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Combata o racismo, palavra por palavra

Sabemos o quanto o racismo está enraizado em estereótipos, expressões e comportamentos aparentemente inofensivos. Para combatê-lo, as organizações precisam ir além da semântica

Denise Hamilton
30 de julho de 2024
Combata o racismo, palavra por palavra
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Com o aumento do número de protestos contra o racismo em todo o mundo em 2020, tenho visto muitas empresas querendo saber como navegar neste tema tão controverso. Em geral, as intenções são boas, mas com frequência caem em questões triviais em torno do uso de alguns termos.

As expressões como preconceito inconsciente, privilégio branco e mesmo Vidas Negras Importam podem produzir reações emocionais ou defensivas, algo que observo em regiões profundamente conservadoras do Texas, em que presto consultoria a empresas. Isto se torna uma armadilha. Até a palavra racismo pode travar algumas organizações. Muitas pessoas aprenderam que todos os racistas usam capuzes ou suásticas, que são tóxicos, violentos, pessoas horríveis. Com isso, muitos rejeitam instintivamente a ideia de que eles próprios e outras boas pessoas que conhecem, fazem parte de uma cultura racista. Desejamos uma linguagem que ligue o racismo a essas pessoas horríveis lá longe, mas nunca a nós mesmos.

As pessoas também se incomodam com a ideia de racismo sistêmico. Se elas conseguiram se dar bem dentro desse sistema, parece que o termo desvaloriza sua capacidade o quanto se esforçaram para isto. Da mesma forma, resistem à linguagem que limita seus comportamentos ou pede mudanças significativas. Seja pedir a redução do orçamento da polícia ou chamar alguém de “Karen” (termo usado para se referir a mulheres brancas que se beneficiam de privilégios), gastamos mais tempo lutando contra as palavras do que contra os conceitos que estão por trás delas.

Parte do problema está na própria linguagem. Em sessões que conduzi em empresas, eu costumo falar de pessoas que vivem em partes geladas do globo e que dispõem de dúzias de palavras para se referirem a neve ou gelo, já que sua sobrevivência depende disso. Quando uma coisa ocupa um espaço importante na sua vida, você reconhece as diversas maneiras como ela se apresenta. Já na cultura norte-americana usamos o mesmo vocábulo – racismo – para nos referir a um membro da Ku Klux Klan ateando fogo a uma cruz em um campo e a uma professora desencorajando crianças pretas a se candidatarem a escolas de elite por supor que não serão aceitas. Ambos são racistas, ambos devem ser tratados, mas não são a mesma coisa. Nivelar os dois faz com que seja praticamente impossível ser bem-sucedido em erradicá-los.

Mesmo as denominações diversidade e inclusão podem ter significados diferentes para diferentes pessoas. O que faz com que se consuma mais energia discutindo semântica do que pondo ideias em prática. Os passos a seguir são os principais para as empresas saírem desse imbróglio.

Comece por derrubar os mitos

Alguns podem ficar surpresos, mas encontrei uma maneira poderosa de gerar mudanças por dentro das empresas a partir de uma história sobre George Washington. Faço as pessoas se lembrarem que desde criança somos ensinados que o primeiro presidente dos Estados Unidos tinha dentes postiços de madeira. Na verdade, ele usava dentaduras feitas com dentes humanos e há documentos que comprovam que ele comprou dentes de escravizados. Pergunto à audiência: por que a mentira? Isto ajuda na percepção de que o racismo, maior ou menor, vem desde a fundação do país, de formas que nem sempre notamos.

Converso sobre outros mitos mais recentes e similares. Muitos acham que áreas com predominância de pessoas pretas são infestadas por drogas. É quando eu conto que pessoas negras são quatro vezes mais detidas do que as brancas, e pergunto: “vocês acham que os brancos que são donos de empresas que fornecem maconha legal nunca fumaram antes dela ser legalizada?”, e todos riem. Mas eu aponto a diferença crucial: enquanto uns vão para a cadeia e têm suas vidas arruinadas, outros ganham muito dinheiro.

Os participantes me dizem que nunca souberam ou pensaram nisso antes. A humildade e a disponibilidade para questionar a história que aprendemos é essencial.

Concentre-se nas questões que perpetuam a desigualdade

Uma vez que todos concordam com a ideia de que existem desigualdades por todo lado, é hora de examinar o que, dentro das empresas, perpetua essas desigualdades.

Nesse ponto eu começo a fazer perguntas sobre estágios. Quantos deles começaram suas carreiras com um estágio? Como surgiu a oportunidade? É comum que seja por intermédio de conexões de família e amigos. Era estágio não remunerado? Se não era remunerado, como se sustentaram durante esse período? Pergunto aos que já contrataram jovens, quantos deles começaram suas carreiras por este caminho.

Então eu cito o exemplo de uma jovem brilhante que tem dois empregos para poder estudar, não conta com o tempo ou os recursos para conseguir estagiar e, portanto, não consegue construir um currículo que faria com que fosse contratada por eles. De novo, muitos dos presentes concordam que é uma situação inadmissível e que precisa ser enfrentada.

Toda organização tem numerosos gatilhos que geram desigualdade. Para citar alguns: onde e como se recruta, se há preferência por faculdades, se há menor chance de pessoas não brancas permanecerem na empresa ou serem promovidas, Nessas conversas, voltamos o olhar em profundidade para esses gatilhos, e as pessoas se comprometem a agir em conjunto para lidar com eles.

Evite a tendência ao retorno do “normal”

Um dos maiores desafios do nosso tema é acabar com o desejo natural de que as coisas “se normalizem”. Se queremos progredir, temos que aceitar que não se voltará ao que era “normal”. Devemos nos manter firmes na resistência contra quem queira retornar ao status quo anterior ao se sentir ameaçado pela mudança.

É aqui que a liderança da organização precisa enviar uma mensagem clara, com um tom otimista e pragmático: “sim, as mudanças no funcionamento da empresa poderão ser desconfortáveis para alguns, mas a mudança tornará nosso negócio melhor. Para alcançarmos nossos objetivos ambiciosos, precisamos atrair as pessoas mais brilhantes, de qualquer origem, e contar com o melhor de cada colaborador. Precisamos criar um ambiente em que todos possam florescer”.

Isto é uma fala com que todos – ao menos todos os que querem uma organização de sucesso – podem concordar.”

Denise Hamilton
Denise Hamilton é uma estrategista de inclusão, CEO e fundadora da WatchHerWork.

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