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Por que sua empresa não consegue se adaptar? Cinco razões

Pergunta-chave nos últimos tempos, e ainda mais crucial na pandemia, já tem uma resposta clara. E não é falta de recursos, nem falta de acesso à tecnologia – essas justificativas não são mais aceitáveis

Eduardo Peixoto
29 de julho de 2024
Por que sua empresa não consegue se adaptar? Cinco razões
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Participo com frequência de webinars sobre transformação digital com diferentes tipos de empresas de diversos setores. Nos eventos, tem uma pergunta recorrente que me fazem e quase que virou obrigatória na pandemia: “por que algumas empresas conseguem se adaptar e outras não?”

Se a transformação digital vinha causando rebuliço em vários mercados, a pandemia colocou todos em terreno arenoso. De acordo com uma pesquisa da Innosight (recente, mas anterior à pandemia), 69% das empresas estão lidando com rupturas e 44% são muito vulneráveis à ruptura, mas apenas 3% delas conseguem fazer progresso significativo na direção de se readaptar a uma mudança radical nas bases da competição (em pesquisa realizada pelo CESAR com mais de 1000 empresas no Brasil, cerca de 55,57% dos respondentes acreditam que não precisarão se transformar digitalmente ou ainda não tem ações em curso para iniciar o processo de transformação).

Pergunta dos US$ 500 milhões… por que será?

Negligência e arrogância, talvez. Falta de recursos ou acesso à novas tecnologias normalmente não é o caso. Prefiro a resposta de consultor a perguntas difíceis: não tenho as certezas, mas tenho pistas. Acredito que a raiz do problema não é única: como quando um avião cai, o problema deve ser encarado sob diferentes perspectivas.

Vou oferecer nos parágrafos que seguem cinco possíveis razões. E comparar o que duas grandes empresas fizeram em momentos que passavam por ruptura: a Apple se moveu do mercado de computadores para telefonia, música e uma miríade de soluções e saiu do outro lado; e a Kodak, que a apesar de dominar cerca de 40% do mercado de películas para fotografia, sucumbiu à digitalização das imagens. Peço desculpas por utilizar exemplos já tão conhecidos, mas é que eles são extremamente didáticos e excelentes para uma reflexão. Mas, se você pensar bem, há inúmeros casos semelhantes, provavelmente um bem perto de você. Vamos lá:

1. Uma identidade inflexível

Theodore Levitt, economista e professor de Harvard, foi o primeiro a oferecer uma boa explicação para a inação das empresas frente às mudanças. No artigo Miopia do Marketing, publicado em 1960, Levitt fala da visão estreita de algumas empresas sobre o mercado em que atuam.

Ele começa usando as companhias ferroviárias nos EUA como exemplo. Diz que elas perderam importância não porque a necessidade por transporte deixou de existir – mas porque os empresários não se entendiam no negócio de transporte, se entendiam no negócio de ferrovias.

Rebobinando o tempo para a frente e trazendo para os tempos mais atuais, podemos afirmar que Apple conseguiu se posicionar (e transformar) o mercado da música com o lançamento do iPod, do iTunes e da fragmentação do LP/CD (inaugurou a venda unitária de música). Não deixou o mercado de computadores, mas os novos produtos foram totalmente integrados a ele. A atuação da Apple (e dos computadores) foi ampliada com a sua entrada no setor de música.

A Kodak praticamente criou o mercado de fotografia (para não profissionais): com o lançamento da Brownie, rompeu o mercado profissional de fotografia (impressa) em vidro. Mas o estrondoso sucesso que obteve com a fotografia de película talvez não tenha permitido que ela se visse fora da indústria da fotografia.

2. Incapacidade de alterar o modelo de negócios

Em The Digital Transformation Playbook, D. Rogers sugere que a ruptura ocorre na colisão de modelos de negócios assimétricos. Ou seja, empresas estabelecidas são deslocadas de um mercado apenas quando o competidor oferece uma proposta de valor (benefícios percebidos no produto ou serviço) superior através de uma rede de valor (recurso, atividade, canal, modelo de receita etc) difícil de ser copiada.

A Apple atuava no mercado desenhando, produzindo e comercializando computadores e acessórios. Ao ingressar no mercado de música com o iTunes e, mais tarde, ao tornar o iPhone uma plataforma com a App Store, a Apple conseguiu mudar seu modelo de negócios para o guardião e orquestrador de uma plataforma poderosa e muito lucrativa.

A Kodak até os últimos dias continuou vendendo películas para fotografias.

3. Foco excessivo no produto

A máxima dos engenheiros do século 20, e de muitos ainda neste século, é que um bom produto, com uma boa tecnologia, é suficiente para atrair e reter clientes. A história está cheia de exemplos de que a coisa não é bem assim…

Para não entrar em discussões mais recentes, vou dar apenas o exemplo da competição do VHS (Toshiba) x BetaMax (Sony). Para os mais novinhos, esta competição ocorreu na década de 90, no início da popularização dos videocassetes. A vitória ficou com o VHS, quando a BetaMax indiscutivelmente tinha qualidade superior.

E quanto as nossas empresas, o que fizeram? A Apple tem um zelo insano pela qualidade do que produz, mas também nunca descuidou da experiência do seu cliente. Criou lojas próprias e investiu pesadamente na experiência do cliente. Para quem já visitou uma loja ou precisou de assistência técnica da marca, não há mais o que falar: a experiência é desenhada para que os consumidores sintam-se queridos e prestigiados.

A Kodak sempre pensou que uma qualidade fotográfica superior manteria seus clientes. E quem fotografou com 35mm sabe disso. As cores reveladas por um Kodacolor Gold eram incomparáveis (a Fuji que me perdoe). Mas com a internet e a fotografia digital, toda a experiência mudou. A comodidade de ver o resultado instantaneamente associado a facilidade de compartilhamento oferecido pela fotografia digital permitiram uma outra experiência ao consumidor, difícil de ser imitada com a fotografia analógica.

> “”Electronic cameras are not feasible because people like colour prints and digital technology does not deliver high quality set of prints as yet.””> Colby Chandler, Presidente da Kodak de 1983 a 1990

Neste aspecto, a história da ruptura da Kodak não difere de tantas outras e casa com as observações de C. Christensen: a ruptura começa com produtos não tão bons para clientes não tão exigentes.

4. Foco excessivo no cliente atual

A ruptura pode iniciar com clientes fugindo para um novo produto ou serviço (movimento de dentro para fora) ou com os (chamados) não clientes, aqueles que não tinham acesso ao produto ou serviço na forma como apresentada.

A Kodak foi capturada por seu principal cliente e não percebeu que, com a mudança na experiência, havia um novo cliente. Do lançamento da Brownie ao surgimento da internet, o principal consumidor da Kodak eram as mulheres. Mas quando as câmeras digitais surgiram, os homens se tornaram os principais clientes da fotografia.

A Apple foi capaz de entender que o iPhone não apenas servia aos usuários atuais de celulares, mas a uma nova indústria, que iria popularizar a computação para além dos computadores pessoais, estava sendo inaugurada: além de deslocar a computação da mesa para a palma da mão, o smartphone para muitos foi e é o primeiro computador.

5. Falta de compromisso dos executivos com o longo prazo

As empresas maduras operam em modo de exploração. A experimentação que permite a readaptação e descoberta de novas oportunidades raramente encontra lugar nos espaços corporativos. Mais ainda, é um modo de operação conflitante com a remuneração dos executivos, que normalmente são atreladas a resultados de curto prazo. E com o agravante que a experimentação no primeiro momento acrescenta risco (no mínimo a imagem da companhia e a carreira do executivo).

A Apple estava quase falida quando Steve Jobs retornou. Fundador e CEO numa mesma pessoa torna o alinhamento de interesses entre agentes mais fácil. Ele optou por um salário de US$ 1/ano (de 1997 a 2011), de forma a permitir que (e para demonstrar compromisso com longo prazo) o salário justo de milhões a que teria direito pudesse ser investido na organização. Não conheço esforço similar dos executivos da Kodak… No geral, empresas maduras que ocupam largas fatias de mercado pagam generosos pacotes de remuneração a seus nem tão ousados executivos.

A necessidade de se adaptar muito raramente ocorre com a rapidez exigida por algum evento como o da pandemia. A máxima de Lênin “”Há décadas em que nada acontece e semanas em que décadas acontecem”” raramente ocorre. A adaptação em geral é contínua e lenta! Na maioria das vezes, as empresas têm muito tempo para realizar mudanças – do surgimento da câmera digital ao fim da Kodak passaram-se quase 30 anos. Por que não fazem?

A lista de razões que discutimos na verdade pode ter bem mais que cinco itens (tenho certeza de que você vai pensar em mais alguns). Mas o que nos dias atuais não pode ser listado (e popularmente aparecem como os culpados) é a falta de recursos ou falta de acesso à tecnologia. Ambos hoje existem com relativa abundância. E neste exato momento, a pandemia tornou o incerto certo! Provocou um turbilhão de mudanças. Então, é mais que tempo para as organizações olharem mais a fundo, para entenderem o que as impede de se adaptar. E se adaptarem!”

Eduardo Peixoto
Eduardo Peixoto é CEO do CESAR Centro de Inovação e professor da CESAR School. Mestre em comunicação de dados pela Technical University of Eindhoven-Holanda, com MBA na Kellogg School of Management e na Columbia Business School, atua há 30 anos na área de tecnologias da informação e comunicação (TICs). Trabalhou como executivo no exterior, na Philips da Holanda e na Ascom Business System AG (Suíça).

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