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Aceleração aberta: o caso Mercedes-Benz

Trabalhar com um programa que tem várias empresas patrocinadoras e startups, como o Startup Autobahn, tem permitido à montadora chegar antes às mais avançadas tecnologias

Denis Bettenmann, Ferran Giones, Alexander Brem e Philipp Gneiting
30 de julho de 2024
Aceleração aberta: o caso Mercedes-Benz
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A Mercedes-Benz AG produz mais de 2 milhões de automóveis ao ano para um mercado global em plena transformação. Ela entende que os fabricantes de veículos precisam se adequar a novos padrões de conectividade e uso de eletrônica, enfrentar novos concorrentes e satisfazer um consumidor com expectativas novas, como a da mobilidade sustentável. Essas tendências estão gerando a necessidade de acelerar a inovação no setor automotivo como um todo.

Em 2016, gestores de P&D e da área de negócios digitais da Mercedes sediados em Stuttgart, na Alemanha, concluíram que iniciativas de colaboração com startups – fonte valiosa de inovação externa – estavam sendo prejudicadas pelos processos de inovação existentes. Esses processos eram focados demais no desenvolvimento interno e em soluções prontas para o mercado trazidas pela base de fornecedores da montadora, e não eram bons para a relação com startups de tecnologia promissoras, que é repleta de incertezas. Era preciso uma rota de inovação que permitisse a integração mais eficaz com startups desde o início do processo de P&D e que reduzisse o tempo exigido para identificar, desenvolver, testar e implementar soluções inovadoras.

Montou-se então um time novo de P&D para estabelecer uma ponte melhor entre ideias promissoras de startups externas e necessidades de inovação de divisões de negócios internas da Mercedes. Esse time uniu forças com parceiros do mundo acadêmico e do setor para criar a Startup Autobahn – uma aceleradora corporativa aberta. Diferentemente de uma aceleradora convencional, em geral criada por uma empresa para seu exclusivo benefício, a aceleradora corporativa aberta permite a participação de várias empresas e pode atrair startups mais maduras e diversas. Esse modelo, também conhecido como “consórcio de aceleração”, melhora o acesso de empresas à inovação externa e aumenta a competitividade geral de ecossistemas regionais. A Startup Autobahn é operada pelo Plug and Play Tech Center no campus de pesquisa Arena2036 da Universität Stuttgart. Desde sua criação, já atraiu 30 grandes patrocinadoras, incluindo fornecedores da indústria automobilística e terceirizados e de setores como TI, logística e produtos químicos. Como patrocinadora, a Mercedes pôde avaliar milhares de startups, executar mais de 150 pilotos e implementar 17 soluções inovadoras.

A necessidade de expandir e acelerar a inovação não é exclusiva da Mercedes ou da indústria automobilística. Grandes empresas de varejo, serviços financeiros, saúde e muitos outros setores estão cientes do risco competitivo imposto pelas limitações de sua cadeia de inovação e da capacidade de startups de rapidamente explorar tecnologias digitais. E também estão em busca de novos modelos de inovação capazes de transformar startups em parceiras. A experiência da Mercedes mostra como o modelo aberto de aceleração pode permitir a integração eficaz de startups a processos internos de P&D e acelerar a inovação.

Um modelo aprimorado

O modelo aberto de aceleradora difere do da aceleradora corporativa convencional em dois aspectos fundamentais. Primeiro, enfatiza e acelera o “fit” estratégico entre empresas e startups: em vez de um investimento mais difuso em participação na startup propriamente dita, esse modelo só fomenta inovações que preencham alguma lacuna nos produtos e processos da empresa patrocinadora. O segundo é que abre a participação a várias patrocinadoras, startups e outros interessados – em vez de estabelecer relações de exclusividade entre patrocinadora e startup – para tirar partido dos efeitos de rede da inovação aberta e de plataformas.

A ênfase no fit estratégico entre patrocinadora e startup aumenta a probabilidade de que a solução da startup seja bem adaptada e integrada ao negócio da patrocinadora. No caso da Mercedes, o modelo adotado foi o do “venture-client”, no qual uma unidade de negócios (UN) banca um projeto prova de conceito (PoC). Com isso, a UN pode validar e adotar soluções de startups com risco e custo baixos. Já a startup recebe os fundos necessários para desenvolver e adaptar uma solução sem ceder participação societária.

Para otimizar ainda mais o processo, a Mercedes atribui às startups o status de fornecedoras desde o início da colaboração. Isso acelera os trâmites por protocolos internos que podem retardar o engajamento com parceiros externos e a integração da solução – se e quando uma PoC for validada. Um exemplo: a startup precisa apenas assinar um termo de confidencialidade bem limitado, sem o atrito jurídico de contratos mais amplos. Essa via expressa também dispensa algumas avaliações mais rigorosas feitas para minimizar o risco da colaboração com fornecedores estabelecidos. O que reduz o tempo que leva para a colaboração ter início e concentra o foco na avaliação do potencial da tecnologia da startup.Os efeitos de rede inerentes ao modelo aberto da aceleradora dão a empresas patrocinadoras acesso maior a soluções inovadoras, pois mais patrocinadoras atraem mais startups. E, já que o custo de operar a aceleradora aberta é dividido entre mais patrocinadoras, todas gastam menos do que se mantivessem uma aceleradora convencional só sua – na aceleradora aberta parte do ônus de montar um time forte de prospecção e de manter a capacidade de atrair as melhores startups é dividido entre todos os parceiros da plataforma. E, se quiserem, patrocinadoras podem colaborar entre si para melhorar os resultados de parcerias com startups.

Mas o modelo aberto também tem suas desvantagens. Como em qualquer esquema de inovação aberta, cada patrocinadora tem, isoladamente, menos controle sobre a estrutura de programas e o foco temático da plataforma. Além disso, a visibilidade de cada marca no modelo aberto é menor do que no convencional, pois o patrocínio não é exclusivo. Para minimizar parte dessas desvantagens, a Startup Autobahn segue os princípios da inovação aberta, incentivando patrocinadoras a opinar sobre a seleção de temas e tecnologias de cada programa e a dar ideias para organizar e aprimorar ainda mais a plataforma. E, para compensar a ausência de visibilidade individual e garantir o devido destaque à marca de patrocinadoras e startups, a aceleradora faz uma ampla divulgação dos resultados de projetos de sucesso.

O processo de aceleração aberta

Assim como em aceleradoras convencionais de empresas, o processo de aceleração aberta usado pela Mercedes tem três etapas. Cada etapa se distingue por um desafio próprio, que a equipe de aceleração aberta da Mercedes usa para ir aprimorando o processo à medida que este evolui.

PRIMEIRA ETAPA: prospecção e seleção. Casar a tecnologia da startup com as necessidades da UN é o grande desafio da primeira etapa do processo de aceleração aberta. Quando o fit não é bom, há conflito de expectativas, projetos de PoC tendem a dar errado e parcerias têm vida curta.

Para evitar isso, o time de aceleração aberta da Mercedes busca garantir de saída que o match entre UN e startup seja forte. Para isso, faz eventos regulares voltados a tecnologias específicas para colocar as duas em contato. Além disso, incentiva as próprias UNs a expor suas necessidades ou interesses específicos, para que o time possa identificar startups pertinentes e fazer a ponte entre ambas.

SEGUNDA ETAPA: adaptação da solução.O desafio da segunda etapa é provar que a solução de uma startup pode satisfazer necessidades específicas de uma patrocinadora. Em geral, é muito difícil para a startup cumprir requisitos de desenvolvimento de patrocinadoras – sobretudo os que envolvem qualidade e prazos. É que as rotinas e os procedimentos organizacionais embrionários da startup tendem a ser insuficientes para garantir a entrega dos resultados que as patrocinadoras esperam.

Para vencer esse desafio, o time de aceleração aberta da Mercedes ajuda startups e UNs a conceber e executar projetos de PoC juntas. Para restringir o foco da inovação e esclarecer expectativas da patrocinadora, projetos têm prazos curtos e metas claras – coisas que ajudam a startup a se concentrar nos fatores fundamentais para o sucesso do projeto. Em geral, o cronograma de PoCs não tem mais de 100 dias, durante os quais a UN e a startup trabalham juntas para adaptar a solução da startup aos processos ou produtos da Mercedes. Para garantir que expectativas sejam claras e mensuráveis, tanto o resultado final como as metas intermediárias do projeto são definidos de antemão.

TERCEIRA ETAPA: integração da solução. O grande desafio da etapa final do processo é implementar a solução em escala. É comum a startup ver sua atenção disputada por uma série de projetos e obrigações distintas – e sofrer para mobilizar e priorizar os recursos necessários para atingir escala.

Patrocinadoras, enquanto isso, lutam para sustentar o compromisso e o engajamento de atores internos frente a exigências das operações do dia a dia e prioridades que a toda hora mudam. Para dar apoio à transição para essa fase de integração da solução, a Startup Autobahn organiza um evento no término de cada projeto de PoC e etapa de adaptação. Nesse “Expo Day”, representantes da UN e da startup apresentam os resultados e informações colhidos de altos executivos da empresa patrocinadora, da mídia e, às vezes, de potenciais investidores da startup. Aí vem a tomada de decisão: integrar a solução a produtos e processos por meio da UN ou encerrar a colaboração.

Na Mercedes, o time de aceleração aberta ajuda UNs e startups a gerir essa transição até a integração, garantindo que a solução e o time da startup estejam bem integrados à organização patrocinadora. Para isso, o time dá acesso a sua rede interna de contatos, por exemplo – rede que atua como fonte de apoio e ajuda a reduzir solavancos no processo. Os nós dessa rede ajudam a startup a unir os pontos na empresa patrocinadora e a entender as iniciativas e os processos internos, em geral complexos.

Maximização de retornos

A participação da Mercedes na Startup Autobahn traz três lições sobre como uma empresa patrocinadora aproveita ao máximo as oportunidades de inovação do modelo aberto de aceleração corporativa.

É preciso promover o compromisso interno com a inovação externa. O retorno em inovação que uma empresa obterá da aceleração aberta está ligado ao grau de comprometimento que a empresa consegue gerar dentro da própria organização. Na Mercedes, isso é feito de três maneiras.

Primeiro, o time de aceleração ajuda a identificar lacunas de caráter tecnológico nas UNs. Uma vez identificado esse espaço, o time correspondente faz a prospecção de possíveis soluções para ajudar a UN a preenchê-lo. Definir as lacunas de antemão com a UN ajuda a estabelecer e manter o compromisso da unidade em encontrar uma solução durante a busca. A equipe de aceleração também abre uma janela para soluções e tecnologias inovadoras que estejam surgindo fora do radar das UNs. Além de abrir vias inesperadas para a inovação, isso aumenta a confiança das UNs no modelo e gera mais abertura para o time de aceleração.

Segundo, tanto o pessoal como os fundos para tocar um projeto de PoC vêm da UN – o que a ajuda a assumir o projeto como seu e a evitar a síndrome do “não inventado aqui”. A equipe de aceleração corporativa ajuda a UN a manter o foco e o compromisso com as metas de inovação ao diminuir o peso de processos administrativos e organizacionais, recorrendo a toda sua rede de suporte para ajudar a alinhar stakeholders internos com o projeto.

Terceiro, o time de aceleração corporativa garante que o compromisso da UN com a inovação externa seja recompensado. Um meio é ceder os holofotes e deixar que gerentes da UN recebam crédito pelo sucesso na adaptação da solução em eventos como o Expo Day. Essa exposição não só reforça a motivação de gestores das UNs, mas também aumenta a probabilidade de sucesso na integração da solução e de um relacionamento de longo prazo com a startup, cumprindo assim a razão de ser do time de aceleração corporativa.

Deve-se abraçar a coopetição. Maximizar os benefícios do modelo de aceleração aberta exige uma inequívoca disposição a estabelecer relações de cooperação com concorrentes. A Startup Autobahn cria um ambiente de coopetição entre empresas patrocinadoras e startups desde o início do programa tecnológico até o Expo Day de cada projeto de PoC nele gerado. Conforme o projeto, é possível que várias startups trabalhem juntas com uma patrocinadora ou que várias patrocinadoras atuem com uma startup. Além disso, patrocinadoras vão trocar melhores práticas de relação com startups e de gestão de PoCs.

A coopetição é boa para cada patrocinadora e para o ecossistema industrial da região. Permite o aprimoramento contínuo da estrutura e das atividades do programa da Startup Autobahn. Outro resultado é elevar níveis gerais de inovação, pois cresce o número de projetos de PoC tocados em paralelo e avançando mais rapidamente.

Definir uma arena é crucial. Para melhorar os resultados na aceleração aberta, empresas patrocinadoras podem estabelecer critérios para apostar em startups, tecnologias e aplicações. Estabelecê-los de antemão evita que essas empresas terminem com um portfólio de projetos inadministrável.

Com mais de 150 projetos de PoC no currículo, a equipe de aceleração da Mercedes descobriu que uma carteira diversificada de projetos – em termos de tecnologias, inovação incremental e radical e graus de risco – dá o melhor retorno. Mas isso requer cautela na etapa de prospecção e seleção, pois decisões ligadas à escolha de inovações tomadas no início influenciam os resultados nas fases subsequentes de adaptação e integração da solução.

É bom, também, ter um mix de aplicações ligadas a processos e produtos, sobretudo quando a UN está produzindo itens complexos, com muitas interdependências. Em geral, inovações envolvendo produtos tendem a ter cronogramas de implementação mais longos e risco maior na integração da solução, ao passo que inovações em processos tendem a ter cronogramas de implementação mais curtos e menos risco de problemas na integração.

O time de aceleração corporativa descobriu, ainda, que trabalhar com startups fisicamente mais próximas acelera o desenvolvimento de PoCs e aumenta a probabilidade de decisões a favor da integração. Além disso, o trabalho com startups em estágio mais avançado aumenta as chances de que um projeto de PoC produza um protótipo funcional.

O MODELO ABERTO DE ACELERAÇÃO exige menos investimento do que a aceleração corporativa convencional, reduz incertezas com startups em estágio inicial e, como descobriu a Mercedes, leva a implementações melhores em menos tempo.Com o ritmo e a intensidade da transformação tecnológica aumentando sem parar, grandes empresas estão vendo que é difícil satisfazer, internamente, toda necessidade de inovação. Uma aceleradora aberta, nos moldes da Startup Autobahn, é um bom modelo para promover a inovação.

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Denis Bettenmann, Ferran Giones, Alexander Brem e Philipp Gneiting
Denis Bettenmann é gestor de projetos da Startup Autobahn e doutorando na Universität Stuttgart. Ferran Giones é subchefe do Instituto de Ciência do Empreen-dedorismo e Inovação da Universität Stuttgart. Alexander Brem é professor e diretor do mesmo instituto. Philipp Gneiting é chefe de inovação aberta da Startup Autobahn.

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