A combinação algorítmica entre humanos, avatares, IAs e experiências imersivas traz inúmeras oportunidades em ficção, negócios, artes e levanta inúmeras questões filosóficas que merecem nossa atenção
“Sempre respeitei o poder da ficção. A literatura me acompanha desde os 13 anos, e não foi por acaso, ou vaidade, que escrevi nove livros de ficção. Alguns deles premiados e um em particular finalista do prestigioso Jabuti.
Nietzsche, em 1833, pela voz de seu Zaratustra, afirmaria que o mundo enfim se tornava fábula. No jargão atual das organizações fala-se de storytelling ou de narrativa. Se temos a narrativa ajustada – o storytelling – aumentamos significativamente a probabilidade de que a nossa audiência compre a ideia.
A literatura descobriu-se nos vídeos, com a vantagem de que já não é tão imperativo pensar as interpretações possíveis, visto que as imagens nos explicam boa parte delas. O vídeo se transfigurou em games imersivos, onde somos os protagonistas da narrativa e decidimos nossos movimentos.
Por que então não transformar tudo em uma imersão então?
Se a ideia de possibilitar a tua imersão em um grande mundo ficcional te atrai, prepare-se para mergulhar num ambiente massivamente interativo baseado em realidade virtual e operado intensamente por inteligência artificial – o metaverso.
Nesse ambiente, você escolherá o seu avatar, que será uma versão fictícia do seu fenótipo, certamente com projeções idealizadas de sua autoimagem; usará roupas fictícias, desenhadas por criadores digitais de conteúdo; andará pelas ruas virtuais com os aspectos de sua preferência (na versão 3.0, provavelmente); e terá a oportunidade de comprar os objetos dos seus sonhos em suas versões digitais por preços muito abaixo do que você pagaria pela versão física.
Para os negócios, o metaverso é, como diria Renée Mauborgne, um oceano azul.
Se pensarmos na máxima representação do que nos referimos como sociedade digital, o metaverso se ajusta bem ao conceito. Além disso, o metaverso traz uma infinidade de demandas, criando oportunidades de trabalho para profissionais com novas habilidades e conhecimentos.
O metaverso quer inaugurar a era da ficção absoluta, estabelecendo um novo destino para os negócios – a gestão de grandes bibliotecas de ativos digitais (algo como Big Digital Assets Library).
No entanto, a ficção do metaverso não se limitará apenas a criação de ativos digitais como avatares, bens de consumo, espaços abertos, lojas virtuais ou novos processos de negócios. O conceito de NFT – Non-Fungible Token – que pretende ser uma espécie de certificado digital para garantir a origem e exclusividade de um ativo digital, por assim dizer – criará a ficção de que somos donos de algo autêntico digitalmente falando.
Na história do escambo – o modelo de troca que garante a passagem de um bem de um detentor para outro –, sempre tivemos os objetos do mundo físico caracterizando a troca ou a permuta entre duas partes. O objeto era passado de uma pessoa para outra.
No metaverso inaugura-se outra forma de escambo: um algoritmo processável em tempo real é transferido do seu criador virtual, que poderá ser uma entidade de IA ou um humano representado por um avatar (que é um algoritmo processável em tempo real) para outro avatar (que é outro algoritmo processável em tempo real), por um processo de troca realizado por um algoritmo processável em tempo real.
Este último registra a transferência em uma base de dados que funciona com base em algoritmos processáveis em tempo real que “averba” na escritura do certificado digital quem é o novo dono desse ativo digital construído por um algoritmo processável em tempo real.
Segundo as projeções da Statista, serão criados em 2021 cerca de 74 zetabytes na internet. Isso representa bem mais do que os 59 zetabytes contabilizados em 2020. E isto sem o metaverso.
Para criar a ficção imersiva, digitalmente sustentável, não há uma estimativa das quantidades incrementais de dados. O que se prevê é que os volumes, a quantidade de usuários simultâneos e os processamentos paralelos massivos dos algoritmos de IA, apenas para citar alguns itens, requererá novos paradigmas computacionais, pois os volumes serão superlativos.
O poder da ficção é inquestionável. E as oportunidades para os negócios são ainda incalculáveis.
Para as minhas exigências filosóficas, no entanto, necessito resolver a seguinte questão: para onde isto tudo vai nos levar? Por enquanto, retiro a melhor resposta de um Koan budista:
Um homem, viajando em um campo, encontrou um tigre. Ele correu, com o tigre em seu encalço. Aproximando-se de um precipício, tomou as raízes expostas de uma vinha selvagem em suas mãos, e pendurou-se precipitadamente abaixo, na beira do abismo. O tigre o farejava acima.
Tremendo, o homem olhou para baixo e viu, no fundo do precipício, outro tigre a esperá-lo. Apenas a vinha o sustinha. Mas, ao olhar para a planta, viu dois ratos, um negro e outro branco, roendo aos poucos a sua raiz. Neste momento, seus olhos perceberam um belo morango vicejando perto. Segurando a vinha com uma mão, ele pegou o morango com a outra e o comeu. — Que delícia! — ele disse.
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