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O lugar da concorrência no capitalismo consciente

Através de alguns cases, entenda como a ideia e a prática de cultivar a concorrência é relevante para a sustentabilidade do capitalismo consciente

Thomas Eckschmidt
30 de julho de 2024
O lugar da concorrência no capitalismo consciente
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“Quando falamos de capitalismo consciente, sempre tocamos em quatro fundamentos: (1) propósito evolutivo; (2) interdependência dos stakeholders; (3) cultura responsável; (4) liderança de servir.

No entanto, devemos nos perguntar qual é o lugar da concorrência no capitalismo consciente? A concorrência entra em todos os fundamentos. Quando o propósito de uma organização é claro, um concorrente contribui para dar força ao propósito, pois contribui na jornada da empresa e mostra oportunidades na sua forma de atuar, que muitas vezes parece ser inconsciente.

Outro exemplo é reconhecer que a interdependência dos stakeholders é uma forma concorrência, e que essa concorrência faz parte do sistema. Do contrário, estaríamos diante de um monopólio, ou seja, a tirania de uma única opção. E quando um monopólio é bom? Você conhece um monopólio bom? Quando se fala de monopólios, o jogo do mercado e de stakeholders não é saudável.

Cultura responsável é outra área de relevância, pois a forma com que tratamos nossos concorrentes estabelece um padrão comportamental para ser seguido interna e externamente. Esse tratamento diz quem você realmente é. Se você trabalha para aniquilar a concorrência, derrubar, destruir, o que isso diz sobre a sua forma de atuar? Será que não tem mais gente fazendo o mesmo dentro de sua organização com os concorrentes internos?

Por fim, a liderança vai ditar a forma de operar. Quando a liderança quer derrubar a concorrência, ela dá o exemplo de como devemos operar para subir na organização, aí se confirma que o propósito é mais do mesmo. Ou seja, não interessa criar um ecossistema consciente, importa apenas extrair o máximo do sistema para o ego da liderança.

Assim, pergunto: o que você tem apoiado? O que você tem promovido através da filantropia, bem como com suas decisões de compras e com a sua atenção? Essa energia determina o futuro que você está criando ou ajudando a criar. Entender como uma organização trata cada um de seus stakeholders, inclusive a concorrência, diz muito do nível de consciência que a empresa tem.

Trader Joe’s versus Whole Foods

Para dar um exemplo de como organizações conscientes lidam com a concorrência, vou voltar ao meu primeiro Conscious Capitalism CEO Summit em 2010. Único brasileiro na sala com 80 CEOs extraordinários, como John Mackey, Howard Schultz, Dough Rauch e outros.

Naquela conferência, Doug Rauch, que na época era CEO da rede de varejo Trader Joe’s, afirmou categoricamente, diante de todos os presidentes presentes, que o Whole Foods, seu maior concorrente, os fazia melhor. No mesmo evento, John Mackey, CEO e cofundador do Whole Foods, e fundador do movimento capitalismo consciente internacional, compartilhou a mesma afirmação: “O Trader Joe’s nos faz melhor!”

O seu concorrente te faz melhor, ótimo. Você trabalha para derrubar seu concorrente, você tem um problema de qualidade, de falta de propósito e de rumo. Além disso, você não tem uma referência interna, tem uma necessidade de poder, tirania, e realmente não se preocupa com ninguém exceto você. Em suma, uma liderança egocêntrica que não serve mais para melhorar o mundo. Talvez tenha um pouco de Donald Trump dentro de você – já parou para pensar nisso?

Mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão reconhecer a sua verdadeira essência. Você pode enganar pouca gente por muito tempo, ou muita gente por pouco tempo. No entanto, você não consegue enganar muita gente por muito tempo.

O exemplo do Whole Foods e Trader Joe’s – e de seus líderes – não é algo exclusivo de um país desenvolvido. Nenhum deles nunca deixou de crescer pela presença de seu concorrente. Muito pelo contrário. Eles entendem que jogam um jogo infinito, sem linha de chegada. Não precisam destruir o outro para avançar seus propósitos. Os seus propósitos avançam a humanidade para um lugar melhor.

Quando a Jacto apoiou uma concorrente

No Brasil, diz a lenda que o presidente da Jacto teve uma situação interessante. A Jacto havia conseguido retirar da alfândega um container de matéria-prima antes de o porto entrar em greve, fazendo com que um concorrente ficasse sem produto para entregar ao cliente. As equipes de vendas da Jacto celebraram, pois massacrariam o concorrente entre três e seis meses, já que o concorrente não teria como entregar pedidos aos seus clientes.

O presidente da Jacto, diante dessa situação, ligou para o presidente da concorrente e ofereceu a metade de sua matéria-prima para que o concorrente não perdesse seus clientes. Primeiro, o concorrente não acreditou, pensou que pudesse ser uma “pegadinha”. Mas não, pois o envio da matéria-prima contava com uma especificação: “emprestamos 10 toneladas, quando você retirar a sua matéria-prima do porto, você nos devolve as mesmas 10 toneladas”.

As equipes internas da Jacto não entenderam, mas a decisão reflete a posição de um líder que entende o propósito a que serve, reconhece a necessidade de um ecossistema de negócios forte e o benefício de um concorrente, que nos faz melhor na busca por viver nosso propósito. No entanto, a exemplo da Jacto, esse tipo de ação só acontece quando o líder serve a um propósito superior.

Retrato visionário de Elon Musk

Outra história de grande impacto foi Elon Musk que compartilhou patentes de carros elétricos com todos, inclusive concorrentes. Ele entende que a mudança precisa acontecer mais rapidamente. Se somente a Tesla estivesse produzindo carros elétricos, a mudança no mercado não ocorreria de maneira rápida. Com isso, Elon Musk pensou nas próximas oportunidades: produzir energia elétrica de forma descentralizada. Vale lembrar que a Tesla não perdeu valor e participação de mercado por causa da iniciativa do seu CEO.

Esses comportamentos, e a aplicação dessa filosofia de quatro fundamentos, permitem que as organizações alcancem resultados extraordinários do ponto de vista financeiro, social, moral, de conhecimento, tecnologia e até mesmo emocional e espiritual, entre outras dimensões.

No longo prazo (15 a 20 anos), praticando essa filosofia, as organizações são capazes de alcançar resultados financeiros até sete vezes maior que a média de mercado. Assim, pergunte para você mesmo, o que você apoia com sua filantropia der mercado, nas decisões de compra e de relacionamento com os concorrentes. A resposta vai dizer quem você é como líder, e como cidadão.

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Thomas Eckschmidt
Cofundador e ex-diretor geral do movimento do capitalismo consciente no Brasil, Thomas Eckschmidt é autor de _Conscious Capitalism Field Guide_ e outros livros práticos para implementar os fundamentos de um capitalismo mais consciente. É ainda cofundador e CEO da Conscious Business Journey, uma rede de consultores com o propósito de acelerar a transformação para um ecossistema de negócios conscientes e atua como conselheiro em diversas empresas.Em seu site www.CBActivator.cc, Thomas disponibiliza um e-book sobre como ativar a consciência da sua organização. Ele encabeça o podcast Capitalista.Consciente, encontrado nos principais tocadores.

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