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Pagar pelo uso: uma tendência no modelo de precificação de software

O “usage-based pricing" está cada vez mais comum entre empresas SaaS (software como serviço)

Marcelo Hein

29 de Julho

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Artigo Pagar pelo uso: uma tendência no modelo de precificação de software

Toda discussão sobre modelos de precificação, independentemente do produto ou serviço tratado, exige considerações sobre utilidade, valor, clareza e alinhamento de interesses. Novos modelos, por mais elegantes que sejam na teoria, precisam passar pelo teste darwiniano do mercado: em condições normais de temperatura e pressão (concorrenciais), os sistemas mais adaptados às dores e aos desejos dos consumidores tendem a prosperar.

Não há paradigmas inquebráveis. Basta lembrar que, uma geração atrás, linhas telefônicas eram ativos que exigiam grande investimento fixo e possuíam certa liquidez em mercado secundário, enquanto hoje há uma vasta gama de serviços de telefonia e internet com faixas de preço para todo perfil de consumidor.

O mundo da tecnologia, em particular o do mercado de softwares, é terreno fértil para a evolução dos modelos de precificação, em função do crescimento exponencial de seu uso em diversos setores da economia. Todo fundador de uma empresa do tipo sabe que não basta apenas criar um produto com clara utilidade e aceitação pelo mercado. Ele também precisa saber cobrar.

O mercado de software é relevante e está em franca expansão. A despeito do ambiente macroeconômico recessivo, de acordo com o International Data Corporation (IDC), a indústria de tecnologia brasileira como um todo cresceu 23% em 2020, atingindo US$ 50 bilhões. Desse grupo, o segmento de software tem crescimento mais acelerado, tendência que deve ser mantida para os próximos anos, caso sigamos o caminho dos mercados mais maduros.

Uma clara tendência mundial na precificação de software é a cobrança em função do uso real do produto, o que chamamos aqui de usage-based pricing. Esse modelo rompe com a tradicional assinatura mensal fechada e invariável. Isso quer dizer que o preço do produto ou serviço de software varia de acordo com o uso, auferido e cobrado no final do ciclo de faturamento. A ideia não é nova, muito pelo contrário. É a mesma forma usada em nossas contas de energia e de água.

Evolução dos softwares

No início era O Produto. A precificação de software nasceu da forma mais intuitiva possível: como um produto pronto. Ótimo exemplo é o primeiro sistema operacional Windows, vendido em 1985 por US$ 99. Geralmente, o consumidor comprava o seu Windows junto com um computador. A lógica de negócio era sólida – as pessoas não precisavam trocar de computador nem atualizar seu sistema operacional com frequência. O software era físico (vendido em disquetes e depois em CDs) e essencialmente estático.

O desenvolvimento da internet e a multiplicação da aplicabilidade de softwares permitiram modelos de cobrança com menor fricção. Foi o nascimento, na virada do milênio, do software como serviço (SaaS).

Investimentos pesados iniciais eram substituídos por parcelas mensais que cabiam no bolso. A qualidade do produto era essencial para a retenção do cliente. Atualizações poderiam ocorrer a qualquer momento e eram entregues eletronicamente. Bugs da versão atual poderiam ser corrigidos na semana seguinte, aumentando a velocidade de desenvolvimento. Surgiu então o termo “software mindset”, expressando o conceito de errar (e corrigir) rapidamente.

Após isso, o céu era o limite. Diversos modelos foram testados. Flertou-se com a gratuidade, quando a monetização se dava indiretamente, nem sempre de forma clara ao consumidor (propaganda, distribuição de produtos de terceiros, venda de dados). Outras soluções eram vender hardware e software juntos (pense iPhone e iOS), marketplaces e modelos transacionais, além de modelos de precificação dinâmica determinados por algoritmos que estimam a escassez do produto/serviço em tempo real.

Em 2011, Marc Andreessen declarou que o software está devorando o mundo. É uma força da expressão que se tornou evidente. A infraestrutura também se torna software, o que quebra de forma definitiva a barreira física da entrega do produto.

Em um intervalo de 30 anos, a lógica de negócio se alterou completamente: de um produto em uma prateleira a informações conduzidas por um campo eletromagnético, tal qual energia elétrica. Então, por que não cobrar da mesma forma?

Tendência atual

Segundo o relatório “Financial and Operating Benchmarks”, feito anualmente pela Open View, 45% das quase 600 empresas de SaaS participantes responderam que usam o “usage-based pricing”. Um quarto delas adotou o modelo nos últimos 12 meses. Em um futuro próximo, 61% daqueles que ainda não têm um modelo rígido de mensalidade esperam lançar ou testar a precificação variável.

A proposta de valor é clara: o preço por uso permite cobrar um valor baixo para um uso moderado inicial e crescer junto com os clientes. Isso ajuda a vencer a resistência (psicológica e orçamentária) ao realizar uma primeira compra.

Sob a ótica do cliente, não há o risco de incorrer em custos para um produto que não está sendo usado. Por outro lado, se ele é mais utilizado, é sinal de que a pessoa está se beneficiando do software e gerando valor na sua operação. É o típico problema bom, que se gosta de ter.

Da perspectiva de investidores, tanto de mercado privado quanto público, o “usage-based pricing” é uma alavanca poderosa para um modelo de negócio saudável. O crescimento futuro vira uma função tanto de entrada de novos clientes (“land”) quanto de aumento do uso de clientes existentes (“expand”), que por si só é um indicador de utilidade e qualidade de produto.

O “usage-based pricing” é uma evolução natural na precificação de software. Uma ferramenta estratégica para fortalecer o modelo de negócio facilitando o processo de vendas, gerando menos ruídos e aliando interesses entre produto e cliente. De quebra, otimiza a função do crescimento – hoje a métrica mais importante para avaliação de empresas de software.

Com o alinhamento de interesses, todos ganham. É muito importante refletir sobre isso ao desenhar o go-to-market de sua empresa e o modelo de precificação de seu produto.

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Autoria

Marcelo Hein

Marcelo Hein é diretor de estratégia (CSO) na Take Blip, empresa que oferece soluções de comunicação entre marcas e consumidores em aplicativos de conversa.

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