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Inteligência artificial e o impacto no comportamento

Cinco pontos de atenção para essa que é terceira grande virada tecnológica da web

Ulisses Zamboni
12 de julho de 2024
Inteligência artificial e o impacto no comportamento
Este conteúdo pertence à editoria Tecnologia, IA e dados Ver mais conteúdos
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O que mais me chama atenção sobre a alta visibilidade e o burburinho sobre a inteligência artificial (IA) conversacionais, especialmente sobre o Chat GPT e seus competidores, não é apenas a mágica de se obter uma resposta perfeita, um roteiro completo ou, tão pouco, criarmos imagens impecáveis produzidas por ela, mas sim, a mudança de comportamento que isso tudo pode causar na sociedade num futuro próximo.

O padrão arquetípico inconsciente da inteligência artificial é o do Mago, personagem que tem o poder de transformar quaisquer coisas banais e corriqueiras em subprodutos úteis e muitas vezes fantásticos. O inconsciente coletivo vem cristalizando esse personagem para a ferramenta graças ao poder e aos efeitos práticos que ela nos entrega. Toda resposta que sai dela é mágica…

E o raciocínio primário do indivíduo, ainda desprovido de racionalização, é a do puro encantamento. É como se as pessoas tivessem finalmente aterrissado naquele futuro idealizado da humanidade, representado no cinema, em filmes e séries, que é cheio de facilidades tecnológicas que entregam plena conveniência aos seus estilos de vida.

No entanto, ao longo do tempo o indivíduo de nível médio pode começar a levantar riscos para si sobre a alta performance da ferramenta. Fica difícil ele não fazer uma matemática perversa que resulta na substituição do homem pela máquina. Hollywood colaborou bastante ao longo dos últimos quase 100 anos de cinema para isso, com filmes em que a máquina se sobrepõe ao homem. Vale lembrar os clássicos, Metrópolis (1927), de Fritz Lang, ou 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968), de Kubrick, ou ainda, o mais recente Ex-Machina (2014), de Alex Garland.

O viés cognitivo da ancoragem atua perfeitamente neste caso. Esse viés, prefiro dizer, essa falha de raciocínio que pode prejudicar o julgamento nos faz acreditar que estamos capacitados a julgar algo por aquilo que já conhecemos e achamos similar, no caso, a relação dramática entre a IA e os homens dada pelos filmes de ficção.

Hollywood teima em retratar as sociedades do futuro como distópicas, apontando a tecnologia como o meio mais eficaz para o exercício das perversões humanas, geralmente de uma minoria má que está acima de uma maioria vitimizada (e passiva) e que tem um nível muito menor de articulação que a máquina.

E se não for o homem “do mal” a se apossar da tecnologia para prejudicar a humanidade, Hollywood também se encarrega de formar opinião: convoca o imaginário criativo e faz a máquina adquirir consciência. A série Black Mirror (2011), da Netflix, está aí para provar.

Não é à toa, portanto, que a sociedade (e a imprensa de forma geral quando produz artigos sensacionalistas sobre o assunto) pode se colocar em alerta, para dizer o mínimo, com esse avanço tecnológico.

No quesito “superar a inteligência humana”, a previsão do cinema parece estar se cumprindo. Sabe-se que as atuais máquinas de IA superam em muito a inteligência do cidadão médio mundial. Desemprego, disparidade de acesso, perda de habilidades práticas, enfim, são um elenco de fantasias que começam a surgir no seio da sociedade civil, especialmente no tecido social brasileiro, que é cheio de desigualdade de acesso e oportunidades.

Quais providências poderiam aplacar uma possível relação perversa do IA com a nossa sociedade?

Enxergar a IA, não só o léxico ou conversacional como o da Open AI, Google e Microsoft, mas a tecnologia em geral como uma ofensiva ao desenvolvimento individual, parece um paradoxo em si mesmo. Mas isso não está longe de acontecer na realidade de grande parte da sociedade brasileira (até porque boa parte das tarefas resolvidas pela ferramenta são realmente repetitivas e burocráticas e, sim, podem ser “”pata de elefante”” no futuro profissional de muita gente).

O momento é de massificação da tecnologia de IA e estamos no “”timing”” certo para ajustes nos processos de implementação dessa ferramenta nas empresas e na vida das pessoas. Temos que dar atenção a cinco questões :

1. Governança – regulamentação é uma a palavra que não cai tão bem para o mundo computacional, eu sei, já que a tecnologia é fluida e navega numa velocidade infinitamente maior que a lei dos homens (é só lembrar o histórico das criptomoedas), no entanto, o uso responsável e ético da IA precisa ser visitado imediatamente. O curto prazo demanda uma intervenção de governança bastante efetiva para que a tecnologia não discrimine mão de obra em detrimento da máquina. 2. Educação – de novo ela. Não me canso de trazer o exemplo da Coréia do Sul que em 10 anos tornou-se uma das potências mundiais em tecnologia e desenvolvimento social. A capacidade do brasileiro em se reinventar é absurdamente alta. Desenvolver habilidades e competências para se trabalhar com a IA é uma tarefa que encontra eco no tecido social brasileiro e constitui uma variável moral de um capitalismo mais consciente nas companhias brasileiras. 3. Diversidade – é fundamental para garantir que a aplicação das tecnologias de IA tenham um uso e uma gestão inclusiva. Quanto mais diverso o olhar, menor a chance da substituição do homem pela tecnologia. Além disso, como a IA é alimentada por dados que treinam os algoritmos, eles não podem ter nenhum viés ou representatividade enviesada nos inputs e consequentemente nos resultados.4. Transparência – sem sombra de dúvida estamos falando de um assunto sensível à comunidade e à vida das pessoas. A clareza em como a IA é feita e usada pode assegurar ética e accountability (palavra em inglês que eu gosto muito e que não tem tradução literal em português. É algo como responsabilidade no senso mais abrangente possível).5. Painel social – desenvolvedores, empresas e usuários da IA devem ter o dedo no pulso da comunidade para entender seus impactos sociais e profissionais. Sem o diálogo social, corremos o risco de derrubarmos todos os itens descritos acima. Um painel contínuo com a sociedade pode apaziguar os tementes às tecnologias ao mesmo tempo que assegurar resultados que sejam realmente positivos a todos e não apenas a um extrato social.

Para finalizar, queria apenas apontar para um “”glitch”” no conceito de missão corporativa da Open AI: sua missão “”é garantir que a inteligência artificial beneficie toda a humanidade”” (“”our mission is to ensure that artificial general intelligence benefits all of humanity””, em inglês).

Notem que a própria missão da OpenAI carrega em si a ambivalência da palavra beneficiar que pode também pressupor que se o processo não for claramente executado, a sociedade pode também ficar desamparada com ela. A missão da Open AI encapsula o medo da sociedade em que a ferramenta traga o mal e seja usada de forma discriminatória.

Dentre outras possíveis descrições para sua missão, a Open AI perdeu a chance de trazer a luz da tecnologia e dar visibilidade ao que de fato ela se propõe: suprimir as tarefas burocráticas e mecânicas para dar espaço à criatividade humana dentro de cada um de nós.

Portanto, fique de olho. A máquina pode fazer um belo texto, mas sem a supervisão dos humanos, ela não vale nada. “

Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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