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Liderança

7 min de leitura

Liderar na complexidade

Consciência do propósito, visão 360° e capacidade de execução são habilidades dos líderes do futuro. | por Igor Moura Guilherme

Colunista Líderes do Futuro

Líderes do Futuro

23 de Janeiro

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Artigo Liderar na complexidade

Em um mundo onde cada passo conta, desafios cada vez mais complexos exigem não apenas lideranças, mas lideranças excelentes. Diante da minha própria jornada de descobertas e realizações como líder, identifiquei três habilidades que considero fundamentais para gerar impacto significativo no país, estando dentro de uma organização: visão 360°, capacidade de execução e consciência do propósito, .

Enquanto a primeira é fonte de energia e motivação, vejo a segunda como alicerce para ganhar segurança e tomar decisões difíceis e a terceira, como meio para concretizar sonhos.

Consciência do propósito

Ter consciência do propósito é ponto-chave para a liderança tomar decisões de impacto sistêmico, baseadas nas principais causas e motivações de suas ações. A partir disso, é possível influenciar positivamente um grupo de pessoas, tendo como alicerce valores compartilhados, e ainda gerar mais valor.

Muitos de nós já nos perguntamos qual é o nosso propósito. Se não, provavelmente isso já nos foi questionado. Perguntas complexas exigem reflexões profundas. Entender e se conectar com o seu propósito não são frutos de um mero insight, mas de um resgate de histórias, de referências e de sonhos. Foi, assim, que descobri que minha missão seria contribuir para uma educação de qualidade para todas as pessoas brasileiras.

Histórias

Meu avô deixou um legado inspirador. Como fundador de uma escola de baixo custo na periferia de Fortaleza, foi um empreendedor visionário. Se eu tivesse a chance de conversar com ele, procuraria saber por que um caminhoneiro do interior do Ceará deu o nome de “Universo cor de rosa” para sua escola, onde o lema era amor e liberdade. Certamente, teria muito a aprender com a resposta.

Referências

Ter sido alfabetizado por minhas tias, verdadeiras mestras na arte da educação, plantou em mim a semente da busca contínua pelo aprimoramento de comportamentos que pratico diariamente, seja no ambiente profissional ou na vida pessoal. Tendo elas como referências, esculpi a visão de liderança que quero ser, tanto para mim mesmo quanto para a sociedade.

Sonhos

Não foi fácil para a minha família ver sua escola fechando as portas e decretando falência. O sonho - no caso deles, “frustrado” - de transformar a vida de pessoas por meio da educação passou a ser o meu também.

“Com armas, você pode matar terroristas. Com educação, você pode acabar com o terrorismo.” Malala Yousafzai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2014.

Hoje uso meu propósito como âncora para sempre lembrar por que estou tomando certas decisões e dando os próximos passos com ainda mais firmeza. E, principalmente, para encontrar pessoas que compartilham do mesmo propósito e que, em uma jornada não solitária, queiram se unir para gerar cada vez mais impacto transformador na sociedade.

Visão 360°

Como lideranças, sempre teremos na mesa mais problemas complexos do que complicados para resolver. Segundo Roberto Poli, professor de filosofia da Universidade de Trento (Itália), problemas complicados originam-se de causas que podem ser distinguidas individualmente. Ele ainda afirma que tais problemas podem ser abordados peça por peça; que para cada entrada no sistema há uma saída proporcional; e que os sistemas relevantes podem ser controlados e os problemas apresentados têm soluções permanentes.

Por outro lado, problemas e sistemas complexos resultam de redes de múltiplas causas de interação, que, por sua vez, não podem ser distinguidas individualmente. Poli ainda destaca que devem ser tratados como sistemas inteiros, ou seja, não podem ser abordados de maneira fragmentada; que, por serem complexos, pequenos insumos podem resultar em efeitos desproporcionais; que os problemas que eles apresentam não podem ser resolvidos de uma vez por todas, mas precisam ser gerenciados sistematicamente e que, normalmente, qualquer intervenção se funde em novos problemas; e que sistemas relevantes não podem ser controlados.

Tais conceitos me remetem à visita que fiz, em 2021, a uma escola pública da rede municipal de Cariacica, no Espírito Santo. Naquela época, a cidade era classificada como a 25ª mais violenta do Brasil, de acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em uma sala de 6º ano do ensino fundamental, durante uma aula de Língua Portuguesa, testemunhei uma cena inquietante, embora corriqueira: estudantes hiperativos e desconcentrados, alguns inclusive se agredindo entre. Essa realidade era um reflexo preocupante de outro dado alarmante: segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017, 7 em cada 10 estudantes apresentavam nível insuficiente de aprendizagem em português.

Tal experiência reforçou em mim a necessidade de uma visão 360º, especialmente ao considerar os desafios educacionais. É fundamental reconhecer que a melhoria nos resultados de aprendizagem e nos comportamentos observados está intrinsecamente ligada a fatores como, por exemplo, a nutrição adequada dos estudantes. Entender as complexas interações entre o processo de aprendizagem e elementos de saúde e bem-estar dos estudantes é crucial.

É evidente que não existe uma solução única ou milagrosa para os intrincados problemas educacionais do Brasil. Da mesma forma, não há uma só estratégia para resolver questões de recursos humanos em uma empresa. A chave está em adotar uma perspectiva sistêmica, considerando as relações de causa e efeito que permeiam todos os aspectos de um tema complexo. Apenas por meio dessa abordagem holística poderemos identificar prioridades, descobrir oportunidades e traçar caminhos para soluções eficazes e bem fundamentadas.

Capacidade de execução

A habilidade de colocar estratégias em prática é essencial para converter ideias brilhantes em resultados concretos. Acredito em lideranças comprometidas com sonhos transformadores, mas, sobretudo, capazes de transformá-los em realidade e junto com pessoas excelentes.

Para isso, precisamos vestir o chapéu do pragmatismo e da disciplina, reunindo práticas que possam nos ajudar a alcançar resultados tangíveis. O livro “As 4 disciplinas da execução” destaca algumas: definir metas claras e mensuráveis, com poucos porém excelentes objetivos principais; medir desempenho sobre nossos resultados finais e de atividades que nos fazem chegar lá, priorizando e identificando o que precisa ser ajustado para atingirmos os melhores resultados; utilizar um painel de resultados simples e visual para que nossos times estejam alinhados e focados nos principais resultados; e ter uma cadência de encontros com todo o time para analisar progresso, identificar obstáculos, ajustar rotas e se adaptar a elas.

Adotei essas práticas na liderança de um time que, em 2023, entregou três soluções educacionais de ponta para mais de 47 mil jovens em situação de vulnerabilidade social em todo o país. Ao potencializar, cada vez mais, nossa capacidade de execução - sem esquecer o porquê e os fatores de influência sobre as tomadas de decisão -, crescemos quase sete vezes em dois anos.


Bibliografia:

SINEK, Simon; MEAD, David; DOCKER, Peter. Encontre seu porquê: Um guia prático para descobrir o seu propósito e o de sua equipe. 2017.

POLI, Roberto. A Note on the Difference Between Complicated and Complex Social Systems. 2013.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO; INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Relatório Saeb 2017.

MORAES, Bill; McCHESNEY, Chris; COVEY, Sean; HULING, Jim. As 4 disciplinas da execução: Garanta o foco nas metas crucialmente importantes. 2017.


*Artigo assinado por Igor Moura Guilherme. É nordestino, engenheiro de alimentos formado pela Universidade Federal do Ceará e especializado em design estratégico. Jovem destaque do Prêmio Young Leaders 2023, realizado pelo Instituto Anga e MIT Sloan Management Review Brasil, é comprometido com a missão de contribuir para que todas as pessoas brasileiras tenham uma educação de qualidade. Na universidade, foi pesquisador bolsista de iniciação científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e dedicou cinco anos ao Movimento Empresa Júnior como Vice-Presidente de Gente e Gestão da Federação de Empresas Juniores do Estado do Ceará e Consultor de Formação de Lideranças da Confederação Brasileira de Empresas Juniores. Atuou com parcerias, formação de transição de carreira e empregabilidade ao liderar a área de alumni do programa de formação de lideranças em educação do Ensina Brasil, ONG que faz parte do Teach For All, rede global formada por mais de 50 países. Foi Gerente do Centro de Desenvolvimento de Gestão Pública e Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, liderando times de consultores, desenvolvendo e implementando projetos de educação pública para cerca de 280 mil estudantes em 2.800 municípios de quatro estados brasileiros. É líder do Arco Instituto, negócio de impacto social da maior companhia de educação básica do Brasil, a Arco Educação. Em 2023, levou soluções educacionais de qualidade para 47 mil jovens em situação de vulnerabilidade social em todo o Brasil e apoiou cerca de 39 organizações do terceiro setor a potencializarem seu impacto. *

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Esta coluna é assinada rotativamente por membros da Comunidade Young Leaders, que reúne finalistas do Prêmio Young Leaders e participantes do programa de formação de lideranças do Instituto Anga.

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