
Atualmente, cerca de 32,3% das lideranças de Recursos Humanos estão em busca de novas oportunidades e 56,4%, embora não estejam em um processo ativo, consideram-se abertas a novas oportunidades. Isso significa que cerca de 88,7% dos executivos pretendem realizar uma movimentação profissional ainda em 2025. Os dados são da pesquisa People Trends 2025, produzida pelo Evermonte Institute. Coincidentemente, em um estudo recente da Sage Group (2024), 83% dos líderes da área de Pessoas disseram estar esgotados em seus cargos atuais. Ainda que as bases de comparação sejam diferentes, é interessante observar que os dados apontam para uma tendência global consistente, na qual múltiplos fatores impulsionam mudanças significativas na carreira desses profissionais. E a movimentação é uma delas.
Entretanto, preciso dizer que as movimentações executivas não acontecem apenas em períodos de crescimento econômico (na chamada “guerra de atração e retenção”). Sem dúvida, momentos de expansão tendem a criar novas posições e estruturas, mas a instabilidade também impulsiona mudanças significativas. Em períodos de incerteza, as companhias buscam resolver desafios complexos, encontrar novas fontes de receita, reduzir custos e garantir sua continuidade. Geralmente, aquelas que agem de forma estratégica sob a pressão de um ambiente volátil acabam se reposicionando com mais força.
Eu atuo como headhunter há quase 15 anos. Posso dizer, com convicção, que a abertura para novas oportunidades impulsiona movimentações dos mais distintos níveis. Em contextos de crescimento ou instabilidade, muitos executivos optam por migrar de emprego, transitar entre setores ou assumir novas responsabilidades – e é justamente essa dinâmica que fomenta a atratividade de tantas empresas (e que pode prejudicar a retenção de outras).
Se, por exemplo, 27,4% dos líderes da área de Pessoas afirmam não enxergar oportunidades claras de crescimento em suas empresas e apenas 19,4% identificam possibilidades concretas de avanço no curto prazo, a falta de perspectiva pode estar diretamente ligada ao aumento da preocupação com a estabilidade futura. Ou seja, por mais que as companhias invistam em um pacote robusto de remuneração fixa, a insegurança em relação ao longo prazo pode perdurar – e até incentivar a transição.
É claro que há outros elementos, tangíveis e intangíveis, que permeiam essa discussão, mas uma estratégia de remuneração bem construída pode fazer uma grande diferença no processo de atração e retenção de executivos.
Em primeiro lugar, é preciso estar atento ao alinhamento dos anseios da organização em termos de gestão de pessoas. Depois, devemos refletir sobre as possibilidades de transformar esses anseios em realidade, a partir de incentivos que direcionem para isso.
Se o objetivo estratégico de uma companhia é, por exemplo, atrair e reter os melhores profissionais, olhar para o mercado e efetivamente compreender suas especificidades é fundamental. Sobretudo porqie os melhores profissionais, na maioria das vezes, terão uma pretensão salarial acima da média.
O segundo passo caracteriza-se pela análise de prioridades. Algumas empresas optam por não pagar aquilo que o mercado geralmente oferece, e isso acaba por tornar tudo mais complexo, uma vez que os melhores profissionais dificilmente irão realizar movimentações arriscadas ou não vantajosas. Logo, como é possível desenhar uma estratégia de remuneração conectada aos objetivos de longo prazo – e que seja realmente factível?
A remuneração fixa, basicamente, é a construção de tabela salarial com grades definidas, que leva em conta os diferentes níveis de complexidade e senioridades dentro da companhia. E esse talvez seja um dos pontos mais críticos quando falamos de gestão de pessoas, já que sua condução ineficiente pode acarretar uma série de desequilíbrios no orçamento anual.
Ao superestimar valores, o custo da folha de pagamento pode se tornar insustentável, colocando em risco a saúde financeira da empresa, especialmente em organizações de menor porte. Por outro lado, remunerações subestimadas podem prejudicar a competitividade no mercado, dificultando o processo de atração e a manutenção do profissional.
Sendo assim, uma abordagem adequada deve equilibrar competitividade externa (o quão atraentes são os pacotes salariais em relação ao mercado) com equidade interna (garantir que as remunerações reflitam proporcionalmente a complexidade e responsabilidade de cada função). É importante mencionar, ainda, que a remuneração fixa insuficiente gera um ciclo problemático: a dificuldade em atrair talentos qualificados é agravada pela facilidade com que outros empregadores, com propostas mais atrativas, conseguem retirar os profissionais da empresa. Isso não apenas prejudica a capacidade de construir times sólidos e de alto desempenho, mas também eleva os custos com recrutamento e treinamento, afetando diretamente a produtividade e a continuidade dos projetos e rotinas.
Não. Há vários motivos por trás de uma movimentação.Um deles é que as organizações vêm aumentando suas expectativas quanto à velocidade e à qualidade das entregas de seus executivos. Isso significa que, para se destacar, é preciso não apenas apresentar resultados consistentes em um curto espaço de tempo, mas também adaptar-se rapidamente às transformações. A instabilidade não pode ser um impeditivo para a agilidade. Deve, por outro lado, servir como combustível para novas ideias – e para uma atuação marcada pelo desenvolvimento contínuo.
Outro ponto importante a ser considerado é que a cultura de longos mandatos está chegando ao fim. Esse cenário é fruto de um redesenho organizacional que há tempos vem impactando o mercado executivo. Antes, estar em uma mesma organização por um longo período de tempo era visto como um ótimo diferencial. Hoje, em contrapartida, o executivo de longo prazo está dando lugar a visões mais céleres, e as cadeiras de liderança, no geral, estão evidenciando uma maior rotatividade.
As razões para isso são variadas e passam por dois vetores principais: o apelo do empreendedorismo e o grau de atratividade que o mercado oferece atualmente. No primeiro caso, falamos de executivos que deixam suas posições voluntariamente para empreender, buscando autonomia e propósito próprio. No segundo, destacam-se startups e scale-ups com propostas claras, estruturas flexíveis, modelos de partnership e forte ritmo de expansão – fatores que naturalmente atraem líderes de companhias mais tradicionais.
É importante ressaltar, no entanto, que há muitas outras razões envolvidas nesse movimento, que dependem do momento profissional e das ambições individuais de cada liderança.
Além disso, a instabilidade geopolítica e as tensões internacionais aumentam a imprevisibilidade no cenário global – no entanto, também podem representar brechas estratégicas.
Diante de tudo isso, surge a dúvida: é momento de recuar ou avançar? Em nível internacional, a tendência aponta para uma desaceleração. Mas, curiosamente, por que tantos executivos no Brasil seguem em movimento?
Grande parte da explicação está na capacidade de adaptação e resistência do mercado brasileiro – e das próprias lideranças nacionais. O tempo médio de permanência em cargos C-Level tem diminuído e, no Brasil, esse fenômeno é intensificado por reestruturações organizacionais, fusões, aquisições e mudanças de controle acionário. Ao mesmo tempo, aumenta a demanda por executivos com perfil altamente adaptável – profissionais capazes de liderar transformações digitais, entregar resultados no curto prazo e responder com agilidade à pressão de investidores. Setores como tecnologia, saúde, energia renovável e agronegócio são exemplos claros dessa dinâmica: vêm atraindo capital, ampliando operações e abrindo novas posições de liderança.
A realidade que presencio no dia a dia é a de um mercado que se reinventa de forma contínua – e de profissionais que, mesmo em meio a cenários de instabilidade, consideram a movimentação como um passo estratégico de carreira, e não como risco.
Não é só sobre remuneração, nem apenas sobre propósito: é sobre timing, contexto, expectativas realistas e coerência entre o que o executivo busca e o que a organização está pronta para oferecer.
A movimentação que estamos vendo agora não é fruto do acaso. Ela é o resultado direto de um mercado mais exigente, de líderes mais conscientes e de estruturas que já não comportam antigas fórmulas. Quem lidera hoje precisa estar preparado para entregar mais, mais rápido e, muitas vezes, em condições adversas. E quem contrata, precisa entender que atrair e reter os melhores vai muito além de uma boa oferta salarial. É preciso construir ambientes onde o desafio vale a permanência – e onde o futuro faça sentido. Até porque, o risco não reside unicamente na movimentação, mas na inércia de quem presume que não há necessidade de mudança.
*Artigo escrito por Felipe Ribeiro. Sócio e headhunter na Evermonte Executive Search, Felipe é engenheiro de automação com experiência em multinacionais e especialista em recrutamento de executivos para posições de C-level e conselho, com foco em tecnologia e RH. Além disso, atua como investidor no setor de tecnologia e inovação.