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“A inovação aberta está morta. Vida longa à inovação aberta”

O capital secou e muitas empresas questionam o investimento nessa área. É hora reinventar a inovação, com um olhar mais pragmático

Paulo Emediato
18 de outubro de 2024
“A inovação aberta está morta. Vida longa à inovação aberta”
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Lembra quando a inovação aberta era o “pretinho básico” das organizações? Todo mundo queria um programa de aceleração, um lab ou um hub cheio de startups famintas por “disruptar” (que preguiça) qualquer coisa no caminho. 

De 2008 a 2022, esse conceito desfilou pelas reuniões de diretoria, embalado pelo crescimento econômico e pelo capital barato. Mas, como todo modismo, a hora da verdade chegou: o capital secou em 2022, as startups pararam de brotar em cada esquina e, em meados de 2023, os efeitos diretos dessa correção finalmente atingiram as corporações, forçando uma revisão de prioridades. 

De repente, inovação aberta soa como aquele terno chamativo que nunca caiu bem em ninguém.

No Brasil, já vemos frentes de inovação sendo descontinuadas, orçamentos reduzidos, profissionais seniores sendo desligados e uma mudança de foco para a eficiência acima de tudo. Se você ainda não percebeu esse movimento, talvez sua empresa esteja vivendo fora da curva, mas no ecossistema de inovação brasileiro, basta olhar com mais atenção para sentir os abalos.

O mercado se corrigiu, o otimismo desapareceu e as organizações começaram a revisar suas iniciativas com a ressaca de quem exagerou.

E não é só uma questão de macroeconomia. Temos polarização política, tensões entre nações, cadeias logísticas comprometidas e incertezas por todos os lados. Para apimentar ainda mais, vem a explosão da IA, concentrando atenção e capital, levantando aquela pergunta básica: como nos apropriamos disso, tornamo-nos mais eficientes e evitamos ser atropelados por essa tecnologia que já está transformando o futuro do trabalho?

Menos capital, mais questionamento

Durante mais de uma década, a inovação aberta foi o grande hit corporativo, uma mistura de capital abundante e otimismo. Abraçar startups, metodologias ágeis e conceitos de disrupção parecia a fórmula mágica quando o dinheiro chovia e os investidores eram pacientes. Hackathons? Incríveis. Labs de inovação? Fantásticos. Resultados concretos? Nem tanto.

Mas a festa durou até 2022. A conta só veio para a agenda corporativa no final de 2023. O mercado se corrigiu, o otimismo desapareceu e as organizações começaram a revisar suas iniciativas com a ressaca de quem exagerou, acordou e se pergunta: “O que fizemos ontem?”. O que parecia moderno e disruptivo agora virou alvo de cortes no orçamento, porque… qual foi mesmo o retorno?

As corporações estão em um ponto de inflexão. Lembra quando “inovação pela inovação” era quase um slogan? Agora o mantra é “inovação com ROI, por favor”. Com os juros nas alturas e o mundo cada vez mais complexo, o capital tornou-se mais raro do que startups sem o discurso “vamos mudar o mundo”. E quando o capital seca, a pergunta inevitável é: esse orçamento de inovação está realmente fazendo alguma diferença?

Ouça também o podcast “Inovando em um veículo de inovação”, com Artur Faria e Paulo Emediato

Esse movimento reflete o que está acontecendo no mundo do venture capital (VC). Entre 2022 e 2024, a implantação de capital despencou, e os fundos de investimento ficaram mais seletivos do que hostess de festa VIP. Fundos de VC da safra de 2022 alocaram apenas 43% do capital comprometido em dois anos. Se até os VCs, conhecidos por arriscar, estão cautelosos, imagine as corporações, que nunca foram fãs de risco. O que acontece primeiro no universo do VC geralmente reflete nas organizações depois. Demorou, mas chegou.

Nos tempos de vacas gordas, hackathons, hubs e labs de inovação brotavam mais rápido do que cafeterias gourmet em bairros hipsters. O problema? Essas iniciativas geraram muitos aprendizados e parcerias “instagramáveis”, mas poucas conseguiram causar impacto significativo nos resultados da empresa. 

A verdade é que muitas delas nunca precisaram provar seu valor. Agora, com o capital mais escasso e conselhos impacientes, essas frentes de inovação estão sendo pressionadas a “entregar ou sair”. 

O mantra do “foco em resultado”

No Brasil, essa postura é ainda mais radical. Aqui, abraçamos tendências globais, mas não damos tempo para que engrenem – e depois culpamos o método. Já foi assim com o design thinking, agilidade, aceleração, e agora o ciclo se repete. Só que, desta vez, o desafio é mais estrutural do que superficial.

Em pesquisa informal no LinkedIn, onde sabemos que as pessoas tendem a compartilhar “o copo meio cheio” de suas experiências profissionais, a grande maioria dos votantes reforça essa percepção de foco em eficiência em suas corporações

Essa nova fase, que provavelmente se estenderá até o final de 2025, também está redefinindo o perfil dos profissionais de inovação. Se antes o talento era engajar comunidades e articular ecossistemas, agora o jogo mudou. As empresas buscam especialistas com uma visão mais madura de negócios e da viabilidade de mercado.

Não basta ser facilitador de workshops ou articulador de parcerias descoladas; o foco agora é traduzir inovação em impacto financeiro concreto. Inovação, neste novo cenário, tem que passar no teste do Excel, não só no do PowerPoint.

A verdade é que toda uma geração de profissionais nunca vivenciou um momento como esse. De 2008 para cá, o mercado só cresceu, as empresas prosperaram, e, apesar de alguns eventos pontuais, nada se compara à complexidade e resiliência exigidas agora. Depois de 15 anos, chegamos a um ponto em que o jogo precisa mudar estruturalmente – e nem todos estão preparados para isso.

Venture Builders e CVC são a solução?

Muitos acreditaram que a salvação da inovação estava nos Venture Builders e no Corporate Venture Capital (CVC). Parece bonito no papel, mas a realidade é que essas práticas são extremamente difíceis de executar com sucesso, especialmente em mercados ainda em amadurecimento, como o Brasil. 

As organizações entraram nessa onda, muitas vezes pressionadas por consultorias e pelo FOMO (sigla em inglês para o medo de não estar participando de uma experiência comum a muitos). No CVC, o desafio é conquistar a paciência corporativa até que o fundo comece a dar resultados – fator essencial para o sucesso. 

Estamos testemunhando uma evolução necessária – menos “washing” e mais pragmatismo, num teste de estresse que valoriza os mais eficientes e resilientes.

Muitos executivos acreditavam que poderiam aplicar as mesmas ferramentas corporativas ao jogo do capital de risco, por isso vemos tantos projetos sendo descontinuados. 

Já no Venture Building, o histórico é ainda mais complicado: várias falhas antes de qualquer resultado. É uma prática incerta, com poucos casos de sucesso consistente, e que exige governança distinta, incentivos bem estruturados e um nível de maturidade raramente encontrado, especialmente em tempos de escassez e incerteza.

E agora, o que fazer?

A inovação aberta, como a conhecíamos, precisa se reinventar. E sabe de uma coisa? Talvez essa seja a melhor notícia. Estamos testemunhando uma evolução necessária – menos “washing” e mais pragmatismo, num teste de estresse que valoriza os mais eficientes e resilientes. Movimentos de expansão e contração fazem parte de qualquer ecossistema saudável e ajudam a forjar ideias melhores, mais adaptadas a cenários cada vez mais complexos.

Esse movimento faz parte de um ecossistema saudável. O problema é que passamos muito tempo sem as correções necessárias para ajustar nossas práticas e desenvolver um repertório mais antifrágil para momentos menos favoráveis.

Mas e agora, o que fazer? Existe saída? Claro que sim. Nada é tão bom que não possa acabar, nem tão ruim que nunca passe. Já vemos movimentos em novas (ou nem tão novas) direções, afinal, nada mais inovador do que a nossa capacidade criativa para nos adaptar e encontrar caminhos – mas isso é assunto para um próximo texto. Se você chegou até aqui, obrigado (e até a próxima).

Paulo Emediato
Paulo Emediato trabalha com inovação em diversos contextos e organizações desde 2011. Atualmente é o CMO da Oxygea, um fundo de corporate venture capital e venture building, no qual lidera relacionamentos com o ecossistema focados em sustentabilidade e transformação digital na indústria. Como managing partner da DesignThinkers Group no Brasil, liderou projetos em mais de 100 clientes. Foi empreendedor no setor de educação e atua como professor de inovação e negócios na Miami Ad School e PUC Minas.

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