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Decisões “data-driven” ou dados “decision-driven”?

Hoje, quando os líderes dizem tomar decisão com base em dados, isso significa, na maioria das vezes, que usam (só) os dados disponíveis para decidir. Não é por aí

Bart de Langhe e Stefano Puntoni

03 de Maio

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Artigo Decisões “data-driven” ou dados “decision-driven”?

Se indagado sobre boas práticas de gestão na atualidade, qualquer CEO digno do cargo certamente diria que a tomada de decisões com base em dados é uma delas. Mas, embora as empresas tenham mais informação do que nunca, na prática, tomar decisões com base em dados volta e meia tem significado achar uma finalidade para os dados à mão. Só que buscar maneiras de extrair valor de dados disponíveis não significa, necessariamente, que a resposta que os analistas de dados da empresa estejam tentando lhe dar seja a certa. Tampouco é uma proteção contra a influência de opiniões e incentivos já existentes. Isso explica por que tantos executivos afirmam que suas iniciativas de inteligência analítica não geram insights práticos e/ou produzem resultados decepcionantes.

A solução é simples: em vez de buscar um propósito para dados, é preciso buscar dados para um propósito. É o que chamamos de “analytics de dados orientada por decisões” (no original, “decision-driven data analytics”).

Quando os dados tentam responder à pergunta errada

Usaremos alguns exemplos para defender nossa tese. Vamos começar com a área de gestão de relacionamento com clientes na RollingBoulder, uma empresa fictícia de mídia com modelo de negócio baseado em assinaturas. Para renovar a assinatura anual, os clientes da RollingBoulder têm apenas de responder a uma carta de renovação que recebem quando a assinatura está prestes a acabar. Para reduzir a perda de clientes, a empresa às vezes inclui alguma cortesia na correspondência, a título de agradecimento.

No decorrer dos anos, a RollingBoulder montou um banco de dados sobre ex-clientes e clientes atuais com uma série de informações, como localização, duração da assinatura e uso do site (quanto e como). A empresa criou um sofisticado algoritmo preditivo que usa essa informação para quantificar a probabilidade de que um membro ativo não renove e envia brindes para clientes nesse grupo de risco.

Esse uso de dados para a gestão do chamado “churn” é considerado uma boa prática no setor – mas é falho. Para entender o porquê, peguemos a pergunta que a empresa busca responder com essa análise: “Qual a probabilidade de que o cliente não renove?”. É uma informação valiosa. Permite, por exemplo, que a empresa faça projeções sobre o valor de sua base de clientes. Não responde, no entanto, à dúvida crucial aqui: “Qual o efeito da cortesia oferecida na probabilidade de que o cliente não renove?”. Não há como responder a pergunta com os dados que a empresa já possui; é preciso mais dados e mais análise.

A decisão tomada com base em dados é ancorada nos dados disponíveis. Em geral, isso leva quem está decidindo a partir da pergunta errada. A análise de dados baseada na decisão começa com uma definição correta da decisão que precisa ser tomada e dos dados necessários para tomá-la.

Quando ser “data-driven” significa reforçar opiniões existentes

Peguemos o caso da fictícia Gwenn & Jenny’s, uma fabricante de sorvete que quer saber qual o efeito, nas vendas, de sua publicidade no Twitter. A plataforma social trabalha com um processo de atribuição em três etapas para avaliar o impacto da publicidade nas vendas. Primeiro, um “data broker” como a Datalogix partilha, com o Twitter, informações sobre a identidade de clientes da Gwenn & Jenny’s (cookies de navegador, e-mail, número de telefone). Em seguida, o Twitter procura esses clientes em seus registros e, se encontrá-los, acrescenta informações sobre a atividade desses clientes na plataforma (se visualizaram ou clicaram em tuítes da marca, por exemplo). Por último, analistas comparam decisões de consumo de clientes que interagiram com a marca Gwenn & Jenny’s no Twitter com decisões de compra de clientes que não o fizeram.

Essa abordagem sempre revela diferenças gritantes para uma empresa: clientes que viram e interagiram com a marca no Twitter vão a suas lojas com mais frequência e gastam mais cada vez que vão.

Concluir, com base nesses dados, que a publicidade em redes sociais tem um grande impacto nas vendas respalda o modelo de negócios do Twitter. E corrobora, também, a tese de muitos clientes de que a publicidade em mídias sociais funciona e que sua eficácia é facilmente mensurada.

O Twitter vendeu esse processo em três etapas a muitas empresas. Nós, no entanto, o usamos em nossa atividade educacional como exemplo das falhas da tomada de decisões baseada unicamente em dados.

Comparar consumidores que viram o conteúdo de uma marca com consumidores que não viram esse conteúdo é como comparar peras com maçãs. Esses clientes diferem de muitas outras maneiras. A probabilidade de interagir com a marca no Twitter e de consumir a marca é maior entre o público mais fiel da Gwenn & Jenny’s. Esse consumidor fiel não compra porque a marca apareceu no seu feed do Twitter: compra porque gosta do produto e, por isso, também segue a marca nas redes sociais – e não vice-versa. A abordagem do Twitter exagera drasticamente o impacto da publicidade nas vendas.

A tomada de decisão com base em dados dá poder a provedores de dados e cientistas de dados. O risco é que o tomador de decisões se concentre na informação que corrobora aquilo em que já acredita, sem questionar sua validade.

Como migrar para a nova abordagem

Para adotar a abordagem de análise de dados guiada por decisões, uma empresa deve começar por identificar decisões cruciais para a empresa e quem deve tomá-las, e passar a buscar dados para uma certa finalidade, em vez de encontrar uma finalidade para os dados em mãos.

Quando falamos com executivos sobre a abordagem na qual a decisão manda, alguns logo apontam um possível problema. Seu alerta é que gente em posição de autoridade que usa dados para sustentar uma decisão já tomada pode ser vítima do viés de confirmação. Isso, no entanto, não é analytics movida a decisões: é analytics movida a preferências. Talvez seja a pior maneira de tomar decisões – mas, infelizmente, é muito comum.

Para instituir a análise de dados “decision-driven” e não cair no erro de que seja ditada por preferências, um líder pode tomar três medidas. A primeira é garantir que o número de cursos de ação possíveis seja limitado (algo que cabe ao tomador de decisões definir). A segunda providência é identificar que dados são necessários para determinar qual curso de ação é o melhor (uma responsabilidade conjunta de tomadores de decisão e cientistas de dados). A terceira medida é escolher o melhor curso de ação.

PRIMEIRO PASSO: identificar possíveis cursos de ação.

Quando começa a pensar em medidas possíveis, o tomador de decisões deve “abrir e fechar” a mente, nessa ordem. Muitas decisões são tomadas no piloto automático, depois de considerada uma única opção – o que pode piorar a qualidade das decisões. Abrir a mente significa imaginar diversos cursos possíveis de ação. A título de ilustração, voltemos à RollingBoulder. Se o objetivo da empresa for aumentar o valor de sua base de clientes, entregar alguma cortesia para reduzir o churn é só um dos muitos cursos de ação possíveis. Fora isso, também seria possível melhorar o desenvolvimento de clientes (com vendas cruzadas ou “upselling”, por exemplo), fazer investimentos para adquirir novos clientes (com promoções de vendas, digamos) ou melhorar o conteúdo editorial (com a contratação de novos redatores, talvez).

Isso posto, muitas alternativas podem tornar o problema intratável do ponto de vista da gestão e da análise de dados. A certa altura, portanto, os responsáveis por decidir devem fechar a mente – ou usar seu critério para enxugar o rol de opções. O gerente de relacionamento com clientes da RollingBoulder, por exemplo, pode constatar que melhorar o conteúdo editorial é algo que foge à sua responsabilidade.

Ao “abrir e fechar” a mente, o tomador de decisões aumenta a probabilidade de que o universo final de cursos de ação sendo considerado inclua opções boas e viáveis.

SEGUNDO PASSO: determinar dados necessários para ranquear alternativas.

Tomadores de decisão e cientistas de dados precisam elaborar critérios para cotejar e classificar os diferentes cursos de ação escolhidos no primeiro passo. Aqui, o objetivo da análise de dados é converter incógnitas em fatos comprovados para que cursos alternativos de ação possam ser ranqueados de forma mais objetiva.

Começar pela decisão põe o foco nas incógnitas – o que é uma grande vantagem, pois deixa imediatamente claro que há limites para o que se pode saber e que há muitas maneiras possíveis de lidar com incógnitas. Um exemplo: se alguém disser que a Interbrand calculou que a marca Mastercard vale US$ 11 bilhões e ocupa a 57ª posição em um ranking global, a maioria vai pegar essa informação e classificar a marca segundo esse parecer. Se, em vez disso, formos perguntar às pessoas quanto a marca Mastercard vale na opinião delas, veremos que há várias maneiras de quantificar o valor da marca, nenhuma delas perfeita. E é verdade. Segundo a Kantar Millward Brown, a marca Mastercard vale US$ 108 bilhões (10º lugar no mundo); segundo a Brand Finance, US$ 19,8 bilhões (86º lugar). Partir daquilo que não se sabe mostra que o mundo é complexo e incerto.

No analytics baseada em dados, a ideia não é reunir o máximo possível de dados. O crucial é considerar o valor deles. Se sua decisão for a mesma antes e depois de uma incógnita ser convertida em algo realmente comprovado, então coletar e analisar dados não tem qualquer utilidade.

Dados coletados com o propósito específico de embasar uma decisão costumam ter mais valor do que dados já disponíveis. A RollingBoulder precisava decidir se oferecia ou não um incentivo à renovação ao alertar o cliente que sua assinatura está prestes a vencer. Para tomar essa decisão, era preciso saber o impacto disso no churn de clientes. Não é algo que a informação à mão poderia responder. Seria preciso realizar um estudo randomizado controlado (um teste A/B) no qual se definiria aleatoriamente quem receberia ou não a cortesia – para a empresa então observar quais clientes renovavam e quais não.

TERCEIRO PASSO: escolher o melhor curso de ação.

Esse último passo deveria ser fácil. Se os dois primeiros foram bem executados, a análise de dados agora revelará o melhor curso de ação.

Ao analisar os dados desse estudo, a RollingBoulder descobriu algo importante. A cortesia reduzia a probabilidade de perda de alguns clientes, mas produzia o efeito oposto em outros. Se a probabilidade de um cliente não renovar já era baixa antes da intervenção, depois dela ficou ainda menor. Na contramão, entre clientes cuja probabilidade de não renovar era alta, essa probabilidade só aumentou após a intervenção. Em outras palavras, a empresa vinha mirando justamente o público que não devia – como fazem muitas outras que seguem cegamente a “boa prática” de dirigir esforços a clientes de alto risco.

Pablo Picasso certa vez disse: “Computadores não servem para nada. Só sabem dar respostas”. A análise de dados guiada por decisões frisa a importância de fazer perguntas e, portanto, a importância do critério dos gestores. Essa abordagem chama a atenção para incógnitas e para o valor da coleta e da análise de dados adicionais.

Líderes que adotam a abordagem “decision-driven” saem ganhando ao garantir que suas iniciativas de analytics estejam ligadas à ação, busquem responder a perguntas que importam e questionem, em vez de reforçar velhas crenças de como o mundo funciona.

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Autoria

Bart de Langhe e Stefano Puntoni

Bart de Langhe é cientista comportamental e professor de marketing da Universitat Ramon Llull (ESADE). Stefano Puntoni é professor de marketing na Rotterdam School of Management (Erasmus University) e diretor do laboratório Psychology of AI no Erasmus Centre for Data Analytics.

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