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Autoavaliações estimulam a autorreflexão

Responder a questionários de pesquisa pode aumentar a conscientização de um profissional, o que abre as portas para seu desenvolvimento

Angela Duckworth
29 de julho de 2024
Autoavaliações estimulam a autorreflexão
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“Conhece a ti mesmo.” 

— Sócrates (c. 469 a.C.- 399 a.C.)

Venho estudando o “grit”, ou garra, há 15 anos, mas a ideia de que as pessoas se agarram a algumas coisas por muito mais tempo do que outras não é totalmente nova. Há um século, a psicóloga Catherine Cox, de Stanford, estudou a vida de 301 artistas, cientistas e líderes que mudaram o mundo e descobriu que eles têm uma tendência marcante de se apegar a seus objetivos distantes e se dedicar obstinadamente a realizá-los.

Partindo do ponto onde Cox parou, decidi verificar se a garra – combinação de paixão e perseverança em relação a metas de longo prazo – poderia prever as conquistas também no século 21. Estava curiosa para saber como esse aspecto de nossa personalidade se relaciona com a idade, o gênero e o nível de educação. Queria descobrir os fundamentos motivacionais, comportamentais e cognitivos da garra. Queria estudar a garra cientificamente e, então, precisava mensurá-la.

Por que cientistas como eu são obcecados pela mensuração? Nas palavras imortais de Lorde Kelvin: “Quando você pode medir o que está falando e expressá-lo em números, você sabe algo sobre isso. Quando você não pode medi-lo e não consegue expressá-lo em números, seu conhecimento é limitado e insatisfatório – pode ser o começo do conhecimento, mas não evoluiu para o estágio da ciência.”

Questionários são uma das maneiras de avaliar qualidades pessoais como a garra. Testes de desempenho, avaliações de terceiros, dados biográficos e entrevistas são algumas alternativas. Mas, na pesquisa da psicologia, os questionários de autoavaliação são mais comuns, em parte pelo baixo custo e facilidade de aplicação.

As desvantagens de pedir às pessoas que classifiquem a si mesmas são óbvias: se você estiver motivado, pode dar um jeitinho de obter uma pontuação maior; pode interpretar os itens do questionário de maneira diferente daquela das outras pessoas; pode se colocar num padrão mais alto (ou mais baixo) etc. Mas os questionários de autoavaliação também têm vantagens únicas. Ninguém no mundo, além de você – nem seu chefe, seu melhor amigo ou até mesmo seu cônjuge – tem acesso o tempo todo a seus pensamentos, sentimentos e comportamentos. Ninguém possui mais interesse no assunto (você) do que você mesmo. E coletar informações usando questionários pode ser bem eficiente, além de tudo: um adulto médio leva cerca de seis segundos para ler, refletir e responder um item de questionário.

Por essas razões, decidi desenvolver um questionário de autoavaliação para a garra. Comecei entrevistando grandes empreendedores. Depois, condensei essas informações em frases de autoanálise e as resumi nas 12 que considerei mais válidas e confiáveis e que constituíram a “Escala de Garra”. Para simplificar, as reduzi a oito e criei a “Pequena Escala de Garra”. Perseverança, por exemplo, foi indexada por afirmações como “Eu termino tudo o que começo”. Os indicadores de paixão foram mais difíceis de desenvolver, em parte porque, quando você pergunta às pessoas se elas têm objetivos de longo prazo, elas tendem a responder afirmativamente. Assim, em vez disso, escrevi as frases em ordem inversa, como “Tenho dificuldade em manter meu foco em projetos que levam mais de alguns meses para concluir”.

Com esse questionário, descobri que a garra determina o sucesso profissional e acadêmico, particularmente em áreas que são valorizadas sob o ponto de vista pessoal e, ao mesmo tempo, desafiadoras. Eu descobri que, em sua essência, garra não tem relação com talento e inteligência; garra determina quanto você pratica para melhorar. Os escores de garra aumentam com a idade e, talvez em função disso, andam de mãos dadas com a motivação pela busca de propósito e significado para a vida, em oposição ao prazer.

Como cientista, eu não havia pensado muito sobre o efeito que a “Escala de Garra” teria nas pessoas. Até que conheci dois educadores visionários chamados Dave Levin – cofundador da rede de escolas charter dos EUA – e Dominic Randolph – diretor da Riverdale Country School.

Ambos os educadores eram apaixonados pelo tema da formação da personalidade e queriam ajudar seus alunos a entender o que isso significa, exemplificando características como garra, gratidão e curiosidade. Mas falar sobre personalidade de maneira abstrata se provou uma iniciativa infrutífera pois jovens de 13 anos não compreendem estímulos do tipo “mostre sua garra!”. 

A intuição dos professores continuava a ser de que conversas sobre pensamentos, sentimentos e comportamentos (que exemplificassem traços de personalidade) seriam uma base para o autoconhecimento dos alunos e, assim, para o crescimento. Então, eles acreditavam que questionários bem elaborados poderiam facilitar essas conversas.

Juntos, Dave, Dominic e eu trabalhamos para desenvolver um questionário que ficou conhecido como o “Character Growth Card” cartão de formação da personalidade, em tradução livre, que usa termos para adolescentes, definidos em conjunto com eles e seus professores.

Dave e Dominic convidaram alunos e professores de suas respectivas escolas para preencherem o questionário ao final de cada bimestre. As médias de desempenho em cada item foram compartilhadas abertamente com os alunos, seus professores e pais. Não havia um mínimo a atingir: a finalidade não era recompensar ou punir comportamentos “bons” ou “ruins”, mas discutir abertamente os dados.

Francamente, a ideia de que um questionário como a Escala de Garra poderia ser útil como ferramenta para a autorreflexão não tinha me ocorrido até que Dave e Dominic o sugeriram. Mas, em retrospecto, a noção parece incrivelmente óbvia.

Afinal, na minha carreira como consultora de gestão, eu havia usado o Myers-Briggs Type Indicator (MBTI). Apesar das propriedades psicométricas questionáveis e da limitada validade preditiva, os especialistas em recursos humanos reconhecem, respeitam e usam o MBTI mais do que qualquer outra avaliação. Se você está lendo este artigo, há uma boa chance de já ter feito o MBTI – e levado seu “horóscopo” de quatro letras a sério. (Para registro, eu sou um ENFP.)

Como as limitações do MBTI já foram descritas de modo eloquente algumas vezes, vou simplesmente salientar que milhões de pessoas usuárias podem estar erradas sobre a validade de seus insights, sim, mas não sobre a necessidade – urgente e sincera – de insight em si. Gastamos uma boa quantia e investimos um tempo precioso para fazer o MBTI porque queremos nos conhecer melhor.

Se tenho certeza de que os questionários de autoavaliação de fato cumprem esse objetivo? Se foi válido publicar a Escala de Garra em meu livro? Sim. E sim.

Há evidências indiretas de que refletir sobre os itens dos questionários de autoavaliação de personalidade pode catalisar a consciência e o desenvolvimento pessoal. Nós sabemos, por exemplo, que fazer perguntas hipotéticas sobre um comportamento específico pode nos influenciar a adotar esse comportamento no futuro. Também está bem entendido que o automonitoramento, observação intencional e consistente de nosso próprio comportamento, reforça o autocontrole em situações tão diversas como dietas, abstinência de bebida alcoólica e trabalhos escolares. Mais recentemente, alguns estudos de intervenção da psicologia positiva sugerem que identificar e posteriormente ser encorajado a desenvolver seus pontos fortes pode aumentar o bem-estar.

Quanta garra você tem? Como cientista, eu gostaria de saber. Mas talvez você também seja curioso sobre si, e esses indicadores possam ajudá-lo a se conhecer um pouco melhor. Se a consciência ilumina o caminho para o autodesenvolvimento, um questionário é um bom ponto de partida.

Angela Duckworth
Professora de psicologia da University of Pennsylvania e fundadora e CEO do Character Lab.

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