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Quem vai pagar a conta da descarbonização?

Líderes já contestam a reivindicação de que países em desenvolvimento devem dividi-la meio a meio com os europeus e os americanos –como fica o Brasil?

Carlos de Mathias Martins
Quem vai pagar a conta da descarbonização?
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Quem discorda nunca assistiu. Agente 86 continua em primeiro lugar no ranking das maiores séries televisivas de todos os tempos. Lançada nos Estados Unidos em 1965, com o título Get Smart, a série tinha como pano de fundo a Guerra Fria em meio às trapalhadas do agente secreto Maxwell Smart, codinome 86.

O personagem combinava as qualidades do espião britânico James Bond e do chefe de polícia francês, o inspetor Jacques Clouseau. Agente 86 foi produzida pelo cineasta americano Mel Brooks, gênio da comédia besteirol cujas obras de arte serão todas canceladas e censuradas no Brasil e na Escócia num futuro próximo. 

Mas divago. 

A esquete recorrente e mais marcante da série resultava no momento “te peguei!” – ou “gotcha!”, em inglês. Quando confrontado pelos agentes inimigos com alguma emboscada aparentemente intransponível, Smart tirava da cartola uma argumentação sem sentido que sempre funcionava para se safar do perigo iminente.

Ele diria: “você diz que estou cercado por um batalhão de elite, paramilitares armados com rifles AK-47, mas eu tenho uma kombi estacionada do outro lado da rua cheia de escoteiros com peste bubônica acompanhados de um pastor alemão, prontos para me resgatar a qualquer momento”. A argumentação de Maxwell Smart nunca falhava e seus inimigos nunca conseguiam emparedá-lo.

“A quem você se refere, cara-pálida?”

Não foi o que aconteceu no programa Hard Talk do canal de televisão britânico BBC apresentado pelo jornalista inglês Stephen Sackur no final de março. O âncora Sackur falhou miseravelmente na sua tentativa de emparedar o atual presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali. 

O jornalista questionava o direito de uma nação como a Guiana explorar petróleo e liberar tanto carbono na atmosfera. A resposta do presidente veio em tom de cobrança: “Eu te pergunto: você trabalha a soldo dos países que destruíram o meio ambiente durante a Revolução Industrial e agora quer me dar lição de moral?”.

Sacker rebate o presidente da Guiana usando como argumento uma estatística produzida pelo Greenpeace, factualmente correta, mas provavelmente exagerada. Embora o Greenpeace seja a segunda maior e mais importante ONG de todos os tempos, atrás apenas da Igreja Católica, o debate subjacente à entrevista nunca foi o tema das mudanças climáticas. O dilema aqui é outro: quem vai pagar a conta da descarbonização? 

Lamentavelmente, meu complexo de vira-lata biológico vibra quando um britânico é encurralado por um legítimo representante do povo sul-americano. Mas não me entendam mal: todo o meu apoio ao jornalismo que faz perguntas inconvenientes. 

Infelizmente, no Brasil, estamos acostumados com uma mídia televisiva majoritariamente chapa branca com ativistas. Nesse contexto midiático de interdição do debate racional sobre a descarbonização das cadeias produtivas do Brasil, surge o dilema da exploração de petróleo na margem equatorial do nosso litoral, que inclui a bacia hidrográfica da foz do Rio Amazonas.

Se a argumentação de um líder de extrema direita tiver algum valor para pontuar esse debate, aí vai: quando confrontado em fóruns internacionais sobre a responsabilidade dos países em desenvolvimento pelo aquecimento global, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, rebate sem hesitar: “A quem você se refere, cara-pálida?”. Get smart, Brasil.

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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