Ficamos sem argumentos na COP-26. Precisamos entender que nossa matriz energética majoritariamente renovável e nossos biocombustíveis não importam nas cúpulas do clima. Nelas, a Amazônia é a nossa pátria
Logo no inicio do longa-metragem 007 contra o satânico Dr. No, na maior cena de carteado de todos os tempos, James Bond, interpretado pelo ator escocês Sean Connery, ganha três rodadas de baccarat, conquista uma mulher linda e recebe a missão de aniquilar uma organização criminosa chefiada por um cientista físico nuclear que deseja dominar o mundo. Tudo isso em cinco minutos de filme.
Consta que James Bond não fez parte da delegação brasileira que veio negociar os interesses do nosso País na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, também conhecida pelo acrônimo COP-26, que termina esta semana em Glasgow, Escócia, terra do icônico Sean Connery.
Comparações hiperbólicas à parte, os negociadores brasileiros têm exercido papel de destaque e liderança nas cúpulas climáticas das três ultimas décadas que culminaram com o Protocolo de Quioto e com o Acordo de Paris. Infelizmente esse retrospecto faz parte do passado e a realidade é que, em Glasgow, a delegação brasileira sentou-se à mesa de carteado com uma mão perdedora.
Contudo, ao contrário de setores da mídia ativista e parte dos ambientalistas formadores de opinião brasileiros, no que se refere às negociações do clima, eu não considero que o inimigo do meu inimigo é meu amigo. Em outras palavras, estou do lado de quem quer reduzir emissões de GEEs e concomitantemente a favor dos interesses brasileiros, e não contra o governo de ocasião. Nesse contexto invoco também o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas pactuado na Rio 92, que estabeleceu a obrigação dos países desenvolvidos de arcar com a maior parcela do custo de descarbonização da economia global.
A bem da verdade, países cujo estágio de desenvolvimento econômico se enquadra no grupo do chamado “capitalismo tardio”, como o Brasil – a China é um caso à parte – têm pouca responsabilidade pela concentração de gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera da Terra. Historicamente os maiores emissores de GEEs, são, pela ordem: os EUA, os 27 países da União Europeia mais o Reino Unido, a China, a Rússia e o Japão. Segundo o Our World in Data, esse grupo de países responde por aproximadamente 70% das emissões de GEEs acumuladas na atmosfera desde o ano de 1751, nos primórdios da (primeira) revolução industrial.
Entretanto, devido às pedaladas climáticas do governo brasileiro e ao comportamento irresponsável de setores retrógrados da nossa sociedade e de parte dos representantes do PIB nacional, seremos duramente cobrados pelas altas taxas de desmatamento da Amazônia. Segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) https://plataforma.seeg.eco.br/total_emission#, mais de 40% das emissões brasileiras cabem na conta de LULUCF, do inglês “land use, land use change and forestry”. Nossa matriz energética majoritariamente renovável e nossos biocombustíveis? Nada disso importa. Nas cúpulas do clima, a Amazônia é a nossa pátria.
Enfim, diante do quadro de vulnerabilidade da posição brasileira no tabuleiro das negociações da COP-26, minha proposta era (e é) que nossos diplomatas utilizem a estratégia do uotabautismo para defender os interesses legítimos do Brasil. Para quem não sabe, o uotabautismo é a versão onomatopeica do termo em inglês “what about”, muito utilizado em debates quando os argumentos começam a escassear.
Fundamentalmente, o debatedor que usa o uotabout reivindica um mínimo de coerência do seu interlocutor. E no contexto das negociações do clima, o artificio do uotabautismo pode ser usado indiscriminadamente contra todos os grandes emissores de GEEs. Se não vejamos:
• Caro negociador americano, uotabout as emissões de GEEs per capita do seu país que totalizam o dobro da média brasileira? Uotabaut ajustar o padrão de consumo da população dos EUA aos esforços de descarbonização de empresas e países ao redor do globo? Afinal, ninguém precisa de jipinhos e jipões para andar na cidade.
• Ao negociador europeu, eu perguntaria: uotabaut uma admoestação exemplar para a Alemanha pela fracassada transição energética do país? Ao desligar suas plantas de energia nuclear a Alemanha conseguiu a façanha de aumentar o consumo de eletricidade gerada por termoelétricas a carvão – maior fonte de emissões de GEEs conectada ao grid do país.
• Por sua vez, perante o sempre polido negociador japonês, uotabaut as baleias? Nada a ver com mudanças climáticas, mas uotabautismo é assim mesmo, é pular na jugular. Mas eu continuaria: negociador-san, uotabaut religar as plantas de energia nuclear do Japão e com isso diminuir a demanda por gás natural liquefeito? Os preços não param de subir e segundo o painel de mudanças climáticas da ONU, termoelétricas movidas a gás natural emitem em média 40 vezes mais do que plantas de energia nuclear…
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… naquele momento em que ninguém mais acredita no sucesso das negociações do clima, a diplomacia brasileira tem reservada uma última cartada: uotabaut contratar a Fundação Cacique Cobra Coral?
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Faltaram uotabauts para os negociadores da China e da Rússia. Não sou o James Bond. Não vale o risco.
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