Na primeira parte desta nova série, analiso o que os filósofos existencialistas, a partir da obra de Paul Randolph, nos ensinam sobre resolução de conflitos
“Este artigo tem duas partes. Hoje vou lidar com um escritor que fez uma contribuição importante a partir de um ângulo bem pouco usual. Elaine Palmer, minha colega do curso de mediação, recentemente me apresentou aos escritos de Paul Randolph, advogado e mediador inglês que nos deixou prematuramente em janeiro de 2019. Na ênfase que dou em lidar nesta coluna com temas mal resolvidos e autores subapreciados, trata-se de contribuição pouco divulgada além da comunidade de resolução alternativa de conflitos.
Paul Randolph buscou em fonte bem pouco convencional a inspiração para sua metodologia de resolução de conflitos: os filósofos existencialistas Kierkegaard, Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty e Sartre. Aqueles entre nós que já tentaram entender estes senhores esbarraram com seu legado hermético. Pois Paul Randolph nos convida a suspender o preconceito e lidar com o existencialismo, não como filosofia, mas como modelo de pensamento e ação.
Antes de nos aprofundarmos no tema, é preciso perguntar: o que os existencialistas nos ensinaram que é tão relevante para a resolução dos conflitos? Todos nós, tanto na vida em geral como nos nossos desentendimentos me particular, precisamos saber lidar com:
1.A marcha inexorável do tempo, as incertezas e inseguranças que isso ocasiona, e como cada um de nós lida com as ansiedades e expectativas provocadas por isso;
2.A preservação de autoestima por trás de tudo que fazemos;
3.A necessidade inata que temos de relacionamentos interpessoais;
4.Os valores pelos quais desejamos pautar nossas vidas;
5.Nossa liberdade de escolha: algo que todos prezamos, mas que, entre nós, as pessoas mentalmente saudáveis tencionam usufruir de forma responsável.
Expresso assim, não fica muito persuasivo queremos resolver nossos conflitos conforme acima? E, alguém na plateia certamente perguntará: por que ninguém pensou nisso antes?
Então, imagine-se frente a frente com alguém com quem você precise resolver uma diferença substancial (que por economia de espaço referirei como “o outro”, mas podia perfeitamente ser “os outros”, “a outra”, “as outras”, ou “es outres”). Paul Randolph recomenda, na mesma ordem dos cinco itens acima:
1.Respeite o tempo do outro, e exija que o seu seja respeitado. Lembre que em situações de tensão, o tempo subjetivo de cada um tende a prevalecer sobre o do relógio. O ideal seria não haver prazos, mas no mundo real isso é raramente possível;
2.Preserve e defenda – explícita e entusiasmadamente – a autoestima do outro. Isso inclui, nas suas intervenções mais incisivas, criar condições que permitam ao outro preservar a própria dignidade;
3.Lembre que o outro, por mais diferenças que tenha com você no momento, gostaria de preservar um mínimo de relacionamento após o fim do processo (no mínimo, que você depois não vá falar mal do outro);
4.Tente identificar que valores pautam a postura do outro. Eles são quase sempre inegociáveis. Quando em dúvida, pergunte: entendi corretamente que o que acaba de dizer reflete algo que para você é muito importante?
5. Mantenha em aberto, o tempo todo, cenários alternativos (plano B, C etc.), para que o outro não se sinta obrigado a afunilar prematuramente em uma única solução. No entanto, frise – delicada, mas veementemente – que no momento todos os cenários sobre a mesa refletem sua convicção de que o outro quer sempre agir de forma responsável.
Lembre-se que seu objetivo o tempo todo é (A) obter do outro uma mudança de percepção que migre para uma solução que faça sentido para ambas/todas as partes. E que (B) essa mudança de percepção pouco ou nada tem a ver com a lógica: emoções e desejos tendem a prevalecer aqui. Isso exige empatia e desprendimento, porque o outro para preservar sua própria autoestima (item 2) pode querer para si a autoria de uma solução sua.
Claro que as limitações de tamanho desta coluna me impedem de entrar em mais detalhes. Contudo, tenho certeza de que todo mundo que já teve que lidar com um conflito encontrará ressonância nas palavras escritas aqui, e que ficará curioso por mais informações.
Se você só vai ler um livro do Paul Randolph, recomendo seu último, The Psychology of Conflict, e antecipadamente peço desculpas por ser tão caro. A leitura, embora densa, flui muito bem. E prometo que a obra está cheia de momentos “A-ha!” para quem já teve que lidar com conflitos complexos.
Mês que vem, na parte 2 deste artigo, vamos lidar com outro autor (este sim já traduzido), que negocia com pessoas com as quais ele não tem rigorosamente nada em comum, como, por exemplo, seu relato de como negociou com os guerrilheiros da FARC na Colômbia.
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