A Alemanha errou ao se tornar tão dependente do gás russo
Na hierarquia de gêneros musicais, a ópera figura indiscutivelmente no topo de qualquer ranqueamento que pretenda ser levado a sério, na minha opinião. O chamado teatro lírico comporta massa sonora arrebatadora, inatingível para os gêneros populares tal como o rock, o pop e os ritmos autóctones, incluindo a MPB e seus derivados.
Na hierarquia das óperas, o alemão Richard Wagner reina soberano no panteão dos maiores compositores de todos os tempos. Wagner produziu música de complexidade harmônica e melódica supremas. Os libretos das óperas wagnerianas, de tão intricados e sofisticados, tornam os melhores letristas do pop meros repentistas de quermesse.
A minha ópera wagneriana favorita é Tannhauser, que narra a história do cavaleiro trovador de mesmo nome e trata da redenção dos pecados do humano masculino pelo amor e sacrifício feminino. No terceiro ato, um grupo de peregrinos cristãos retorna de Roma e ao chegar à mítica Germânia, canta em coro: “A graça da salvação é consagrada ao penitente. Ele segue em paz e abençoado por Deus”.
Um sistema é considerado ergódigo quando a probabilidade de ocorrência de um evento para um único indivíduo é a mesma para um grupo de indivíduos. Por exemplo: 100 pessoas jogando cara ou coroa uma única vez obtêm o mesmo resultado de apenas um indivíduo jogando cara ou coroa 100 vezes.
Em contrapartida e por definição, sistemas não-ergódigos impõem ao indivíduo resultados diferentes daqueles observados por um grupo de indivíduos. Por exemplo: 100 apostadores em um cassino jogando dadinho uma única vez obtêm resultado diferente de um único apostador rolando dadinho 100 vezes.
A razão é simples: o apostador solitário viciado em jogatina é levado à falência e, sem dinheiro, não volta ao cassino. Ele simplesmente para de jogar e, portanto, o seu resultado difere daquele observado pelo grupo de 100 apostadores.
Em resumo: sistemas não-ergódigos são subjugados pela sequência dos eventos. Essa característica importante acarreta o chamado “risco de ruína”.
A transição energética europeia, baseada na descarbonização acelerada da matriz elétrica do continente, e o descomissionamento das plantas de energia nuclear na Alemanha geraram um sistema não-ergódigo. E, no meio do caminho, tinha um Putin.
Não é azar. Segundo o asmodeus vermelho Vladimir Ilyich Lenin, existem décadas em que nada acontece e semanas em que décadas acontecem.
Sistemas não-ergódigos tendem à ruína. É um imperativo da teoria estatística e do estudo das probabilidades. A dependência da Europa (e mais especificamente da Alemanha) do fornecimento de gás natural produzido na Rússia, em substituição ao carvão e à energia nuclear, fragilizou todo o sistema energético do continente.
A risadinha, agora infame, da delegação alemã na assembleia geral da ONU em 2018, durante o discurso premonitório do leviatã laranja virou meme. “A Alemanha vai depender totalmente da energia russa se não mudar de curso imediatamente”, afirmou Donald Trump na ocasião.
Basicamente, enquanto analistas debatem abertamente o racionamento de energia no continente europeu, o sistema elétrico mais sofisticado do globo está amarrado em um barbante. Não estou afirmando que o sistema energético europeu irá colapsar por completo. Reguladores europeus e legisladores alemães arrependidos têm dinheiro e poder para consertar esse estrago autoinfligido.
Para tanto, é fundamental que a Alemanha retroceda no descomissionamento das plantas de energia nuclear e volte a queimar carvão por um tempo. Para atingir as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa no sistema energético europeu, ela precisa primeiro estar solvente. Vale também esquecer a turba ativista das mídias sociais. Essa não perdoa nunca. Deus perdoa sempre o penitente.”