Na corrente de transformações do setor de energia, o EaaS é um modelo disruptivo que traz novas oportunidades para provedores e clientes
As soluções do tipo “as a service” já foram replicadas com sucesso em diferentes áreas. Agora chegou a vez do setor de energia adotar o modelo. Ofertas de Energy as a Service (EaaS) já começam a ser disponibilizadas no Brasil na esteira das mudanças pelas quais o setor elétrico está passando, como a abertura do mercado de energia e as novas necessidades dos usuários em relação à redução de custos, inovação e sustentabilidade.
No EaaS, o usuário contrata o fornecimento de energia combinado com outros serviços relacionados, como iluminação, eficiência energética, refrigeração e climatização, pagando uma assinatura mensal. Os investimentos em infraestrutura, equipamentos e manutenção são de responsabilidade do fornecedor e embutidos na mensalidade. Assim, o provedor oferece serviços personalizados e com gestão de ponta a ponta para que o usuário otimize os gastos com energia, que não é a sua especialidade.
Por enquanto, o consumidor final ainda não é contemplado por essa nova modalidade, mas empresas de vários setores podem ser impactadas – indústria, agronegócio, comércio e serviços, como escritórios, hospitais, escolas, cinemas, shoppings e lojas. Um relatório do Research and Markets mostra que soluções EaaS podem promover uma economia de até 25% de energia para as empresas.
Um provedor dessa área precisa ter musculatura para garantir a prestação de serviços. “Uma torre de resfriamento para um shopping, por exemplo, custa cerca de R$ 1,5 milhão. Por isso, EaaS é um tipo de serviço que chamamos de capital intensivo, porque o fornecedor faz todo o investimento antes e tem o retorno depois, aos poucos”, explica Danilo Lima, diretor de inteligência de mercado e marketing da 2W Energia.
Estimativa do Market Research Future indica que o mercado global de EaaS deve movimentar US$ 128,3 bilhões até 2030. Nos países desenvolvidos, o modelo está mais avançado do que nos emergentes. O Brasil, por exemplo, dá seus primeiros passos na área com players de diferentes portes – em geral, são os fornecedores de energia. “Não podemos negar que o setor elétrico brasileiro está um pouco atrás de outros países, mas isso não quer dizer que ficamos estagnados. Estamos num momento disruptivo”, analisa Lindemberg Reis, gerente de planejamento e inteligência de mercado da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
De fato, o segmento elétrico, que atua sob forte regulamentação, aguarda importantes decisões governamentais que vão pautar os negócios futuros, como o Projeto de Lei (PL) 414/2021, que propõe a modernização do setor. Além disso, em 28 de setembro, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou a Portaria 50/2022, que permite a entrada de pequenas empresas no mercado livre. E, em 30 de setembro, o MME lançou consulta pública propondo a abertura total do mercado, de forma que as micro e pequenas empresas possam escolher seu fornecedor de energia a partir de 2026 e consumidores residenciais, em 2028. Na visão de Lima, as atividades de EaaS não exigem regulamentação específica (assim como não há para serviços de streaming por assinatura, por exemplo), mas seu desenvolvimento está atrelado justamente à abertura do mercado de energia.
Outro mecanismo do poder público que pode ajudar na ampliação de soluções EaaS é o das Parcerias Público Privadas (PPPs). O executivo da 2W conta que há empresas de energia que já fornecem serviço de iluminação ou de monitoramento de semáforos via PPP para alguns municípios.
A evolução do EaaS também deve ganhar força com a nova dinâmica do setor de energia, sintetizada nos 3Ds: descentralização (novos players), descarbonização (maior uso de energias renováveis) e digitalização. Duas tecnologias necessárias são o 5G, que vai ampliar a conectividade, e a Internet das Coisas (IoT), que possibilitará a medição e o monitoramento do consumo de energia, iluminação, temperatura etc, por meio da instalação de sensores. O desafio é grande, pois, dos 87 milhões de usuários de energia elétrica do país, apenas 2 milhões têm medidor inteligente, a grande maioria ainda possui equipamento analógico, como lembra Reis, da Abradee.
Com os avanços regulatórios e tecnológicos, a expectativa é de aumento na oferta de EaaS nos próximos anos, como aconteceu em outros países. “No mercado inglês, que está aberto desde 2000, o consumidor pode trocar de fornecedor de energia e contratar junto serviço de iluminação por assinatura por um app no celular. Foram 22 anos de evolução para que eles chegassem nesse ponto. No Brasil, muitas empresas devem trabalhar nesse sentido. Ainda teremos muitos aprendizados, mas acreditamos que até 2030 teremos outro cenário de energia no Brasil”, aposta Lima.
A 2W Energia, geradora e comercializadora de energia eólica com foco em pequenas e médias empresas que tem dois parques de energia eólica em construção, começou a oferecer, recentemente, soluções EaaS junto com o fornecimento de energia. São serviços opcionais de assinatura mensal, como eficiência energética, refrigeração, climatização e carregadores de veículos elétricos. “A EaaS entrega um serviço e a energia que está por trás tem de ser confiável e barata”, conta Lima, acrescentando que a maioria dos clientes ainda desconhece o funcionamento do mercado de energia e os novos serviços. A 2W investe em seu ecossistema de inovação, com parcerias com startups, para agregar novas ideias relacionadas à energia, sustentabilidade e finanças para, assim, fomentar as inovações nesse modelo.
As grandes distribuidoras também devem apostar em novos negócios, como EaaS, no futuro. “Todas as grandes empresas do setor têm seu braço de inovação, porque querem participar desse ambiente, mas hoje ainda são bastante reguladas”, comenta Reis. “É importante dizer que o EaaS não vai acabar com o mercado tradicional de energia. O que estamos vendo é uma mudança de modelo de negócios das empresas. O EaaS está realocando responsabilidades e serviços e isso sim é uma mudança muito grande”, conclui Lima.