Conhecer as diferentes “tribos do tempo” e como reagem ao tic-tac do relógio são insumos que contribuem para a gestão de pessoas
Anos atrás, fiz parte de um grupo multinacional de 12 motociclistas que se encontrou em Trondheim, na Noruega. Rodamos 5 mil quilômetros, durante duas semanas, no verão europeu. Tínhamos dois guias austríacos – ambos excelentes motociclistas –, que lidavam com todas as questões logísticas, de meteorologia, horários de ferry-boats, alimentação e hospedagem a combustível, manutenção preventiva das motocicletas e demais questões de segurança óbvias em uma viagem como essa.
Axel era bagunçado e deixava tudo para o último momento. Klaus era o oposto, organizado e metódico. Eles discutiam o tempo todo! Mas a tensão entre eles deu muito certo e – pelo menos, para este brasileiro que vos escreve – a viagem funcionou espetacularmente bem!
Assim como meus saudosos guias, na minha equipe de trabalho, tenho outros exemplos de pessoas com percepções diversas do que é tempo e, por consequência, do que é produtividade.
Eis uma lista que desenvolvi das diferentes “tribos do tempo” (caso você conheça uma que eu não incluí, por favor, escreva nos comentários do artigo):
– Procrastinadores criativos: precisam da adrenalina de “o prazo é amanhã” para ser absolutamente brilhantes no que fazem. Tendem a apresentar contribuições espetaculares, mas podem enlouquecer seus colegas pela falta de organização e método.
– Debatedores: para eles, a fricção tem que produzir mais luz que calor. Em outras palavras: algumas pessoas dependem do debate acalorado para produzir o melhor de si. Assim como os procrastinadores criativos, enquanto os debatedores entregam ótimos resultados, o resto de nós fica alucinando ao redor.
– Impulsivos construtivos: atribuem grande valor ao “aqui e agora” e preferem lidar com suas tarefas imediatamente ou, pelo menos, ainda hoje. Por outro lado, se recusam a refletir sobre lições aprendidas em projetos recém-encerrados e, muito menos, nos que deram certo.
– Turma do “to do”: tem listinha para tudo, desde o que vão comprar no supermercado até o que vão dizer para o médico durante a consulta. Sempre entregam no prazo, mas alguns perdem a noção do todo em meio ao checklist de tarefas, o que pode acabar afetando a qualidade do que entregam. Há, ainda, o subgrupo dos que querem tanto cruzar aquele item da lista que acabam entregando o filé mal passado.
– Corujas e cotovias: enquanto as corujas estão engatando a marcha às 17h e são mais produtivas à noite, as cotovias produzem melhor pela manhã e pifam antes do almoço. Quem já não teve ambas juntas na mesma equipe?
O grande desafio é aprender a conviver com todas as “tribos do tempo” – e, eventualmente, ao mesmo tempo (com o perdão da repetição). E não para por aí.Nas empresas, prevalece um clima de “sempre ligado”, segundo o qual todos devem estar disponíveis 24/7, dando o seu melhor a qualquer momento e – pior – compartilhando da mesma percepção do que significa um “minuto”, uma “semana”, um “ano”. Em suma, é fonte segura de frustração.
A monotonia e o tédio podem distorcer a percepção do tempo, levando a uma sensação de que ele passa mais lentamente, o que pode levar a um desengajamento, menor atenção e mais erros no trabalho. Por outro lado, a percepção do tempo pode ser facilmente manipulada. Pequenas pausas ou mudanças de atividades podem corrigir distorções temporais, melhorar a carga cognitiva e aumentar a produtividade.
Enquanto os relógios mantêm o tempo objetivo, as pessoas percebem e valorizam o tempo de forma subjetiva e idiossincrática, influenciada por fatores psicológicos e ambientais.
Além disso, a forma como as pessoas se veem no tempo, incluindo a orientação para o futuro, pode influenciar sua satisfação e engajamento no trabalho.
Compreender a perspectiva de tempo dos funcionários pode ser útil para a gestão de equipes, permitindo um melhor ajuste das tarefas e atividades às necessidades individuais e coletivas.
E, para encerrar, uma recomendação no melhor estilo “contra a maré”. Jenny Odell é uma artista visual, escritora e educadora conhecida por seu trabalho multidisciplinar que explora temas como a atenção plena, o desperdício de tempo, a tecnologia e a natureza. Ela ganhou destaque com o livro Resista, não faça nada: a batalha pela economia da atenção, no qual examina a cultura contemporânea da produtividade e propõe uma abordagem mais consciente e reflexiva da vida cotidiana. Ela defende que o capitalismo moderno se apoderou do tempo individual das pessoas e que a forma como o gerimos é, antes de tudo, um ato político. Vale conferir o podcast em que ela fala sobre o tema (em inglês). “