Um levantamento das tradições e um experimento estatístico ajudam a entender o porquê de as listas numeradas atiçarem tanto nossa curiosidade
Quem nunca parou para ler recomendações, instruções ou orientações na forma de uma lista que promete dizer, em 3, 7, 10 ou 13 itens, algo definitivo sobre como tratar algum tema?
Pense em listas como “_17 segredos para o sucesso dos pequenos negócios_”, “_21 fatos sobre negócios digitais bem-sucedidos_”, “_6_ _erros que as pessoas cometem durante a dieta_”, “_15 dicas para você emagrecer_” etc. Além de aparecerem frequentemente na mídia, elas dão até títulos para livros, inclusive com alguns deles integrando o ranking dos mais vendidos. Qual a razão para que os autores ofereçam tais listas e quais as razões para que estas aticem tão facilmente a nossa curiosidade?
A primeira intuição é de que há entre nós e os números uma relação inadvertida com a precisão. A lista precisa de itens para o sucesso ou para o corpo torneado é bem útil, não é verdade? Os números, pelas características de ser tão cabais para definir medidas, quantidades, relações de proporção e indicadores, associam-se facilmente à ideia de que, mais do que qualquer recurso, há entre suas propriedades o aspecto de serem incontestáveis quando apresentados de maneira matematicamente coerente. Para alguns, os números detêm a chave para decifrar os maiores mistérios da ciência ou do misticismo. Para outros, o fato de a matemática existir como tal alude à necessidade incontornável de uma simbologia para comunicar a essência universal das coisas que não pode ser alcançada pelas formas comuns do entendimento.
É fato que os números podem ajudar a destacar características do nosso mundo, facilitando a compreensão geográfica e funcional do planeta, como por exemplo: “_Os 4 pontos cardeais_”, “_Os 2 polos da terra_”, “_Os 5 continentes_”, “_Os 7 mares_” etc. Encontramo-los ainda em referências às figuras bíblicas: “_Os 4 cavaleiros do apocalipse_”, “_As 14 estações da Via Crucis_”, “_666: o número da besta_”. E também é muito frequente encontrar autores de ficção que os utilizam nos títulos de suas histórias, assim como em “_21.000 léguas submarinas_”, “_A volta ao mundo em 80 dias_”, “_Fahrenheit 451_”, e muitos outros.
Bastante comum ainda é o uso dos números em figuras de linguagem, metáforas e provérbios populares. Os britânicos dispõem de expressões que exemplificam muito apropriadamente este aspecto. _A bunch of fives (um soco), a stitch in time saves nine (não procrastine), at sixes and sevens (discórdia entre as partes), between two stools (não conseguir escolher entre duas alternativas)_ e, minha preferida, _you’re dressed up to the nines (você está muito bem vestido)._ Sem dúvida, é um modo muito criativo de dar significado ao corriqueiro.
Desde a Antiguidade investigam-se a essência e o significado oculto dos números. Não surpreende que, em nosso século, a crença na força da numerologia e da matemática gravite agora ao redor de modelos de propensão que, em grande medida, são pesquisados, por meio de bases analíticas avançadas, para compreender a arquitetura do universo e da mente humana, como se o “Grande Arquiteto” fosse um matemático puro.
O filósofo jônico Pitágoras de Samos, ali pelo ano 500 a.C., já avistava nos números um espaço para pensar suas propriedades, interpretando-os como sinônimo de harmonia e como essência da noção dos opostos. Para os pitagóricos, o cosmo se configurava por relações matemáticas, definindo a ordem do universo. Ora! Que fenomenal coincidência! Não seria uma aproximação com a corrente convicção de que a estatística enfim pode nos dar respostas relevantes, não somente sobre a constituição do universo, como também sobre o funcionamento da mente humana?
Em face das evidências históricas acerca do poder dos números na natureza, na ciência, na tecnologia e na linguagem, é bastante apropriado crer que modelos matemáticos avançados possam nos revelar segredos e mistérios que ainda orbitam em torno de suas propriedades, relações, correlações e interpretações.
Em torno disso, a pergunta inicial que propomos é bem mais prática, a saber: por que nos deixamos sensibilizar por listas de itens que prometem em 3, 7 ou 10 itens ensinar o que devemos saber sobre determinado tema?
Pois bem, para tentar encontrar algum aspecto determinante sobre isso, desenvolvi um pequeno estudo estatístico de modo a encontrar qualquer correlação não intuitiva. Descrevo o processo a seguir:
Primeiramente, escolhi aleatoriamente 19 termos comuns associados às listas enumeradas de itens, conforme o quadro abaixo:
Casos
Fatos
Vezes
Formas
Tipos
Maneiras
Erros
Segredos
Leis
Regras
Dicas
Modos
Truques
Mistérios
Questões
Viagens
Momentos
Países
Medos
2 leis…
3 leis…
4 leis…
5 leis…
6 leis…
7 leis…
8 leis…
9 leis…
10 leis…
A análise desenvolvida apontou que:
A palavra medo, quando mencionada em uma lista enumerada de itens (ex.: 7 medos recorrentes), é a de maior ocorrência entre todos os termos. Representa 20% do total de ocorrências entre os termos da amostra, superando dicas e formas (que intuitivamente parecem ser bem mais comuns).
Diante de tais dados, é preciso fazer algumas considerações e propor questionamentos. Por exemplo, sobre o 3 é preciso admitir o seu consistente valor simbólico – temos a Santíssima Trindade, os Três Poderes (executivo, legislativo e judiciário), o Triângulo (que constitui uma forma geométrica que serve à concepção de muitas outras), Jesus ressuscitou ao terceiro dia, entre outros. Talvez em função disso, quando analisadas as ocorrências de listas com 3 itens para as palavras formas, tipos e modos – que parecem ser a maneira mais corriqueira de compor listas –, encontramos ali o maior percentual.
E as ocorrências significativas vinculadas ao 10? Bem, os matemáticos gregos consideravam o 10 um número perfeito em razão de que ele é resultado da soma dos 4 primeiros números cardinais (1+2+3+4) e também porque coincide com o número de dedos das mãos. Não podemos esquecer ainda que o 10 é a base do sistema decimal. Estamos tão naturalmente expostos ao 10 que não seria absurdo supor que temos certa disposição a usá-lo como referência para muitas coisas, inclusive para enumerar uma lista de itens que merece atenção. Ainda, haveria relação no fato de que 10 é múltiplo de 5? Será que na relação de múltiplos há algo a ser decifrado? Lembrei, por ocasião dessa reflexão, que o 5, no sistema decimal, é o único número primo entre todos os possíveis números que terminam em 5 (ex: 55, 425, 1115 etc.). Poderia haver neste detalhe alguma razão inconsciente para a ocorrência tão expressiva de listas de 5 itens?
Ora, todas as provocações acima visam encontrar alguma intuição para essa estatística que nos destaca a predominância das listas de medos e listas de 5 e 10 itens. A ocorrência maior de listas de medo pode sugerir que referências à sensação de pavor, assombramento, terror, horror, repugnância ou aversão tendem a encontrar na dinâmica da nossa psicologia maior apelo. Sobre a predominância das listas de 5 e 10 itens, explorei alguns dados adicionais. Primeiro, em relação ao 5:
Com relação ao 10:
Dada a minha formação em humanas, especialmente nas áreas da psicologia e filosofia, não pude me furtar de desenvolver uma explicação inicial para correlacionar os fatos acima e as ocorrências significativas para as listas de 5 e 10 itens, bem como a predominância das listas de medos. Parece razoável supor que tendemos a prestar mais atenção a aspectos destrutivos, furacões, riscos, ameaças à nossa integridade, perdas etc. Como percebemos tais riscos e ameaças no nosso dia a dia? Ora, pelos sentidos, que são 5, e que podem ser facilmente enumerados nos dedos. Se Cristo sofreu 5 chagas em seu drama da paixão, devem existir pelo menos uma lista de 5 medos para a qual deveríamos estar atentos, por uma mera intuição mística que está inculcada em nossa cultura. Ainda, se o Antigo Testamento, no Pentateuco, possui um livro com o nome de “Números”, o 5 parece ser alguma chave para algum importante significado oculto. Talvez essa tese possa encontrar reforço no fato de que são 5 as substâncias essenciais da vida.
De outra sorte, não podemos esquecer de que essa vida da qual dispomos é frequentemente medida em décadas, e se queremos vivê-la de maneira nobre, cumpre observar os 10 mandamentos. Quiçá, ao ignorá-los, poderemos estar condenados a 10 pragas, do mesmo modo que o Egito sofreu por sua afronta à vontade divina. E, finalmente, se uma das correntes da mais avançada ciência explica o universo em 10 dimensões, precisamos intuir que a nossa relação com o 10 não é mera coincidência.
É possível encontrar nesse simples estudo que descrevi algumas intuições a considerar. A primeira delas, como o próprio texto demonstra, é que a matemática não é capaz de impedir a construção de ficções explanatórias (para usar uma expressão do psicólogo behaviorista B.F.Skinner), nem mesmo evitar a criação de “fábulas” (fazendo remissão a Nietzsche). É preciso admitir que – da mesma forma que as abstrações conceituais ou os elementos de poética –, os números são parte da linguagem e é pela linguagem que construímos conceitos, teses, hipóteses, histórias etc.
ADORNO CIENTÍFICO PARA UMA HISTÓRIA BEM CONTADA
Também é preciso considerar que números, em determinados casos, auxiliam o desenvolvimento de elementos metafóricos, qualificando o discurso de tal modo que podem ocultar o fato de que seja apenas adorno científico para uma história bem contada. Especialmente na enumeração de listas de itens os números fazem apelo à noção de facilidade e precisão. Listas enumeradas podem promover a percepção de um caminho para apreender e assimilar com rapidez uma ideia, conceito, fato etc.
Em grande medida – em uma época em que o processo interpretativo, processo esse que demanda o tempo que já nos falta –, a popularidade das listas associa-se ao superficial. Mas há um grande mérito nessas listas: é proporcionar uma maneira simplificada de desenvolver um assunto e alcançar a atenção dos leitores – pela promessa de irem “direto ao ponto”. (Só resta o problema de que, para ir direto ao ponto, é preciso seguir “5 passos essenciais para ler uma boa lista de tópicos”, que são… )
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