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Marketing e vendas

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Por que redes sociais sozinhas não constroem valor de marca

Empresas que focam no microgerenciamento das redes sociais podem estar criando marcas com baixa lealdade – e baixo equity

Colunista Ulisses Zamboni

Ulisses Zamboni

05 de Maio

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Artigo Por que redes sociais sozinhas não constroem valor de marca

A instantaneidade das plataformas de mídia social tem regrado nossa noção de tempo. Mais que isso, nosso relógio interno está sendo regularizado de acordo com os algoritmos do Instagram ou do TikTok, que fazem nossa atenção escapar de qualquer coisa que dure mais do que alguns momentos.

Não concorda? Então, pergunte-se quantos livros você conseguiu ler neste mês? A quantos filmes deixou de assistir só porque eles eram longos demais?

Nosso desejo de instantaneidade está nas nossas compras: produtos adquiridos na internet que chegam no mesmo dia, refeições em 30 minutos, compras de mercado em 15.

Novos tempos. O mais bacana de ser cientista social e um estudioso do comportamento humano é poder observar e compreender os mecanismos que levam o indivíduo e a sociedade a determinadas atitudes e não julgá-las. No entanto, talvez seja preciso dar um passo à frente quando se trata de observar o fator tempo na construção de valor de marca, ou brand equity.

O uso anabolizado das redes

O objetivo de qualquer marqueteiro é transformar uma marca em uma entidade viva, grandiosa, pulsante, que se relacione com a comunidade. Uma crítica que faço a algumas estratégias de comunicação recentes diz respeito ao uso anabolizado das mídias sociais como o caminho principal e, às vezes, único para a construção de valor de marca. É claro que as plataformas de mídia social cumprem um pedaço importante dessa tarefa, mas seu papel é apenas construir um contorno de identidade claro e relacionável para uma marca, e não produzir valor perene entre ela e seu usuário.

As plataformas de mídia social nadam de braçada no quesito construção de identidade. Todos os dias, um conteúdo de uma marca com a qual você escolheu se relacionar (e também, às vezes, de algumas que você não escolhe) aparece em sua timeline.

Bingo! Lá está você entendendo valores, comportamentos e a ética daquela empresa e de seus líderes. Reconhecer racional ou emocionalmente a moral comportamental de uma marca é a maior entrega das plataformas de mídias sociais. Diria que elas são veículos da alma. Mas, do ponto de vista de construção para a marca, seu papel para por aí.

Vale aqui uma redução didática do papel das plataformas para deixar clara a distinção entre “visibilidade” e “valor” na construção de equity. A pergunta que não quer calar: você pagaria mais por um produto, ou defenderia um negócio, apenas com base no comportamento dele nas redes sociais?

É assim que vejo alguns gestores de marketing superestimando o poder das plataformas. Não podemos subverter o processo mental na formação de valor agregado das coisas, das instituições, das marcas e das pessoas.

Explico melhor.

A função da memória, e do tempo, na construção de valor

O tempo e a memória são fundamentais para criação de valor de marca. Mesmo com os avanços tecnológicos da medicina e da biologia, o tema da memória ainda se coloca como um enigma para sociedade científica. Neurocientistas, biólogos e psicólogos se debruçam em evidências de testes clínicos e de laboratório para levantar algumas hipóteses para desvendar essa charada.

Nas minhas leituras sobre o tema, encontrei o ponto de vista do neurocientista Eric Kandel. Ele descobriu uma correlação direta entre a estrutura biológica cerebral e a memória, premissa científica que lhe rendeu o prêmio Nobel de Medicina em 2000. Esse cientista provou que a formação da memória ocorre a partir da criação de uma nova estrutura cerebral, surgida de uma proteína codificada pelo neurônio. A essa nova estrutura, Kandel deu o nome de “engrama”.

Do lado do comportamento, o que se sabe até agora é que a combinação da cognição (aprendizado) e seus impactos (emoção) são dois dos pilares fundamentais da memória. Juntos, eles criam valor a respeito de qualquer coisa na vida ao longo do tempo.

São nossas memórias que nos movem no sentido de adicionar valor às nossas vidas e que são capazes de “subir a barra” na percepção sobre um assunto, um negócio ou uma marca. Com esse panorama, fica muito claro que ações táticas e apenas cognitivas são importantes, mas não têm o poder e o peso de gerar equity de marca.

Equity e a captura de valor de marca

Como vimos, a palavra fundamental do marketing contemporâneo é “impacto”. A sociedade evoluiu tanto que, se isolada, uma mensagem de campanha institucional não dá mais conta de responder às demandas e aos anseios dos indivíduos.

Podemos até embeber de emoção as narrativas de marca, como fazemos (e vemos) nas campanhas televisivas, nos posts bem-humorados no Instagram, nas dancinhas festivas do TikTok, mas isso não é suficiente para uma verdadeira adição de valor.

Em sua teoria da “consciência coletiva”, Richard Barrett diz que a clássica pirâmide de Maslow se tornou obsoleta. No século passado, Abraham Maslow pregava a autorrealização do indivíduo, mas hoje isso não basta para vivermos em uma sociedade feliz. De acordo com Barrett, as pessoas enxergam e constroem valor naquilo que, de fato, é um bem coletivo.

É possível então se fiar na certeza de que a captura de valor de uma marca está intimamente relacionada ao impacto que essa marca exerce sobre o coletivo (e ao tempo durante o qual faz isso).

A importância do propósito de marca

Muito já se falou sobre achar o propósito de uma marca e tê-lo como foco central das ações de marketing. Saber para quem trabalham e como elas vão impactar esse público são premissas centrais das marcas que mais constroem valor nos dias de hoje.

A criação e gestão de propósito empresarial, de maneira abrangente, num mix de marketing realmente diverso – e não apenas direcionado a gestão das mídias sociais – é certamente a melhor resposta para o aumento da lealdade e o incremento de valor. Uma marca não se torna contemporânea porque abriu um canal de diálogo no TikTok, mas na resposta dada e no impacto gerado a partir das demandas solicitadas.

Por isso, o uso das técnicas das Relações Públicas no marketing é uma resposta bastante atual e eficaz para obtenção de valor agregado de marca. Sua tarefa é diagnosticar as demandas dos diversos públicos e construir ações (e não narrativas) específicas para cada um deles.

A natureza nos ensina que o tempo tem um tempo. Na agricultura, não dá para apenas apertar um botão do fast forward e, pronto, o adubo fez efeito, a semente germinou e a flor nasceu.

Gerar impacto e dar a visibilidade de que há uma intenção genuína daquela marca para com seus públicos leva tempo. É por isso que o micromanagement das mídias sociais, sozinho, acaba apenas desviando a atenção do gestor, pois cumpre um pedaço do problema: o da cognição. O impacto (que gera memória) carece de mais força, de mais vetores.

Uma boa sequência de posts nas plataformas de mídia social é apenas a porta de entrada para geração efetiva de mudança. Para aumento da lealdade e margem? Mais ação e menos bate-papo.

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Colunista Ulisses Zamboni

Ulisses Zamboni

Com 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do conselho do Grupo de Planejamento no Brasil, membro do Conselho Editorial da MIT Sloan Review Brasil e clinica como psicanalista.

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