nas áreas funcionais, os gestores devem avaliar como as tarefas podem ser transferidas de lugar, dependendo das circunstâncias. Por exemplo, um trabalhador que supervisiona operações pessoais pode oferecer suporte a diferentes processos remotamente?  Existem processos e ferramentas para dar suporte a essa transição, como softwares, práticas recomendadas e canais de Slack?  Experimentar ver o que é possível antes de uma crise pode ser extremamente importante.

Seremos sortudos se...

Essa pandemia trouxe desafios a todos nós. E, na verdade, seremos sortudos se o desafio econômico for o mais difícil que enfrentarmos. Perder o acesso a um local físico de trabalho pode ser complexo, mas, tomando as medidas corretas antes da próxima interrupção, os líderes de governos e de empresas podem minimizar as consequências econômicas.


LEITURAS SUGERIDAS:

1. N. Jankowicz, “Estonia Already Lives Online — Why Can’t the United States?” The Atlantic, 27 de Maio de 2020, www.theatlantic.com.

2. F. Saltiel, pesquisa “Who Can Work From Home in Developing Countries?”, Universidade de Duke, Durham, Carolina do Norte, Abril de 2020.

3. T. DeStefano, N. Johnstone, R. Kneller, et al., “Do Capital Incentive Policies Distort the Adoption of Cloud Technologies and Big Data?” (pesquisa apresentada na Conferência da CESifo Area Conference on the Economics of Digitization 2019, Munique, 22-23 de Novembro de 2019).

4. S.H. Bana, pesquisa “Identifying Vulnerable Displaced Workers: The Role of State-Level Occupation Conditions,”, University of California, Santa Barbara, March 2019; and S. Larcom, F. Rauch, and T. Willems, “The Benefits of Forced Experimentation: Striking Evidence From the London Underground Network,” The Quarterly Journal of Economics 132, no. 4 (Novembro de 2017): 2019-2055.

 J.I. Dingel and B. Neiman, pesquisa 26948 “How Many Jobs Can Be Done at Home?”, National Bureau of Economic Research, Cambridge, Massachusetts, Abril de 2020.

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Autoria

Sarah H. Bana, Seth G. Benzell e Rodrigo Razo Solares

Sarah H. Bana e Seth G. Benzell são pesquisadores que fazem pós-doutorado na MIT Initiative on the Digital Economy. Rodrigo Razo Solares é um assistente de pesquisa de economia da Universidad Anáhuac, do México.

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