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Automação, heurística e design

Transporte-se para o futuro em que a quarta revolução industrial estará plenamente implementada. O que terá valido mais a pena aprender: programação? Ou design?

Eduardo Peixoto
29 de julho de 2024
Automação, heurística e design
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Em setembro de 2013, dois pesquisadores de Oxford, Carl Benedikt Frey e Michael A. Osborne publicaram o artigo “The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?” . De acordo com o estudo de Frey e Osborne, cerca de 47% do total de empregos nos EUA estaria em risco de ser parcialmente ou totalmente substituído pela informatização: o amadurecimento de tecnologias digitais estava tornando uma grande quantidade de trabalhadores redundantes, supérfluos…

Muitos tratam isso como um novo fenômeno, e não é. Novas tecnologias sempre transformam o modo como realizamos o trabalho.

É mais fácil perceber em retrospectiva. A secretária e sua máquina de escrever IBM sumiram dos escritórios (quem tem mais de 40 anos certamente conheceu alguma). A pessoa que ficava na cancela dos estacionamentos recebendo papéis, idem. Lembram-se do entregador de mensagens circular? E, mais especificamente para os engenheiros eletrônicos, do desenhista de circuitos em placas dupla face? Em 1985, eu já trabalhava no departamento de matemática da UFPE [Universidade Federal de Pernambuco], na equipe do Prof. Sóstenes Lins, tentando construir um software que automatizasse integralmente ou parcialmente a arte dele, do desenhista.

E não foi só a eletrônica e a computação que tornaram certos trabalhos redundantes. A mecânica também. No século passado atravessamos o ciclo de automação do campo. Substituímos a força física pela mecânica. Tratores, semeadeiras e colheitadeiras aceleraram o processo de preparação do campo, do o plantio e depois a colheita, ampliando significativamente a produção de alimentos.

Pois o mesmo campo agora passa por uma segunda onda de automação: as semeadeiras e colheitadeiras guiadas por computadores e satélite são mais precisas e mais rápidas que qualquer ser humano.

E, com a inteligência artificial (IA) e a visão computacional, a automação vai avançar sobre trabalhos nunca antes pensados. Já se imaginou, de verdade, você dentro de um carro sem motorista? Ou, se você for um advogado, ter um auxiliar computacional para avaliar suas estratégias de defesa em processos legais?

Bem, daí vem a percepção de que tecnologias podem destruir trabalhos. Porém nem essa percepção é nova. Ela já se aprimorou, inclusive. Graças a J. Schumpeter, já sabemo que há um processo de “destruição”, de fato, mas ele dá inicio a outro de “criação” e fortalecimento da economia, ao qual deu o nome de destruição criativa. A novidade, esta sim, é que, com as tecnologias digitais,esse processo se acelerou. Muito.

A questão central, agora, é como, e se, as políticas públicas existentes podem proteger o trabalhador sem deixar de incentiar a inovação e fortalecer a economia.

Imagine a insegurança de quem está se preparando para entrar no mercado de trabalho, como os estudantes em geral. Ou de quem está vendo seu trabalho ser substituído. Será que a resposta está em saber programar?

(Afinal, a ciência da computação persegue, segundo u Pedro Domingos no “The Master Algorithm”, uma inteligência artificial única, assim parecida com a nossa. Assim, no futuro, ou programamos ou seremos programados e mesmo os programadores serão redundantes em determinado momento.)

Este artigo é para fazer considerações sobre isso.

Onde está a resposta

Tenho algumas respostas a oferecer:

1. Sim, andamos a passos largos em inteligência artificial: reconhecimento facial e carros autônomos são ambos praticamente uma realidade no nosso dia-a-dia. E tem muito mais acontecendo (pesquise um pouco na rede sobre GPT-3).

2. Mas, calma! Isso ocorre em IA com um foco estreito. Estamos bem longe do cenário de Pedro Domingos, dessa inteligência master, única.

3. Não é programar que vai fazer diferença para você no futuro. Porém existe, sim, uma habilidade que é capaz de tornar todo profissional mais resiliente a tantas mudanças. Já ouviu falar de design? Segura o fôlego.

4. Não podemos prescindir da automação, esquece. O aumento de produtividade em diversas atividades torna o resultado destas atividades mais acessíveis a muito mais pessoas (como a mecanização do campo tornou alimentos mais abundantes). E em algumas situações, como a da Waymo, significa entregar para máquinas uma atividade em que as máquinas sejam melhores que nós – às vezes, para a nossa própria segurança (o motorista cibernético além de processar muito mais eventos por segundo, não bebe, nem se cansa).

5. Mas, nós, humanos, não vivemos apenas de otimização e padronização, que é o que a automação faz. A vida é bem mais complexa (e bem mais divertida). Talvez porque frequentemente nos deparemos com novos problemas. Alguns tão complexos que nem entendemos direito o problema que tem ali (leia sobre “wicked problems” neste artigo.

6. Para novos problemas, novos aprendizados. Mas novos aprendizados não se baseiam apenas em padrões de respostas a problemas passados. Ao desempenhar qualquer trabalho, em qualquer profissão, parte do que fazemos é mistério, parte é heurística e parte é algoritmo. Durante a fase de mistério não sabemos em absoluto se o que fazemos dará certo (lembra da confusão, da quantidade de informações desencontradas sobre medicamentos e uso de máscaras no início da pandemia?). Na fase de heurística, o que fazemos às vezes dá certo (uso de máscara e isolamento social, será?), mas não estamos tão certos sobre os motivos que levam a dar certo ou nem sempre o que fazemos funciona. Já na fase de algoritmo, repetimos as coisas exatamente como fizemos de outras vezes, porque aprendemos e codificamos (em processos, protocolos ou algoritmos computacionais) a resolução do problema.

É aqui, nas diferenças de fases, que moram as oportunidades – tanto de aumento de produtividade com automação, como de aplicação de capacidades humanas.

Mistério, heurística, algoritmo

O tempo que dedicamos ao mistério, à heurística e ao algoritmo, varia de profissão para profissão. Se extrapolarmos para empresas, claro, as mais jovens (startups) estão entre o mistério e a heurística e as maduras, otimizando seus algoritmos.

Pense novamente sobre a pessoa da cancela do estacionamento, o entregador de carta circular que tem um roteiro fixo e um conjunto mínimo de decisões a tomar, um médico avaliando a melhor abordagem para tratar um câncer e um vendedor, qual deles e em que grau será primeiro impactado por uma automação proveniente de uma IA?

Quanto mais perto estivermos do mistério e da heurística, mais difícil de sofrermos com a automação.

Isso não significa que queremos viver na obscuridade para evitarmos a redundância. Ao contrário! Como humanos, dominamos o fogo, inventamos a roda, aprendemos a plantar e colher, e fizemos tudo isso para tornar a nossa vida mais previsível. Mas também não vivemos apenas de otimização. Mesmo falando de negócios, a fase de otimização é sempre uma corrida de iguais, uma corrida que o fim é claro para todos os participantes: uma disputa por menor preço na venda de comodities.

Mas não estaríamos onde estamos se não tivéssemos resolvido dominar alguns mistérios. Avançar do mistério ao algoritmo é avançar no conhecimento, é quando inovamos e nos diferenciamos, como pessoas ou organizações. Avançar do mistério ao algoritmo, nenhum computador consegue fazer. Nem de perto ainda. O tal do algoritmo único, de que Pedro Domingos fala, está muito longe de existir em silício.

E o design?

Pois é. É aqui onde entra o design! Muitas vezes erroneamente associado apenas à atividade de ilustração, ou ao desenho industrial, desde a década de 1990, o design tem um papel fundamental no avanço do conhecimento no trabalho e nos negócios.

Mais ainda, na mudança do mundo em que vivemos. O profissional de design é quem propõe nas organizações, com observações e pensamentos abdutivos as heurísticas, que nos livram dos mistérios e tornam profissões e negócios rentáveis e um dia nos levam a algoritmos. Estes são os que otimizam processos (e parte de outras profissões), e nos conduzem a um mundo melhor.

Faço minhas as palavras de John Maeda: “I am encouraged by the potential that artists and designers have to make real changes in the world. Artists and designers have a powerful role in this expansive universe—to take all of the complexity and make sense of it on a human scale.” E ele completou: “In a digital economy, a digital vision is the business vision.”

Não é à toa que grandes consultorias tem adquirido estúdios de design e que o design vem conquistando cada vez mais espaço nas maiores e melhores empresas. Você achou que era coincidência?

Que tal então, perder o medo da automação e começar a estudar design?”

Eduardo Peixoto
Eduardo Peixoto é CEO do CESAR Centro de Inovação e professor da CESAR School. Mestre em comunicação de dados pela Technical University of Eindhoven-Holanda, com MBA na Kellogg School of Management e na Columbia Business School, atua há 30 anos na área de tecnologias da informação e comunicação (TICs). Trabalhou como executivo no exterior, na Philips da Holanda e na Ascom Business System AG (Suíça).

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