A American Psychology Association publicou um guia sobre meio ambiente e saúde mental e um pensador britânico construiu uma escala para medir o “desespero climático” das pessoas, com cinco estágios e talvez o leitor esteja no estágio máximo nestes dias, diante das trágicas queimadas na Amazônia. Vale entender como lidar com isso, tanto em relação aos sintomas como no tratamento das causas
Recentemente, minha mãe me perguntou por que eu parecia triste. Demorei um tempo para articular o que queria dizer e como.
Existem grandes problemas macro que pesam sobre mim como ser humano e em meu trabalho. Um é o estado da democracia e a ascensão de autocratas em todo o mundo, que, acredito, é algo horrível para a liberdade, a igualdade e a economia. Mas não vou falar sobre isso hoje. O que tento entender é o estado do planeta que chamamos de lar. Porque o problema existencial que acaba com meu bem-estar é a destruição do mundo natural e a profunda crise climática.
Acho que encontrei equilíbrio em como falar sobre a gravidade da situação em meus textos e discursos sobre megatendências para empresas. As pessoas dizem que eu pareço sério, mas com alguma esperança.
Tive mais dificuldade pessoalmente para falar com os entes queridos sobre isso. Compartilho as notícias com as quais nós, na linha de frente, somos bombardeados e que somos obrigados a ler? Ou protejo os que me rodeiam do pior?
Em suma, o que digo à minha mãe, aos meus filhos ou a qualquer pessoa querida?
Pensei nisso como três questões distintas: o que realmente sabemos sobre a mudança climática? Por que estou preocupado e sinto que é tão sério? E como eu – e todos nós – lidamos com esse conhecimento e seguimos em frente?
O que realmente sabemos?
Não vou insistir nisso. A mudança climática tem sido estudada tanto quanto qualquer fenômeno na história, por milhares de cientistas. Para obter a leitura mais rápida e fácil sobre o básico, eu indicaria à minha mãe ou a qualquer pessoa o claro “What We Know” da Associação Americana para o Avanço da Ciência e o breve e simples artigo: “Climate Change: How Do We Know”, da Nasa.
Resumindo: o clima está mudando, o que é causado principalmente por humanos, e o clima extremo continuará piorando muito. Perguntar se você “”acredita”” na ciência do clima não é a pergunta certa: eu me concentro no motivo pelo qual acredito que devemos agir, porque é uma gestão inteligente de riscos e faz bem para a economia e para a saúde. (Uma breve consideração sobre o “negacionismo climático”: na maioria dos círculos sociais, ele se transformou da negação pura e simples e das alegações de que é boato para atitudes mais sutis de que não é nada tão urgente assim. Mas o fato é que os céticos que negam a seriedade do problema, ainda que sejam razoáveis, também criam um grande obstáculo para a ação.)
Por que estou tão preocupado?
As notícias científicas do último ano foram difíceis. Primeiro, eu contaria à minha mãe sobre dois grandes relatórios que me preocupam muito. Ambos não são leituras fáceis para leigos, então aqui vai uma recapitulação muito rápida:
• O Relatório de Extinção das Nações Unidas. O relatório de maio da ONU descreveu a dura realidade de um planeta sob ataque. Um milhão de espécies estão em risco de extinção. O mundo natural e seus milhões de formas de vida são a espinha dorsal e os pilares da nossa sociedade. Sem abelhas, formigas ou qualquer outro tipo de espécie, nós não existimos.
• O chamado “Relatório do 1,5 grau” do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. As nações do mundo concordaram em 2009 em manter o aquecimento global a 2 graus Celsius acima das temperaturas pré-industriais. Na época do acordo climático de Paris em 2015, ficou claro que 2 graus Celsius ainda seriam devastadores para o planeta e para a humanidade e, especificamente, destruiriam regiões e países mais baixos. O clima extremo que estamos sentindo – como o calor que bateu recordes na Europa este verão – é o resultado do aquecimento de 1 grau Celsius que já criamos. Assim, o IPCC avaliou a diferença entre um mundo de 1,5 grau (ruim) e os 2 graus planejados (muito pior, pois o risco não é linear). Aqui estão oito principais conclusões do World Resources Institute.
Outros relatórios no ano passado foram ainda mais pesados. Em _The Uninhabitable Earth_, o jornalista David Wallace-Wells considera o que acontece se formos além dos 2 graus Celsius de aquecimento a 3 graus Celsius ou 4 graus Celsius ou até mais. Wallace-Wells esteve recentemente no Brasil, onde participou da Festa Literária de Paraty, a Flip.
O que a ciência nos diz? A resposta é francamente aterrorizante – por exemplo, não está claro quanto do mundo em que vivemos será reconhecível e habitável. Eu indicaria para minha mãe, meus amigos e meus filhos mais velhos um longo artigo de Wallace-Wells na revista New York, que expõe suas descobertas básicas. Vale a pena. (Acredite ou não, há trabalhos e discussões mais tétricas que sinceramente não consigo ler.)
Além da leitura, conversei com os principais cientistas para me aprofundar nos relatórios e discuti regularmente esses cenários com colegas que sabem muito. A notícia é ruim. Não se trata de negatividade ou pessimismo; é uma leitura fria e difícil da situação, muito parecida com um diagnóstico de câncer honesto de um médico.
Milhares de páginas de relatórios resumem-se ao fato de que nós, como espécie, acabamos de cravar alguns resultados desastrosos para nós mesmos. É provável que áreas litorâneas inteiras, como Miami, não sobrevivam ao próximo meio século (pense nos impactos econômicos e humanos do desaparecimento dessas grandes cidades e economias). Eu descrevi algumas dessas previsões em minha recente coluna sobre nove megatendências para observar.
Mesmo com as suposições razoáveis dos cientistas, se você realmente internalizar alguma porcentagem das projeções, como não conseguiria começar a fazer alguma coisa? Nós, da Geração X, provavelmente viveremos para ver alguns desdobramentos realmente terríveis. Vamos deixar nossos filhos com consequências ainda piores. E no exato momento em que precisamos de uma ação global e coordenada que reconheça o quanto estamos todos juntos nisso, países do mundo inteiro – do Brasil e dos EUA à Hungria e Índia – estão mergulhando numa postura populista de “cada um por si”.
O que me dá esperança e me ajuda a lidar com isso
A atitude certa a tomar aqui é difícil de calibrar. Enrolar-se em posição fetal pode parecer um movimento lógico, mas não vai ajudar ninguém. Não sou psicólogo e não conheço o melhor caminho para lidar com todo esse conhecimento. Mas a American Psychology Association levou isso a sério o suficiente para publicar um guia de 70 páginas sobre “Saúde mental e nosso clima em mudança”, que deve nos preocupar e ao mesmo tempo nos confortar.
Um exercício interessante é localizar-se na escala de “cinco estágios do desespero climático” proposta por um pensador de sustentabilidade inteligente, Jonathan Porritt, do Reino Unido. Estou em algum lugar no meio da escala: acredito que não podemos mais evitar alguns desdobramentos graves, mas que não é tarde demais para impedir o pior, se nos movermos depressa agora.
Estou tentando me concentrar em algumas tendências positivas para ajudar a sair do que poderia ser uma posição de pânico para uma urgência mais esperançosa e útil. Algumas das boas notícias, em suma:
• A economia limpa está crescendo a um ritmo inacreditável. A energia renovável (principalmente solar e eólica) é hoje a maior fonte da nova energia adicionada à rede elétrica em todo o mundo. A razão é que as renováveis, de acordo com a análise anual feita pelo banco de investimentos Lazard e os dados regulares da Bloomberg New Energy Finance, são mais baratas. Os custos das baterias estão despencando, tornando econômicos os veículos elétricos de todos os tamanhos (a China está adicionando 10 mil ônibus EV às suas estradas _a cada cinco semanas_). Outras tecnologias importantes, como a eficiência da construção e técnicas de economia de água, impulsionadas por big data e IA, estão crescendo rapidamente.
• A comunidade empresarial está mudando do carbono para a tecnologia limpa. Cerca de cinco anos atrás, apenas um punhado de grandes empresas estava mergulhando os pés nas águas da energia renovável. Agora, centenas de grandes empresas do mundo se juntaram a grupos como o RE100 (prometendo comprar 100% de energia renovável) ou se comprometeram com metas de redução de carbono baseadas em ciência e contrataram muitos gigawatts de energia limpa.
• O mundo das finanças está despertando. O investimento sustentável está passando de modismo discreto para “parte do tecido do investimento”. Cerca de US$ 12 trilhões foram alocados somente nos EUA. Curiosamente, a maior mudança em meu negócio é o número de instituições financeiras globais que me pediram para falar com eles no ano passado sobre megatendências e o que está impulsionando a sustentabilidade corporativa.
• As gerações mais jovens se importam muito com o clima e estão fazendo barulho. A ativista sueca de 16 anos, Greta Thunberg, liderou o ataque com greves escolares e marchas climáticas em todo o mundo. Grupos ativistas do clima, como o Extinction Rebellion, do Reino Unido, e o Sunrise Movement, nos EUA, estão construindo esse impulso e chamando a atenção. Um estudo recente com jovens de 15 a 24 anos em países da União Europeia mostrou que “combater as alterações climáticas” está no topo de sua lista de prioridades.
Essas são tendências úteis para você começar a aprofundar e, do ponto de vista de negócios, muitos apontam para grandes e crescentes mercados hoje e no futuro próximo. Mas também devemos abordar o custo pessoal da preocupação e do desespero que muitos de nós sentimos. Eu encontrei algumas atitudes úteis.
• Reúna boas novas. Uma amiga que trabalha em sustentabilidade e estratégia corporativa faz sua equipe ativamente coletar histórias de tecnologia limpa e inovação em todo o mundo. Da mesma forma, tenho meus próprios grupos informais que compartilham boas notícias sobre questões climáticas por mensagens de texto ou e-mail.
• Desconecte-se ocasionalmente das notícias difíceis. Faça pausas. Lutar contra causas difíceis para melhorar o mundo não é um sprint. Todo mundo precisa de pausas diárias (a meditação funciona para mim) e de períodos mais longos para focar na família, nos hobbies ou em boas distrações, como se envolver como ler ficção (mas não livros pós-apocalípticos).
• Conecte-se a pessoas. Encontrar e animar colegas, amigos, familiares e até mesmo pessoas que você não conhece bem e que compartilham seus valores e preocupações pode ajudar. É bom sermos lembrados de que não estamos sozinhos em nossas preocupações e que nossa ansiedade e tristeza – especialmente para aqueles de nós que lutaram contra a depressão clínica – são reações normais a relatos terríveis. Nós não temos que enfrentar essas preocupações sozinhos.
• Aja e nunca pare de lutar. Quais são as coisas mais eficazes que podemos fazer individualmente para ajudar a reverter o aquecimento global? A principal recomendação dos pensadores da sustentabilidade é votar em políticos que querem uma ação climática grande e rápida. Nos EUA, para ser franco, isso deixou de fora quase todos os políticos do Partido Republicano por muitos anos.
• Ria e chore. Quando tudo mais falhar, assista a vídeos de bebês ou filhotes. Tente não sorrir assistindo a este vídeo de 90 segundos de um bebê ter uma “conversa” apaixonada com seu pai.
Vivemos tempos difíceis. Mas nós temos escolhas, e essas escolhas têm impacto sobre como serão os próximos, cinco, dez e cem anos. Isso é sempre verdade, não importa qual seja o estado de “”hoje””. Podemos optar por torná-lo melhor e mais gentil. Crédito da foto: Shutterstock. Cena de desmatamento flagrada em março de 2019 no Amazonas. O aumento das queimadas estaria diretamente relacionado com o aumento do desmatamento.”