É preciso ir além das discussões superficiais e abordar a necessidade, ou não, de as empresas terem incentivos econômico-financeiros para priorizar ações de sustentabilidade e mexerem de fato os ponteiros. Veja o caso do Japão
Quando se trata de mobilizar os agentes econômicos para enfrentar as questões climáticas, os avanços mais recentes podem ser considerados marginais. (Como estamos vendo na prestação de contas em curso na edição 2023 da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas-COP.) Para tentar atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, a velocidade e a escala de mudança precisam ser muito maiores. E, pior, essa intensificação não se resume a aumentar o ritmo de que já começamos; o que precisa ser feito é qualitativamente diferente, e o que fazemos não será suficiente.
O simples reforço das exigências contidas em dados e informações sobre o clima aumentaria a carga sobre as organizações sem ter um impacto produtivo relevante. As normas precisam ser alinhadas à estratégia industrial de forma a gerar uma demanda comercial por ações para conter as mudanças climáticas em larga escala e por finanças sustentáveis cada vez mais disponíveis. O Japão está buscando atingir isso ao equilibrar um misto de punições e incentivos que é muito diferente da abordagem dos Estados Unidos (que usa mais incentivos) e da da União Europeia (adepta das punições).
Hoje temos a expectativa de que as empresas ajam sobre as mudanças climáticas sem uma justificativa financeira para tal. Os racionais usados podem ser de cunho moral, de satisfação do ESG (governança ambiental, social e corporativa) dos investidores, de gerar orgulho e um senso de compromisso entre os funcionários ou de garantir opções diante da incerteza. Todos parecem bons motivos, mas raramente se tem uma análise financeira em que esteja previsto um retorno a partir dos investimentos. Resultado: melhoras marginais, sem levar a ações de maior porte.
Vejamos o exemplo da indústria siderúrgica, que hoje responde por 8% da emissão dos gases de efeito estufa. Existem muitas tecnologias que reduzem as emissões de carbono, mas são complicadas, especulativas e de alto custo. Como disse o Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão em seus planos para a esse setor, “substituir os atuais processos produtivos exigirá um alto investimento, o que irá gerar custos elevados de capital e de operação. Mas esses custos adicionais se referem apenas à redução da pegada de carbono e não contribuem em nada para aumento de produtividade ou de desempenho do produto.”
Na Europa, o preço que se espera conseguir pelo aço de baixo carbono é de mais de 250 euros por tonelada (ou US$ 265), algo como 25% maior do que o atual. Quantos clientes pagariam esse sobrepreço por um produto que não oferece nada a mais? Algumas montadoras e construtoras podem pagar um pouco mais pelo benefício de imagem de usar aço verde, mas não dá para ir muito além porque os seus próprios clientes não terão a mesma perspectiva e não vão compensá-los. E, se os consumidores optarem por não aceitar o preço maior, como as siderúrgicas irão custear o investimento necessário? Finanças sustentáveis não resolvem a equação se a indústria do aço não tem retorno para fazer esse investimento.
Levar ao patamar necessário as ações para frear as mudanças climáticas vai demandar mais do que incentivos não financeiros. Basear-se neles nos limitará a mudanças insuficientes, além de deixar todos os esforços expostos à variação dos humores, um risco concreto que já se vê com a reação ao ESG nos Estados Unidos. Para resultados concretos, de verdadeira transformação, as empresas precisam de incentivos financeiros, retornos que justifiquem os custos e riscos envolvidos. É o único caminho para que um número suficiente de organizações opte pelo investimento em larga escala.
De onde virá esse incentivo? Hoje, para formatar a disponibilidade e direcionamento de finanças sustentáveis, projetamos cenários de como os diferentes setores precisam se transformar. A International Energy Agency, Transition Pathway Initiative, Science-based Targets Initiative, Glasgow Financial Alliance for Net Zero e outras instituições fizeram os traçados setoriais. Esses cenários mostram o que é preciso, mas não fazem acontecer. São descritivos, não prescritivos. Por meio deles vemos o que deve ser mudado nas indústrias e qual seria o caminho ótimo – mas indicar o caminho não põe as empresas em movimento.
O desafio não é cavar o dinheiro. O estoque de finanças sustentáveis é impressionante. O desafio está em criar demanda para elas, em sintonia com a geração desse estoque. Hoje, quem oferta esse recurso financeiro se queixa que há baixa demanda, porque os potenciais usuários não têm apetite para o risco. Em outras palavras, eles não confiam no retorno.
Para os governos, custear o aumento no preço final por meio de subsídios teria um custo altíssimo. Por sorte, isso não é necessário. O que é preciso é criar as condições em que as empresas se motivem a fazer essas mudanças e sejam recompensadas por isso.
Há bons exemplos ativos. A indústria automotiva, especialmente na Europa e Estados Unidos, investiu na fabricação de veículos elétricos, antecipando um futuro em que não se poderá mais produzir carros equipados com motores a combustão. E o Inflation Reduction Act emitido pelo governo norte-americano foi descrito pelo Fórum Econômico Mundial como um empurrão convincente para reduzir a emissão de gases em setores chamados “hard-to-abate”.
Nos Estados Unidos, a abordagem tem se baseado fortemente em incentivos, o que quer dizer que a participação das empresas é voluntária. Isto reflete o que é mais viável no país, em que é difícil impor restrições, especialmente federais, às empresas, pela cultura empreendedora. Esses incentivos são direcionados para o fortalecimento da liderança tecnológica da economia americana, atendendo a uma agenda nacionalista e ambiental. O problema é que, para fazerem efeito rápido, eles precisariam ser altos e podem depender na prática de ações em que nem só dinheiro resolve, como a concessão de licenças para instalação de redes de energia solar e eólica.
Do outro lado, a União Europeia se apoia principalmente em regulamentação. Isso exibe o que é mais atingível politicamente. É complicado conceder incentivos na região sem beneficiar um ou outro país e criar disputas políticas. Mas normas são niveladoras e têm sido a ferramenta que vale para todos. Elas se referem ao mercado energético europeu, cujo porte mobiliza os players globais, que não querem perder oportunidades. O problema, aqui, é que essas regulamentações podem impor custos ocultos e desconhecidos para o setor, sem antes angariar a aceitação política disso. Esse é o pano de fundo da oscilação da Alemanha entre proteger sua indústria automotiva convencional e forçar a mudança para um parque de veículos elétricos.
Estados Unidos e Europa adotam abordagens extremamente diferentes para controle das mudanças climáticas, e que refletem as respectivas autoimagens e valores. Onde for possível, uma mescla de restrições e incentivos (ou um bate e assopra) pode oferecer o impulso mais efetivo para as empresas avançarem na transição. Construir as iniciativas em uma sequência pública pode oferecer incentivos poderosos para ações rápidas, se as empresas confiarem na política ambiental que será adotada e se virem motivadas a abraçar a causa.
Uma estratégia industrial não é escolher quem vai ganhar ou perder, mas enxergar e aceitar que tanto quem ganha como quem perde quer ganhar, ou, ao menos, não perder. Os incentivos agem criando riscos que as empresas querem evitar. O motivo da Volkswagen investir em veículos elétricos é em parte ganhar mercado sobre a Toyota, sua maior rival. Já o maior incentivo para a Toyota é a defesa de sua fatia de mercado. Ambas as empresas se veem motivadas pelas novas montadoras de carros elétricos da China. De maneira parecida, a remoção e estocagem de carbono da atmosfera ainda é cara e incerta, mas o estímulo vem de que sua transformação em um novo combustível fóssil pode ser útil, caso a extração mineral venha a ser limitada.
Esta visão combina com a forma como o poder político se posiciona de um ponto de vista nacional, ou regional, no caso da UE. Os governos podem estimular a ação contra as mudanças climáticas de forma a fortalecer suas empresas e suas economias. Os incentivos contidos no Inflation Reduction Act estão atraindo investimentos corporativos, empregos qualificados e inovação tecnológica para os Estados Unidos. As siderúrgicas japonesas estão buscando a liderança em soluções tecnológicas para o aço, usando hidrogênio em vez de carbono para extrair ferro do minério de ferro. Esta luta pela competitividade, tanto nacional como empresarial, é como podemos impulsionar as ações em escala no pouco tempo que dispomos para isso.
A transição que descrevemos é a destruição criativa e a migração de valor que sempre alimentaram a inovação e o investimento em uma economia capitalista. Nesse sentido, a mudança climática não é uma questão de ação coletiva: para transformações sistêmicas em que não haja perdedores, a transição será praticamente inacessível. Haverá vencedores e perdedores, pelo menos da perspectiva real de vencedores e perdedores, para que exista a pressão competitiva e o incentivo financeiro para as empresas agirem. A função dos formuladores de políticas não é apenas compensar os custos exigidos, mas facilitar a transição para esse novo patamar. Como afirmado recentemente por pesquisadores, as políticas devem ser criadas por pessoas que saibam “”navegar ao mesmo tempo e bem em duas dinâmicas distintas, mas inter-relacionadas: a criação e adoção em massa de novas tecnologias de energia verde, por um lado, e a destruição dos poderosos combustíveis fósseis, por outro””.
Nem o modelo norte-americano nem o europeu dão conta dessa navegação. O incentivo dos Estados Unidos ajudou a criar o novo, mas não restringe o antigo. As restrições da UE restringem o velho, mas sem resolver o desafio tecnológico ou econômico da troca pelo novo. Então, como seria uma abordagem mais equilibrada?
O modelo japonês para a transformação verde, ou GX, envolve uma mistura de incentivos e restrições de maneira a impulsionar os dois lados da destruição criativa, em uma sequência ao longo do tempo. O objetivo declarado é a “”redução de emissões com crescimento econômico””, sem sacrificar nenhum dos dois. Desde o topo, interesses empresariais e governamentais estão em sintonia: “”o sucesso ou o fracasso das iniciativas da GX está diretamente ligado à competitividade das empresas e das nações””. O atrativo imediato é o apoio do governo com 20 trilhões de ienes (US$ 140 bilhões) para investimentos iniciais nos próximos dez anos e uma previsão de 150 trilhões de ienes de investimento público e privado. A principal restrição é um mecanismo de precificação industrial do carbono que está em testes e que deve ser implantado em etapas a partir de 2026. Esse mecanismo inclui um sistema de compensações ao estilo europeu para indústrias com emissões elevadas e uma sobretaxa sobre o fornecimento de combustíveis fósseis. Anunciar a restrição hoje, mas colocá-la em prática mais adiante, cria o incentivo imediato para que as empresas façam os investimentos em tecnologia para a transição, sem afetá-las financeiramente antes de terem a chance de se adaptar.
As empresas japonesas são parte dessa ação, assim como contrapartes. O propósito não é só reduzir as emissões do Japão, que são 3% do total mundial, mas posicionar as empresas japonesas como prestadoras de serviços que contribuem para a redução também de outros países, com as soluções de tecnologia verde. As empresas trabalharam com o ministério da Economia, Comércio e Indústria, ou outros, como no caso do transporte marítimo e aéreo, para desenvolver caminhos tecnológicos para dez setores que, somados, respondem por 80% das emissões de carbono do país. Para formular o guia para o setor de ferro e aço, por exemplo, foram reunidos especialistas da Japan Iron and Steel Federation, analistas de crédito, o Development Bank of Japan, assim como professores de engenharia e tecnologia. O governo usa o guia da empresa JFE Steel para ilustrar seu quadro geral. Esta, por sua vez, apresenta seu guia corporativo como uma aplicação do modelo ministerial. Esta colaboração ajuda as empresas a se comprometerem com planos de transição ambiciosos, com a confiança de que o governo fará sua parte criando as condições de viabilização que as tornarão viáveis em termos de P&D, infraestrutura energética, crédito, precificação do carbono e muito mais. O plano GX tanto habilita como exige esses projetos.
O caminho japonês não é um plano imutável. Podem surgir novas e melhores tecnologias que valham a pena incorporar com vantagem. Tanto o governo quanto as indústrias sabem das premissas tecnológicas em que os projetos se baseiam e, portanto, são capazes de se adaptar conforme necessário e não estão presos. O pluralismo é celebrado: a capa do documento de estratégia do ministério japonês exibe múltiplos caminhos até o topo da montanha neutra em carbono de 2050.
CRIAR AS CONDIÇÕES essenciais para investimentos por parte das empresas é o que os governos têm de fazer, e é tão importante quanto o ambiente de finanças sustentáveis. Sem políticas industriais coordenadas, o mero reforço de exigir a divulgação de dados e informações relativas à mudança climática só faz aumentar os custos de maneira improdutiva. Os esforços do governo para intensificar as prestações de contas relacionadas com sustentabilidade precisam ser acompanhados por ações governamentais e estratégias de empresas e setores.”