Assunto quente no Vale do Silício, a contribuição dos gestores para manter o espírito empreendedor de startup (founder mode) em uma empresa que cresce precisa ser mais bem compreendida
Empresas nascem simples e ágeis. O crescimento cria complexidade e a complexidade pode dificultar a inovação. Em carta enviada aos funcionários, o CEO da Amazon Andy Jassy disse que está incomodado com a cultura da empresa e um conjunto de artefatos criados que tem reduzido a agilidade de uma das empresas mais inovadoras do mundo. Entre as decisões para resolver o problema estão a criação de uma “caixa postal da burocracia” e a demissão de um grande número de gerentes que estariam demandando “pré-reuniões de pré-reuniões para reuniões decisórias”.
A média gerência surgiu na era da revolução industrial como uma solução para facilitar a execução de estratégias em grandes empresas geograficamente dispersas. Pensadores como Ford, Fayol, Deming e Drucker colocaram essa camada de liderança no centro do debate empresarial.
O problema é quando os meios se tornam os fins. No momento em que a média gerência ao invés de fomentar a criação e desenvolvimento de novas soluções se concentra apenas em garantir a sua sobrevivência, é sinal de que houve uma inversão do propósito de sua existência.
As maiores empresas do mundo são produto da ação empreendedora de seus fundadores. No Brasil, Francisco Ivens de Sá Dias Branco construiu a M. Dias Branco, maior empresa do Ceará e uma das maiores do mundo em seu segmento. Jorge Gerdau e seus irmãos fizeram da gaúcha Gerdau uma multinacional produtora de aço e serviços. Edson Mororó Moura transformou uma empresa produtora de mariola em Belo Jardim no interior de Pernambuco no Grupo Moura, líder na produção e comercialização de baterias.
O founder mode (ou modo fundador, em oposição a modo gestor) refere-se a um estilo de gestão em que os fundadores continuam profundamente envolvidos nas operações da empresa. Defensores recentes dessa abordagem, como Brian Chesky CEO do Airbnb, acreditam que manter a presença ativa evita a burocratização e mantém a essência inovadora.
Não há dúvidas da relevância dos fundadores na criação e desenvolvimento de empresas como nos ensinam os casos de Apple, Netflix, Google, Meta e Nvidia. Entretanto, a medida que a empresa cresce e atinge 500, 1.000, 5.000 funcionários não é conveniente que toda capacidade de fazer a empresa crescer dependa dos founders. Na verdade, em muitos casos o fundador nem está mais lá dado que em quase 60% das empresas que abrem capital, o fundador não é mais o CEO no momento do IPO1.
A média gerência não precisa ser o gargalo de inovação na grande empresa. O caminho é adaptar princípios do founder mode para o contexto corporativo e fazer desses líderes veículos de inovação. As empresas mais inovadoras do mundo tem conseguido articular esse papel e capturar valor superando em 3,3 pontos percentuais por ano em retorno para o acionista o índice MSCI World que integra mais de 1400 empresas de capital aberto em 23 mercados desenvolvidos2.
Neste artigo, baseado em nossa pesquisa e consultoria sobre o tema nos últimos 20 anos, compartilho quais são os cinco papéis da média gerência na inovação corporativa.
1. Capturar, significar e desdobrar direcionamento estratégico.
A inovação é um veículo a serviço da estratégia. Pesquisas sobre o tema sugerem que menos de 10% dos profissionais de grandes empresas compreende a estratégia da organização2. A estratégia é um tema de alta gestão, no entanto, a média gerência tem a responsabilidade de compreender as prioridades, significar as escolhas e desdobrar o direcionamento para que seus times saibam quanto e onde inovar.
Ao longo dos últimos anos tivemos a oportunidade de participar das iniciativas de inovação da Ocyan, empresa brasileira de óleo e gás. O ciclo do setor, somado ao momento da empresa e a troca de controlador fizeram com que fosse necessária a atualização periódica das prioridades estratégicas que direcionavam a inovação. Esse direcionamento tem sido compartilhado com a média gerência nos vários fóruns existentes como Innovation Day, Programa de Desenvolvimento de Lideranças e Reunião Anual de Resultados.
Há empresas em que a estratégia é gerar eficiência no negócio existente enquanto que outras precisam diversificar seu portfólio de negócios. O primeiro papel da média gerência é ser o tradutor da estratégia para que os times compreendam os limites saudáveis de exploração, aquilo que pode, deve e não pode ser questionado num determinado recorte do tempo. Não basta ser o comunicador dessa orientação. O líder inovador auxilia o time a compreender o racional do direcionamento e, principalmente, quais áreas de oportunidade são prioridade de inovação.
2. Identificar, direcionar e priorizar problemas/oportunidades.
A compreensão do direcionamento estratégico permite que cada estrutura entenda quais problemas e oportunidades priorizar. É papel da média gerência ajudar os times a aprofundarem o entendimento e o dimensionamento dos problemas mais relevantes para conseguir selecionar aqueles de maior valor.
Na Nestlé, os diretores e gerentes trabalham juntos com seus times na seleção dos projetos de inovação aberta para o Panela Nestlé. Os diretores desafiam seus times a compreenderem as alternativas disponíveis, selecionarem as melhores oportunidades e priorizarem os recursos que são escassos mesmo em grandes empresas de sucesso.
Os líderes precisam mobilizar seus times para dedicar tempo para os problemas que importam e não aqueles que mais gostamos. No lançamento do Pepsico Labs no Rio de Janeiro estivemos com o fundador do Waze, Uri Levine, que reforçou seu mantra: “apaixone-se pelo problema e não pela solução”. O líder deve desenvolver essa mentalidade em seus times e estimular que mergulhem profundamente no entendimento das oportunidades mais relevantes.
3. Conceber, refinar e suportar execução de projetos
Projetos de inovação são iniciativas que lidam com alto nível de incerteza. O terceiro papel da média gerência na inovação consiste em atuar na construção dos projetos de inovação junto com o time. Uma das formas de acelerar a velocidade e qualidade desses projetos é por meio do domínio da capacidade de experimentação.
O líder precisa difundir a mentalidade de experimentação disciplinada em seu time, definindo quando faz sentido experimentar, o que deve ser testado e quais as formas de experimentação disponíveis. Para tanto, o líder deve ajudar o time a dominar a natural aversão a perda e medo de errar ao diferenciar os erros ruins em operações previsíveis dos erros bons em contextos de descoberta.
Uma boa forma de aumentar o retorno sobre o erro é, não apenas aprendendo com o ocorrido, mas compartilhando ao máximo as experiências com os outros times. Sistematizamos na Innoscience um espaço na reunião semanal de toda a empresa para que as pessoas compartilhem seus erros bons e ruins e ajudem os demais membros a não comete-los. No início, há dúvidas sobre os efeitos dessa exposição, contudo, não há nada pior do ponto de vista organizacional do que errar duas vezes ao cometer o erro e deixar de aprender com o mesmo.
4. Inspirar, apoiar e formar times de projetos inovadores.
A execução de projetos de inovação depende de um time de trabalho com o perfil e arquitetura adequadamente configurada. É papel do líder ser fonte de inspiração e apoio na identificação da melhor formação de time para cada projeto. Isso envolve o perfil dos membros do time e, também, a estrutura organizacional mais adequada para aquele projeto.
O mais importante é difundir o entendimento de que todos podem aprender os comportamentos necessários para inovar como sustentado na pesquisa do DNA do Inovador com mais de 3.500 executivos e empreendedores realizadas pelo professor Clayton Christensen3.
No entanto, o grau de encaixe do novo projeto com a tecnologia/conhecimento e modelo de negócios da empresa é determinante para a seleção do tipo de configuração do time. Projetos com alto encaixe em ambos eixos tendem a ser bem gerenciados por times multifuncionais com alocação parcial dentro da estrutura de operação existente. Por outro lado, projetos com baixo encaixe nos dois eixos tendem a requerer um time com dedicação exclusiva e algum nível de autonomia em relação a operação existente.
A Balq, startup corporativa em desenvolvimento pela Braskem e alocada na Oxygea venture arm da empresa, começou com um time part-time utilizando recursos externos. Na transição para a incubação foi formado um pequeno time full-time. Ainda na incubação o time cresceu e, nesse momento, busca aumentar as vendas. Não basta inspirar as pessoas, é preciso trabalhar na formação do time adequado para cada tipo de projeto.
5. Conectar, promover, e patrocinar soluções externas e conexões internas.
Grandes organizações são formadas por silos. O último e não menos importante papel da média gerencia é de ser um conector, interno e externo. Saber com quem falar sobre os diferentes temas é um ativo único que aqueles que atuam com papel gerencial tendem a desenvolver por estarem mais expostos a fóruns de gestão. O “know who” é, nesses casos, tão relevante quanto o “know how” pois serve de atalho para que o time saiba o que está acontecendo, beba da sabedoria de outros profissionais e plugue o seu projeto em iniciativas estratégicas existentes.
A conexão externa com o ecossistema de startups, pesquisa, desenvolvimento e inovação complementa esse papel. Há mais de 18.000 startups no Brasil distribuídos em diversos hubs de inovação. Como nem tudo precisa ser desenvolvido internamente, saber onde buscar soluções é uma habilidade única. Depois de cinco anos de iniciativas consistentes de inovação aberta, os líderes da SLC Agrícola já sabem onde buscar as soluções. Piracicaba, São Paulo, Londrina, Argentina, Israel ou Vale do Silício. O papel do líder é estimular que o seu time se exponha a esses contextos para capturar sinais e, quando oportuno, desenvolver projetos em parceria com atores adequados a suas iniciativas.
A sustentação da inovação em empresas de grande porte passa por potencializar a capacidade de inovação e não por descartar a média gerência. Para isso, é decisivo que a alta gestão e média gerência entendam os principais papéis necessários no fortalecimento da capacidade inovadora. Traduzir, significar, construir, inspirar e conectar são aqueles que melhor descrevem como a média gerência pode se manter relevante para transformar uma organização complexa em inovadora.
1Broughman, Brian J. e Fried, Jesse M., Do Founders Control Start-Up Firms that Go Public?
2Kaplan, Robert S. Norton, David P. The Office of Strategy Management.
3 Gregersen, Hal. Christensen, Clayton e Dyer, Jeff. The Innovator’s DNA.