Em uma feira, há um violino de US$ 1 milhão à venda por US$ 50. O que você faz? Uma reflexão sob medida para o Brasil atual
Deve haver um imperativo – moral ou não – para considerar o que é justo na hora de fazer uma transação comercial?
Pense nessa situação – chamemos de Caso A. Você vai a um evento do tipo família-vende-tudo e há um violino exposto. A etiqueta diz US$ 50. Imaginemos que você realmente saiba um pouco sobre violinos, e saiba que esse violino especificamente, se fosse leiloado, valeria cerca de US$ 1 milhão.
Você diria aos atuais vendedores que estão cometendo um grande erro vendendo-o a US$ 50? Ou você simplesmente compraria o violino e se beneficiaria com uma revenda lucrativa?
Em nossos anos lecionando executivos e estudantes de administração, escutamos respostas dos dois lados. Alguns afirmam que o preço reflete o valor ao vendedor, que os compradores muitas vezes têm informações adicionais e que é perfeitamente ético lucrar com essa assimetria de informação. Alguns dizem que se a feira fosse na casa de um amigo, seria errado lucrar às custas da pessoa – que negócios têm a ver com relações, e uma boa relação requer não se aproveitar do outro. Outros afirmam que comprariam o violino, mas se sentiriam culpados por se aproveitarem do vendedor, enquanto outros dizem que a culpa sobre tal transação os impediria de comprar o violino por um preço tão baixo.
Agora pense em outra situação. Chamaremos de Caso B. Nesse caso, a transação é em uma loja de instrumentos musicais. Dessa vez você não sabe nada sobre violinos, mas quer comprar um para aprender a tocar. O dono da loja traz a você um pelo preço de US$ 500 e diz: “Esse aqui é ideal para você”. Você não sabe, mas esse violino é de segunda mão e não vale nem perto de US$ 500. Você compra o violino.
O dono da loja fez algo de errado?
Mais uma vez, escutamos muitos argumentos conflitantes sobre esse caso. Alguns dizem que é um caso de _caveat emptor,_ ou deixar o comprador alerta – essa a marca, dizem, tanto do capitalismo como do sistema legal. Outros afirmam que o dono da loja está cometendo fraude colocando um preço mais alto no violino. Há ainda os que argumentam que o preço pago reflete o valor esperado pelo comprador. O comprador no Caso B está na mesma posição que os vendedores no Caso A: nos dois exemplos há uma assimetria de informações.
Com mais compradores e mais vendedores, tal assimetria pode ser minimizada ao longo do tempo. Compradores e vendedores se tornam mais sagazes a respeito do mercado, e outros começam a fornecer informações faltantes a participantes do mercado. Alguns até avançam e mudam a forma como um produto específico é oferecido, com mais opções e faixas de preço.
Entretanto, antes que os mercados possam resolver todas essas questões, o que será feito nessas transações específicas? Embora seja bom saber que os mercados vão resolver isso no longo prazo, ao menos na média das situações, nós vivemos nossas vidas aqui e agora – não no longo prazo, não na média.
A falácia da separação
Os casos A e B são exemplos do que especialistas em ética empresarial chamam de “falácia da separação”. Essa é a tendência em uma teoria comercial – e em uma teoria de ética comercial – separar o caso comercial do caso ético. No Caso A, o caso comercial diz: “Compre o violino por US$ 50”. No Caso B, o caso comercial diz: “Venda o violino pelo valor que o cliente puder pagar”. Tanto no caso A quanto no B, o caso ético diz: “Não se aproveite dos outros”.
Na realidade, porém, muitas pessoas querem saber como integrar o caso comercial e o caso ético.
Por quê? Porque as decisões tomadas nesses tipos de transações não têm apenas resultados financeiros – elas têm resultados sociais e psicológicos também. Certamente há uma visão comercial proeminente segundo a qual a única regra é tentar maximizar o próprio interesse de alguém. Entretanto, isso define o interesse próprio muito limitadamente, considerando apenas as consequências que cabem exclusivamente ao indivíduo e que podem ser medidas em valor financeiro.
Adam Smith, filósofo e economista, teve uma visão de interesse próprio bem diferente. Smith entendeu, mesmo no século 18, que somos seres sociais em essência. Na verdade, a frase de abertura de seu “Teoria dos Sentimentos Morais” de 1759, diz o seguinte:
_“Por mais egoísta que se possa admitir que o homem seja, existem evidentemente alguns princípios em sua natureza que o levam a se interessar pela sorte de outros e tornam a felicidade destes necessária para ele – apesar de não ganhar nada com isso, a não ser o prazer de vê-la.”_
A divisão que muitas pessoas fazem entre o caso comercial e o caso ético de uma transação não deve ser uma obviedade nos negócios. Integrar essas questões, porém, exigirá repensar as ideias mais básicas tanto comerciais quanto éticas.
A visão relacional dos negócios
Enxergar a si mesmo em relação aos outros tem raízes evolucionárias. Michael Tomasello (Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology, Leipzig, Alemanha) e Amrisha Vaish (University of Virginia) afirmaram que os seres humanos se tornaram “ultra-sociais” pela maneira como caçavam, trabalhando juntos para encontrar grandes animais há 400 mil anos. Unindo-se, seres humanos aumentaram suas chances de sobrevivência. Mas a colaboração para coletar comida era apenas o começo. Trabalhar juntos permitiu que os seres humanos se enxergassem em relação aos outros como parte de um grupo. Tomasello e Vaish chamam isso de intencionalidade coletiva – a ideia de que duas mentes estão prestando atenção à mesma coisa e trabalhando em prol dos mesmos objetivos. A intencionalidade coletiva também é uma base para moralidade, negócios e capitalismo.
Mais empresas hoje estão tendo conversas sobre ética e adotando o ponto de vista de Smith, rejeitando a visão estreita e transacional dos negócios a favor de uma abordagem mais orientada para as relações. Empresas como Unilever, The Container Store e Salesforce agiram de forma a mostrar uma intenção de ver empresas como um conjunto de relações que estão interconectadas ao longo do tempo e sobre todos os stakeholders que serão afetados pelas empresas ou que podem impactar a si mesmos. Essa abordagem diz que se você é um comprador, você trata vendedores como se fosse fazer negócios com eles por um longo período. Se você é vendedor, você trata o cliente como um comprador duradouro do qual não deve tirar vantagem em uma transação específica.
Relações exigem investimento e trabalho. Relações comerciais são semelhantes às relações familiares, casamentos e colaborações entre professores e alunos. Nenhuma dessas conexões é redutível a um conjunto de transações, porque as relações nos moldam tanto quanto nós as moldamos. É claro que o interesse próprio tem seu papel, mas a nossa habilidade de se importar com os outros, também. Nós podemos fazer coisas simultaneamente altruístas e egoístas. Os seres humanos são complicados e têm múltiplas motivações, na vida e nos negócios.
Voltemos aos casos que levantamos no começo desse artigo. Nas duas situações do violino, poderíamos criar soluções em que as duas partes poderiam se sair melhor. No Caso A, o comprador poderia agir como um agente para os vendedores, que claramente não sabem muito sobre violinos. No Caso B, o vendedor poderia decidir trabalhar com o cliente ao longo do tempo, vendendo um violino barato inicialmente, mas também indicando aulas ao cliente e, por fim, um violino mais caro, mas que valesse a pena.
O capitalismo é o maior sistema de cooperação social que nós já inventamos. Tem a ver com a maneira como nós geramos valor para os outros e fazemos trocas com eles. A competição e o interesse próprio desempenham um papel nisso, sim, mas a colaboração também. Ver empresas como um conjunto de relações que existem por um longo período é um dos elementos mais importantes a considerar na hora de construir uma empresa bem-sucedida. Embora seja tentador pegar atalhos para beneficiarmos apenas a nós mesmos, ao fazer isso nós arriscamos destruir o sistema de cooperação que nos torna distintamente humanos. CRÉDITO DA FOTO: Shutterstock.