Há um risco razoável de os principais gestores de inovação das empresas acabem conversando sozinhos. Mas, se eles incorporarem as sete responsabilidades aqui descritas, isso fica mais improvável
“No início do ano, pouco antes da pandemia, recebi o telefonema de um executivo de empresa cliente para marcarmos um café. Sim, antes do isolamento, as pessoas combinavam de se encontrar para conversas com pauta indefinida. Na verdade, o objetivo dele estava muito claro, havia recém assumido o papel de Head de Inovação de uma multinacional, e queria entender quais as principais responsabilidades dessa posição em uma grande empresa.
No Brasil, mais de 21 mil pessoas se definem como Head de inovação no Linkedin. Naturalmente existe diferença de tamanho de empresa, estatura e papel entre cada um desses profissionais. Alguns são membros da diretoria e outros são gerentes. Há quem tenha um foco especifico em inovação aberta ou novos negócios e os que são mais generalistas. As próprias estruturas de inovação se diferenciam entre aquelas que efetivamente executam as inovações e as que são articuladoras de inovações feitas pelas unidades de negócio.
A cada dia que passa, mais profissionais se aventuram nessa jornada. Ao conversar com pessoas que assumem posições de liderança de inovação no ambiente corporativo tento compartilhar do entusiasmo pela conquista e dar um duro senso de realidade para que evitem as armadilhas que muitas vezes já vivenciamos. Primeiro os parabenizo pela nova oportunidade pois tende a ser uma jornada de aprendizados e desafios incríveis. Em seguida, faço um alerta. Se não houver fino alinhamento sobre quais os resultados esperados e responsabilidades, o profissional será demitido em menos de 12 meses.
Ao longo dos últimos 15 anos, ajudei uma centena de heads de inovação. Essa experiência, aliada ao que há de melhor disponível em teoria sobre o tema, me permitiu sintetizar as sete principais responsabilidades dos heads de inovação:
1.Oxigenar a organização com as tendências tecnológicas e de mercado: O cenário de transformação e ruptura constante exige que as organizações se mantenham alertas e responsivas para o que acontece em seu ecossistema. Não é aceitável ser pego de surpresa. Os sinais de disrupção são difusos mas lentos. A XP demorou quase vinte anos para disruptar o mercado de serviços financeiros. As organizações devem dedicar especial atenção a capturar e significar sinais emergentes de mudança de paradigma tecnológico, comportamento dos clientes e surgimento de novas oportunidades. Colocar o cliente no centro e as novas tecnologias ao redor é papel do Head que também deve saber o timming e a forma de mobilizar a empresa sobre aquilo que acontece lá fora.
2.Alinhar a estratégia de inovação com a estratégia de negócios: A inovação é um meio para atingir objetivos de negócio. É responsabilidade do head de inovação entender a estratégia corporativa da organização, pactuar com a diretoria e conselho de administração qual o papel da inovação, os tipos de inovação priorizados, o nível de risco a ser assumido, o modelo de inovação a ser adotado e os recursos necessários. E, principalmente, dado que os objetivos mudam, a estratégia de inovação precisa se transformar junto e fazer o ajuste fino desse direcionamento ao longo do tempo para não perder conexão com a estratégia corporativa.
3.Identificar os intraempreendedores para os projetos de inovação: Inovação é sobre pessoas que transformam ideias em resultados. Em todas organizações existem profissionais com maior predisposição para o papel de intraempreendedor, fazendo pelas empresas estabelecidas o que os founders fazem pelas startups. Eric Favre criou a Nespresso trabalhando na área de embalagens da Nestlé. As empresas estão acostumadas a identificar tendências e selecionar projetos, mas pecam na identificação e alocação dos melhores profissionais para as melhores oportunidades. É papel do Head conhecer as pessoas, selecionar as mais adequadas para cada projeto e negociar internamente sua alocação. Ninguém faz nada incrível no tempo que sobra.
4.Gerenciar o portifólio de inovação do front-end para o project management: Há várias formas de gerar projetos dependendo da estratégia e modelo de inovação selecionados. O Head tem a responsabilidade de alimentar o pipeline de inovação, preenchendo os territórios priorizados e buscando as melhores formas de transformar essas ideias em projetos e impacto. O Head deve fazer o balanceamento entre aquilo que é nice to have e o que o portifólio realmente precisa. Trabalhamos com um Head de Inovação de uma farmacêutica que dominava conduzir sessões de brainstorming. O problema é que a empresa estava cheia de novas ideias. Não adianta ficar fazendo ideação para alimentar um pipeline já abarrotado de ideias que encontram-se paradas por falta de recursos para executa-las.
5.Desenvolver as capacidades para sustentar a cultura de inovação: A cultura de inovação é o conjunto de comportamentos que suportam a colaboração, orientação para o cliente, experimentação, tomada de risco e agilidade. O florescimento dessa cultura depende da existência de recursos financeiros, apoio das lideranças, incentivos, processos, governança e pessoas. A cultura de inovação não acontece por determinação, ao contrário, exige ação orquestrada. O Head tem que articular com RH, financeiro, planejamento, marketing, produção e demais áreas relacionadas para criação de práticas de gestão que criem alavancadores dos comportamentos esperados e inibição dos habituais bloqueadores existentes.
6.Disseminar o mindset, métodos e ferramentas para inovar: A inovação não é um traço inato. É possível capacitar profissionais para que apliquem metodologias específicas para terem melhores resultados. As técnicas de design thinking, lean startup, métodos ágeis e outros frameworks são ferramentas a serem incorporadas por aqueles que querem inovar como foram o 5s, 6-Sigma e lean no movimento da qualidade total nos anos 80. O Head de inovação tem a responsabilidade de trabalhar com o RH no entendimento de quem deve receber qual intensidade de capacitação, sobre qual conteúdo e quando. Afinal, também é inútil sair treinando todo mundo só porque agora é legal colocar no Linkedin uma certificação de métodos ágeis mesmo que nunca vá utilizar.
7.Medir disciplinadamente os resultados dos projetos de inovação: Inovação é impacto, no entanto, algumas das inovações demoram tempo para maturar. Outras inovações requerem criteriosa análise para medir seus resultados diretos e indiretos nem sempre evidentes. O head tem o papel de medir o impacto gerado pelos projetos de inovação e dimensionar a contribuição que a inovação está trazendo para o negócio de acordo com a estratégia de inovação estabelecida. É oportuno definir um innovation scorecard para medir entrada e saída, tendência e resultado. Não se esqueça que as organizações, até as mais pacientes, em algum momento são habituadas a falar em custo, receita e lucratividade.
A pandemia acelerou o entendimento da defasagem competitiva em uma série de indústrias e empresas céticas com as novas tecnologias e soluções digitais. Por outro lado, reforçou a crença da inovação naqueles que já trilhavam esse caminho. Nesse contexto é natural o fortalecimento da posição de head de inovação, mesmo que isso não sugira uma área específica dedicada ao tema. Cada estratégia demanda um modelo de inovação apropriado.
O crescimento de posições relacionadas a gestão da inovação corporativa demanda o entendimento de quais são as principais responsabilidades de quem assume esse papel para que os profissionais da equipe possam ser adequadamente avaliados, cobrados e recompensados.
Além disso, oxigenar a organização, alinhar a estratégia e buscar os intraempreendedores necessários para fazer o portfólio de projetos acontecer, tudo isso num contexto favorável e com pessoas capacitadas, são as principais responsabilidades do head, coisas que lhe darão condições de gerar e medir resultados de sua contribuição. Ou ele vai acabar conversando sozinho.””