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Os impactos da lei que determina o combate à ilegalidade e à desinformação pelas big techs na UE

Em entrevista, advogado André Giacchetta explica os impactos das novas regras na União Europeia – e os reflexos da lei no Brasil

Paulo César Teixeira

12 de Janeiro

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Artigo Os impactos da lei que determina o combate à ilegalidade e à desinformação pelas big techs na UE

O Parlamento Europeu aprovou, em julho de 2022, o chamado Digital Services Act (DSA). Trata-se do conjunto de regramentos sobre o ambiente online para ser aplicado em todos os países da União Europeia (UE). A expectativa é que a nova lei aprimore a proteção ao consumidor e abra oportunidades para novos negócios digitais, além de criar uma estrutura de responsabilização dos grandes provedores por suas práticas de moderação de conteúdo.

Na prática, big techs como Meta, Google, Microsoft e Amazon passaram a ser responsabilizadas tanto pela desinformação quanto pelos conteúdos ilegais que circulam por suas plataformas. Em outras palavras, a nova lei tende a tornar a navegação de usuários mais segura.

Para entender melhor os impactos das novas regras e seus reflexos no Brasil, MIT Sloan Review Brasil conversou com André Giacchetta, sócio da área de tecnologia do escritório Pinheiro Neto Advogados. A seguir, confira os principais trechos da entrevista – editada para efeitos de clareza e concisão.

MIT Sloan Review Brasil – O senhor poderia sintetizar o que é o DSA e de que maneira surgiu? André Giacchetta – É o conjunto de regras que regulamenta todo e qualquer tipo de serviço online oferecido no âmbito da União Europeia. Isso envolve desde pequenos aplicativos ou sites até grandes provedores e mecanismos de busca da internet. Aqui, é importante frisar a diferença entre o DSA e o Digital Market Act (DMA), também aprovado recentemente pela UE, que visa a regular aspectos concorrenciais – ou seja, a relação entre as companhias que participam do mercado virtual. Já o DSA está voltado para o relacionamento das empresas com usuários e o público em geral.

Por que foi necessário elaborar a nova regulamentação? Na verdade, o DSA representa uma atualização da Diretiva 31 da UE, a chamada Diretiva sobre o Comércio Eletrônico, lançada no ano 2000. Com o crescimento da sociedade da informação, esse comércio se ampliou bastante, bem como a publicidade e a oferta de serviços que aproximam diretamente vendedor e comprador no mundo digital. Além disso, aumentaram também os impactos da participação de mecanismos de busca na disseminação da desinformação.

Quais são as principais regras fixadas pelo DSA? Destacaria a obrigação da publicação de relatórios de transparência, com grau de detalhamento maior em relação aos relatórios que as big techs já vêm elaborando. A partir de agora, elas precisarão indicar, por exemplo, o volume de casos relacionados à moderação de conteúdo e a ordens judiciais que o provedor teve que dar cumprimento. Temos novos regramentos também sobre os contratos celebrados entre usuários e provedores. O DSA estabelece ainda a obrigação de notificação sobre violações ocorridas dentro das plataformas, que possam justificar a suspensão de uma conta ou a remoção de conteúdo. Podemos citar também a identificação de conteúdo tido por ilícito e as disposições contra a má utilização dos serviços, entre outras questões. O documento tem mais de 100 páginas, sendo que cerca de 25 constituem o que a gente chamaria no Brasil de exposição de motivos. A gente pode discutir se a opção do detalhamento exaustivo é a mais correta, mas isso é da própria cultura legislativa europeia. Ao mesmo tempo, existe a expectativa de que o DSA seja atualizado constantemente por conta da dinâmica da inovação e da própria evolução tecnológica.

As big techs tendem a defender a autorregulamentação – como elas deverão reagir às novas regras? A autorregulamentação pode desempenhar um papel complementar ao DSA, que prevê, inclusive, a criação de códigos de conduta e boas práticas pelos provedores, especialmente em segmentos específicos do mercado. Portanto, essa é uma forma de regulação adicional que pode ser aplicada, sempre com a condição de ser sancionada pela autoridade central.

De que maneira o DSA poderá inspirar a criação de mecanismos de controle no ambiente digital no Brasil? No Brasil, temos a tentação de ver o que está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos e, imediatamente, tentar internalizar essa discussão, muitas vezes sem o cuidado necessário para entender o contexto econômico, político, social e cultural no qual ela se realiza. Uma iniciativa em andamento é o projeto de lei 2768/2022, do deputado João Maia (PL/RN), que tenta fazer uma mescla do DSA e do DMA, em uma versão tupiniquim. Ele estabelece as condições pelas quais as big techs – citadas nominalmente no projeto – poderiam operar no Brasil. De acordo com o projeto, elas seriam fiscalizadas pela Anatel e até seria criado um fundo para subsidiar as atividades da agência referentes à fiscalização dessas plataformas. A justificativa é que a Anatel já teria experiência como autoridade regulatória na fiscalização das empresas telecom. A bem da verdade, esse tipo de iniciativa me dá arrepios. É inconcebível que um projeto de lei como esse possa eventualmente ser aprovado sem que haja consulta e audiência pública – um debate público a respeito das modificações do contexto regulatório.

O atual ambiente de polarização no Brasil interfere nesse processo? A minha preocupação é alargada quando se verifica o momento que estamos vivendo no Brasil, marcado por intensa polarização, com uso das plataformas para determinadas finalidades e atuação do Poder Judiciário como poder mediador nessa discussão toda. Outro dia, soube que a Secretaria de Serviços Digitais do novo governo apresentará ao Congresso um projeto de lei para regulamentar os serviços das plataformas de forma geral. E a gente viu recentemente o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, pedir ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que crie regras para equiparar as plataformas aos meios de comunicação tradicionais para que elas possam ser responsabilizadas da mesma forma. Vejo que, apesar das boas intenções, essas medidas podem nos levar a um desfecho perigoso – a um ambiente de autoritarismo e intervenção estatal excessiva.

E quais são as iniciativas positivas? No momento, há um debate no Congresso Nacional sobre o marco regulatório da Inteligência Artificial, elaborado a partir de uma proposta feita por uma comissão de juristas, após a realização de consultas e audiências públicas. É um trabalho substancioso, mas que ainda deverá ser objeto de discussão legislativa antes que se transforme em projeto de lei. Ao mesmo tempo, se olharmos para o passado, veremos que o projeto de lei 2630/2020, apelidado de Lei das Fake News, tinha por objetivo criar um ambiente saudável de regras e conduta, identificando e proibindo determinados conteúdos. Isso mostra que existe uma preocupação não só na Europa, mas também no Brasil, para que essas relações no ambiente da internet preservem os direitos individuais dos usuários dentro de uma relação transparente, segura e de confiança.

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Autoria

Paulo César Teixeira

Colaborador de MIT Sloan Review Brasil

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