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Não investir em fidelização tem um preço. Quem está disposto a pagá-lo?

Inversões em estratégias de fidelização mostram um ROI robusto, mas a alocação de recursos do marketing está engessada em opções de retorno discutível

Julio Quaglia
12 de julho de 2024
Não investir em fidelização tem um preço. Quem está disposto a pagá-lo?
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“O ideário do marketing está se transformando de tentar maximizar o lucro de cada transação da empresa para maximizar o lucro de cada relacionamento no longo prazo.” Para mim, essa ótima observação de Philip Kotler, o papa do marketing moderno, serve de premissa para meu argumento do papel central que a fidelização deve ter para os negócios de uma companhia.

Sob o guarda-chuva do marketing, são as estratégias de fidelização (ou loyalty) a maneira mais apropriada para essa transformação, pois um relacionamento de longo prazo, com lucro maximizado, só existe se for uma relação ganha-ganha. Hoje, os consumidores têm uma visão consolidada sobre as iniciativas e programas de fidelidade como aliados na economia e em sua experiência com as marcas.

Levantamentos recentes demonstram isso, como a pesquisa da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (ABEMF), em que 78% dos consumidores disseram ter a percepção de que os programas ajudam a economizar, e o “Panorama da fidelização no Brasil 2022”, no qual 78% dos respondentes consideraram as interações com os programas de fidelidade importantes para o relacionamento marca-cliente.

Porém, em muitas companhias, as estratégias de fidelização ficam em segundo plano quando o assunto é aporte e são entendidas somente como custos, quando, no meu entender, deveriam ser consideradas investimento. Da forma como ocorre hoje, isso acaba por promover uma luta interna por recursos, com o setor de marketing optando, quase sempre, por velhas fórmulas (vou falar sobre isso logo mais).

A luta por corações e mentes começa em casa

Para que o “lucro de cada relacionamento no longo prazo” de Kotler se torne uma realidade é preciso primeiramente conquistar os heads do setor de marketing. Só para ilustrar, segundo o “State of customer loyalty report”, entre as maiores dificuldades das companhias na implementação de ações de fidelização estão: alocação interna de recursos (58%) e competição entre as prioridades de marketing (46%).

Não que essas chefias ignorem o impacto da fidelização. Um estudo da NTT DATA e MIT Technology Review, o “Marketing digital na América Latina”, ouviu líderes de 60 companhias da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. Dessas, 40% possuem ferramentas tecnológicas, sendo, o customer relationship management (CRM), o motor da fidelização, considerado por 82% dos entrevistados entre as mais importantes.

Falta, então, apenas uma visão holística, pois o CRM é uma condicionante, não é um programa de fidelidade, muito menos a estratégia de fidelização. Se 82% das lideranças compreendem a ferramenta de gestão de relacionamento como uma das mais importantes, bom, não deveria ser difícil fazê-las entender que apenas a ferramenta é um desperdício de potencialidade, como o de quem compra um carro só para ir até a padaria da esquina.

É hora de falar a língua dos CFOs

Estudo do Cenp-Meios sobre a divisão do bolo publicitário no País mostra que as empresas investiram R$ 21,2 bilhões em 2022, com a TV aberta (41,7%) e a internet (35,7%) à frente. Os meios digitais vêm crescendo, como era esperado, e a TV está em seu menor patamar desde o início desse monitoramento. Este ano, inclusive, houve discussões sobre o efetivo retorno para os anunciantes de seus gastos milionários em um famoso reality show.

Claro que a TV ainda é um veículo importante e que a internet é incontornável. Mas o marketing não estaria no “modo inercial”? Priorizando, como falei, velhas fórmulas, mesmo que em novos canais? Um levantamento recente da Association of National Advertisers (ANA), dos Estados Unidos, revelou que pelo menos US$ 20 bilhões podem ser economizados por ano só em mídia programática aplicada sem critérios em sites clickbaits.

Um colega certa vez me disse que um único anúncio na TV promovia um pico em suas vendas. O problema é o preço. Essa “solução” é cara e, além disso, é curto-prazista, um pico sem retenção do cliente. Com custo menor, é possível manter ações de fidelização de longo prazo, perenes, com resultados reais na atração e fidelização de públicos e cujo ROI justifica uma divisão mais justa do bolo do marketing.

Aqui estão dois exemplos desses resultados: a pesquisa “2023 Global customer loyalty report” aponta que 80% das marcas que medem o ROI de seus programas de fidelidade registraram retorno de investimento de 4,9 vezes mais receita que a investida, em média. No País, o “Panorama da fidelização no Brasil 2022” mostrou que empresas que não investem em ações de fidelização estruturadas tendem a ter até cinco vezes menos interações (transacionais e relacionais) com seus clientes.

Métricas, resultados e margem incremental

É óbvio que para esse pitching funcionar dentro das empresas, para conquistar marketing, financeiro e demais C-levels, incluindo a diretoria, é necessário definir com clareza público, metas e métricas de toda ação de fidelização. Algumas dessas métricas, as soft, são mais difíceis de mensurar, apesar de importantes, como o advocacy da marca pelo consumidor, interações, indicações e feedbacks positivos em redes sociais.

Já as métricas hard são mais fáceis de serem avaliadas, como aquisição de membros, retenção, resgate de recompensas, frequência de compras, valor médio do ticket etc. Além disso, os programas de fidelidade vêm sendo utilizados como principal driver na digitalização dos negócios (Burger King é um desses cases), e ainda geram inteligência sobre o cliente, promovendo mais assertividade em produtos, serviços e até em campanhas (cortando custos).

Outro fator que tem de estar no radar: há casos em que uma estratégia bem desenhada colabora diretamente com a margem incremental de vendas. Um projeto em que estou envolvido, de uma empresa da área de energia/petróleo, viu seu programa de incentivo ao parceiro – os revendedores – produzir 0,7% de incremento no volume de vendas. Não é pouco, significa 14% do total de acréscimo em vendas geradas por todas as ações de marketing da companhia!

Minha mirada nos investimentos do setor tenta mostrar aos CMOs, CFOs e CEOs que uma estratégia de fidelização não deve ser entendida como ações cosméticas e ocasionais. Ela pode garantir ROI mais robusto que formatos menos inovadores e agregadores de valor para o consumidor (seu público está mesmo na TV e em sites de baixa qualidade?). E voltando a Philip Kotler: “As companhias dão muita atenção ao custo de algo. Elas deveriam estar mais preocupadas com o preço de não se fazer nada”. Ou de se fazer sempre o mesmo, acrescento.”

Julio Quaglia
Julio Quaglia é empreendedor e gestor com mais de 25 anos de experiência em CRM, loyalty, analytics e business intelligence. É CEO da Valuenet e também professor de customer relationship management na ESPM e coautor do livro *Estratégias e Ferramentas do CRM para uma Melhor Experiência do Cliente*.

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