Reconhecer suas limitações e sonhar grande são compatíveis. E mais: podem ser o pontapé para um planejamento ousado, organizado e baseado em vantagens comparativas
Recentemente, participei como convidado de um evento de inovação do Instituto Caldeira, em Porto Alegre. Após alguns dias, percebi a repercussão de uma frase que, confesso, não recordar de ter dito: “Todas as barreiras são uma ficção criada por alguém”. Fato é que sempre acreditei nisso, e este artigo é uma tentativa de reflexão mais profunda sobre o tema.
Vivemos numa era de idealizações, que não necessariamente refletem a realidade. Ainda assim, tão importante quanto a idealização que fazemos dos outros, é a idealização que fazemos de nós mesmos. É isso mesmo: a forma como nos vemos tem impacto sobre os resultados que alcançamos.
Há tempos, venho observando uma idealização quase infantil de representações criadas, como de quais países são predestinados a vencer ou sobre quais características, pessoais ou coletivas, são predefinidos os vitoriosos.
A história, naturalmente, é contada na perspectiva dos vencedores. Só que há milhares de outras histórias, e não necessariamente as vitórias refletem a beleza real ou a superioridade moral dos fatos. Os países vencedores da revolução industrial pós-iluminismo trouxeram para a humanidade descobertas incríveis e inimagináveis, seja na medicina, no transporte, na educação e no próprio capitalismo, impulsionando melhores condições de vida para bilhões de pessoas ao redor do mundo. Por outro lado, trouxeram também a percepção da existência de limites para a nossa superação e de que certas sociedades estariam permanentemente em posição de superioridade — intelectual ou cultural — em relação a outras.
Recentemente, viajei a trabalho para Singapura, um país pequeno e incrível. Apesar de não possuir uma história antiga nem uma identidade étnico-cultural homogênea, vem se destacando em diversos setores, como tecnologia, saúde, bancário e outros. E o que mais me intrigou nisso tudo foi a conexão entre a sua história recente e o nível de desenvolvimento que alcançaram.
Antes do século 19, Singapura era uma região de pesca e pouco povoada. Por estar localizada na rota comercial entre a Índia e a China, com a chegada da Companhia Britânica das Índias Orientais, tornou-se um entreposto comercial estratégico incorporado ao Império Britânico.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a ilha foi invadida pelos japoneses, o que trouxe ainda mais sofrimento, violência e pobreza à pequena população local. Ao final da guerra, Singapura tentou se incorporar à Malásia, mas, na prática, acabou sendo rejeitada por questões étnicas e raciais, além de sua completa escassez de recursos naturais.
No entanto, foi justamente nessa rejeição que encontrou a chave para a sua transformação. Reconhecendo suas limitações e sonhando grande, as lideranças locais perceberam que a sobrevivência dependia de um planejamento ousado e organizado, criando suas próprias “vantagens comparativas”. Educação, abertura econômica, método, planejamento governamental e inovação transformaram aquela Singapura, cidade-Estado de terceiro mundo, em uma das economias mais avançadas e dinâmicas do mundo.
Isso me faz lembrar de Jean-Paul Sartre em seu livro O Ser e o Nada, de 1943. “A existência precede a essência”, escreveu o filósofo, ao explorar o conceito de existencialismo. Os seres humanos primeiro existem, encontram-se no mundo e, então, definem a si mesmos. Sua essência é resultado de escolhas, ações e compromissos, pois o “fazer” para Sartre é o fundamento para a existência autêntica.
Nesse sentido, a inação ou a fuga das responsabilidades de escolha resulta em má-fé, um autoengano em que negamos nossa responsabilidade e liberdade. E essa liberdade vem acompanhada de uma responsabilidade igualmente radical. Cada indivíduo é responsável por suas escolhas e, por extensão, pelo tipo de pessoa que decide ser. Por isso, para Sartre, metas — ainda que inalcançáveis — são um exercício de liberdade e existência, em que se ignoram as percepções externas sobre o que os outros pensam.
Nós, brasileiros, temos a obrigação de ousar mais. Porque merecemos e podemos. No país, há inúmeros exemplos de sonhos — a princípio, utópicos — que se tornaram realidades mundiais. Cito como exemplo, a concepção e criação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, cuja idealização partiu do brigadeiro Casimiro Montenegro Filho, um dos fundadores da indústria aeronáutica brasileira.
Ele tinha a visão de formar engenheiros altamente qualificados para desenvolver a indústria aeroespacial do Brasil. Para implementá-la, Montenegro foi até o Massachusetts Institute of Technology (MIT) pessoalmente buscar inspiração e pedir ajuda. Foi assim que entrou em contato com Richard Harbert Smith, professor do MIT e engenheiro aeronáutico, que mais tarde se tornaria o primeiro reitor do ITA e traria consigo a experiência e metodologia educacional do MIT para desenvolver o currículo e a estrutura do instituto aeronáutico.
A exemplo do MIT, o ITA estabeleceu altos padrões de excelência acadêmica, com processo de seleção rigoroso e corpo docente altamente qualificado. Muitos dos primeiros professores do ITA foram treinados no MIT ou em outras instituições de prestígio.
Esses são apenas alguns exemplos de pessoas que sonharam com um Brasil moderno e desenvolvido, ignorando suas limitações e dando início ao surgimento de uma indústria aeronáutica respeitada mundo afora.
Por isso, aqui vai o meu convite: ignore completamente o que você mesmo pensa de si e ouse buscar o seu sonho. É possível. Não apenas “exista”, “seja”. E para aqueles que já estão satisfeitos com o que alcançaram individualmente, façam algo pelo seu país, pelo seu estado ou pelo seu bairro.