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O recurso é baseado em um relacionamento de confiança e traz o senso de prazer e conquista
Engajar os consumidores de forma contínua com a marca, inclusive fora do ciclo de vendas, é o desejo de quase toda companhia. Ao longo dos anos, percebi que as mais bem-sucedidas nessa tarefa foram as que adotaram estratégias de fidelização de clientes. Uma das razões para isso é que, além dos seus benefícios imediatos e prometidos, as iniciativas de fidelização são ações gamificadas por natureza.
Quando digo gamificadas, não pensem que isso implica investimentos de alta tecnologia. Pensem nos selinhos: gamificados. Programas de pontos? Uma das ações mais simples e eficazes do mundo do loyalty; estratégia gamificada. Há, inclusive, muitos estudos comprovando que o simples acúmulo de pontos é lúdico, gerando prazer e engajamento das pessoas.
Por isso, não é surpresa que, em um levantamento recente da Bain & Company, nos Estados Unidos, por exemplo, 63% dos entrevistados disseram tomar decisões de compra com base nos programas de fidelidade dos quais participam.
Por aqui, a pesquisa da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (ABEMF), lançada em outubro, apontou que 48% dos entrevistados gostariam de que as marcas que mais consomem oferecessem programas de fidelidade.
Mas é justamente por ser a base dos programas de fidelidade que a gamificação precisa ser levada a sério (brincadeiras à parte, esse meu alerta serve também para qualquer setor de uma empresa ou escola fazendo uso dessa ferramenta).
Há mais de 20 anos eu ouço venderem a gamificação quase como mágica. Uma solução para todo e qualquer problema, seja para públicos internos, consumidores ou estudantes. Bom, ela é poderosa, se bem planejada, o que não é sempre o caso, como veremos.
Vamos só retomar o conceito antes de avançarmos. Hoje, apesar de muitas iniciativas também incluírem jogos de fato, a gamificação não é um game em si, mas estruturas ou elementos de jogos inseridos em atividades do cotidiano.
Um ranking mensal de vendedores de uma empresa é um exemplo bastante comum. Ele fomenta o senso de realização pessoal e a competitividade na equipe. Essa diferença é importante, mas é claro que uma cultura gamer facilita a introdução da gamificação.
Assim, se pensarmos nas novas gerações e nas possibilidades digitais, o terreno é fértil. Diferentes fontes estimam 3 bilhões de gamers no mundo todo, sendo 70 milhões de jogadores de algum tipo só no Brasil (orgulho do meu nível 12.660 no Candy Crush, que jogo há 14 anos!).
O mercado nacional tem uma previsão de movimentar, só em 2025, US$ 3,5 bilhões. Isso é fantástico. Mas vale sempre lembrar o aviso do taiwanês-americano Yu-Kai Chou, expert em gamificação: “Todos os games têm ‘elementos de jogos’, e a maioria ainda é chata”.
O que You-Kai alertou é que a gamificação também sofre de burocratização e fadiga. Há quem faça críticas muito mais ácidas. É o caso do inglês Adrian Hon, dono da empresa de jogos Six to Start e autor do livro You’ve Been Played: How Corporations, Governments, and Schools Use Games to Control Us All (Você foi enganado: como empresas, governos e escolas usam jogos para controlar todos nós, em livre tradução). Em uma entrevista recente, ele diz que a gamificação substitui a criatividade e autonomia e que recompensas e punições são formas antiquadas de motivação. Ele não está sozinho nessa visão.
O escritor e palestrante norte-americano Alfie Kohn, autor do livro Punidos pelas Recompensas, entre outros, faz coro. Há anos ele vem criticando não só o sistema de recompensas e competição, como o de notas escolares, por exemplo.
Concorde-se ou não com esses argumentos, eles levantam questões importantes para quem quer motivar grupos e influenciar pessoas, especialmente para os que trabalham ou pretendem implantar iniciativas de fidelização ou gamificação.
Do meu ponto de vista, essas críticas apontam para um erro básico de quem tenta utilizar a gamificação sem a devida estratégia: infantilizar e subestimar o público-alvo.
Jamais gostei, por exemplo, do termo (e da metáfora) da cenoura e da vara (carrot-and-stick). Primeiro, por insinuar que o consumidor é idiotizado. Segundo, por indicar que o prêmio é virtualmente inalcançável; e terceiro, por ameaçar o usuário com punições caso ele não cumpra o que se espera dele (o que elimina sua autonomia).
Por isso, não se pode perder de vista que, enquanto o game é um fim em si mesmo, em que as pessoas jogam por diversão ou realização pessoal, a gamificação, por outro lado, é um meio.
Ela deve atrair e estimular, não empurrar o usuário em um labirinto de obrigações inúteis só porque há uma plataforma digital e um front-end bonitinho. O mesmo se aplica às iniciativas de fidelização: regras fáceis e claras, conexão com a marca e relevância jamais podem ficar em segundo plano.
Portanto, o tão sonhado engajamento dos consumidores é baseado em um relacionamento de confiança, em que a gamificação é seu elemento lúdico, trazendo senso de prazer e conquista.
Nesse processo de ganha-ganha, a empresa conhece a fundo seu cliente e oferece melhores produtos e serviços, vendendo mais e gerando maior LTV (lifetime value, ou valor do tempo de vida). O consumidor, por sua vez, obtém mais valor, seja em forma de economia (de tempo e dinheiro) ou de comodidade e satisfação. Não há jogo melhor.