Cultura, mentalidade e questões jurídicas ainda são desafios para as relações comerciais entre Brasil e países como China e Japão
O Brasil tem uma longa história comercial com a Ásia, em especial China, Japão e Coreia do Sul. Em termos de exportação, o País fornece commodities como soja, milho, petróleo, açúcar, minério de ferro e carnes. Do lado de cá, mais recentemente, os brasileiros têm recorrido aos marketplaces chineses para o consumo de produtos variados, caso das plataformas Shein, AliExpress e Shopee. Além disso, algumas fintechs asiáticas estão passando pelo momento de obtenção de licença junto ao Banco Central para operar no Brasil.
Quais são os principais desafios enfrentados pelas empresas asiáticas para desenvolver, expandir e proteger seus negócios no Brasil? E do lado de cá, quais os desafios para as companhias nacionais entrarem no mercado asiático? Essas foram algumas questões abordadas durante o Fórum ao vivo: Os desafios jurídicos nas relações com empresas asiáticas, uma coprodução da MIT Sloan Management Review Brasil e de Pinheiro Neto Advogados.
O evento teve mediação de Gabrielle Teco, diretora-executiva da MIT Sloan Management Review Brasil, e contou com a participação de Yuka Ono, sócia da área empresarial, responsável pelo escritório do Pinheiro Neto Advogados em Tóquio e head do Japan Desk no Brasil; Raphael Palmieri Salomão, sócio do Pinheiro Neto Advogados em São Paulo; e Nancy Tsui Chung, consultora e head do China Desk do Pinheiro Neto Advogados.
O Brasil tem uma longa história comercial com a China, sendo este o maior parceiro do País desde 2009. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o total de exportações e importações entre os países somou o recorde de US$ 150,5 bilhões. Dos 27 estados brasileiros, 14 escolheram a China como principal destino para suas exportações. Em 2024, as nações comemoram 50 anos de relações diplomáticas.
Como head do China Desk, área destinada a fornecer suporte jurídico para clientes da Grande China e Singapura, Chung conta que uma das principais dificuldades que se estabelecem nas relações entre brasileiros e chineses está em nossa legislação. “Os chineses ainda perguntam muito sobre as leis tributárias, eles não entendem tributos federais, estaduais, municipais… E também querem entender questões trabalhistas, pois não sabem como funciona um sindicato, não é um mundo claro para eles. Por fim, claro, tem o sistema judiciário, e não é fácil explicar que o sistema aqui é quase imprevisível. Então tudo isso os deixa bastante aflitos”, afirma.
Para Ono, essa “zona cinzenta” das questões tributária, jurídica e trabalhista brasileiras é de alta complexidade para o investidor japonês: “na mentalidade do Japão, as coisas são preto ou branco, você pode ou não pode fazer. O investidor japonês chega com uma perspectiva de risk free e nosso papel também é controlar essa expectativa. Outro fator importante é a cultura, pois a régua de mentalidade asiática é muito diferente da nossa. Eu falo para os meus colegas sócios que perder o prazo é fatal. É fundamental ter tudo muito bem organizado para atender o projeto com disciplina e execução conforme combinado”.
De forma a garantir uma comunicação transparente, ética e sem ruídos, os advogados entendem que se faz necessária muita resiliência e adaptação, conforme conta Salomão, que trabalha muito próximo à Chung e Ono em ambos os desks do escritório.
“Esses são clientes muito sofisticados, com uma cultura própria. É muito gratificante trabalhar com eles, mas precisamos ter um poder de adaptação muito grande para enfrentar desafios que se impõem. Além da cultura e dos processos já citados, a questão do idioma também é essencial nessa conversa. Ainda que eles falem um pouco de inglês, o ‘lost in translation’ é muito comum. O fato de termos a Yuka e a Nancy aqui garante muito mais confiança a esses executivos. Com elas ali, eles podem tirar dúvidas na língua deles e elas entendem a forma como eles pensam. Esse tem sido um grande aprendizado para todos nós”, avalia Salomão.
A visão sobre o mercado brasileiro também tem mudado para esses países asiáticos. Todo o trabalho que tem sido realizado pelo País, em especial nas áreas bancária, de pagamentos e de criptomoedas, é reconhecido. Em termos de oportunidade para China e Japão, o Brasil significa um grande mercado ávido por tecnologia e a população tem um forte apetite pela inovação. Ao mesmo tempo, a atuação do Banco Central a respeito da adoção de tecnologias em questões financeiras e bancárias serve como grande impulsionador para investimentos de empresas por aqui.
“Nós temos um regulador do mercado financeiro que é muito técnico, porém muito entusiasta da inovação e da tecnologia. O Banco Central tem trabalhado para abrir o mercado bancário e financeiro brasileiro, trazendo mais competição, o que leva a mais e melhores produtos e preço mais baixo. Estamos falando de Pix, de open finance. Hoje temos diversos tipos de licenças mais ‘lights’ para que empresas possam pleitear crédito e abrir uma companhia de pagamento. Isso tudo contribui para a entrada de mais investidores e novos players, o que é uma grande oportunidade para os clientes asiáticos”, diz Salomão.
Esse entusiasmo por tecnologia também se reflete nos negócios asiáticos, especialmente os chineses. Chung conta que, embora o mundo tenha achado que a China ficou isolada durante a pandemia, o país correu para implementar novas formas de negócios, fazendo com que parte de suas cidades se tornassem “cashless”. O dinheiro físico tem sido deixado para trás, substituído por aplicativos como AliPay e WeChat Pay. Simultaneamente, o gigante asiático sofisticou seu mercado interno, fazendo com que os chineses tenham orgulho de ter produtos nacionais, como Xiaomi e Huawei.
Na onda das fintechs e dos meios de pagamento eletrônicos, onde a presença dos chineses é notória, o mesmo não acontece com a comunidade de negócios japonesa. Para Ono e Salomão, essa constatação é resultado da cultura conservadora e avessa a riscos do Japão. As empresas japonesas precisarão ter uma segurança jurídica maior para ingressarem com força no mercado financeiro/bancário brasileiro.
Os entrevistados são enfáticos: o panorama a respeito das parcerias entre Brasil e os dois países asiáticos é bastante positivo. Para Chung, embora as tensões e incertezas geopolíticas sejam fatores de atenção quando são projetadas relações entre ambos os países, o Brasil deve continuar como uma nação de grande interesse, especialmente diante da sofisticação do mercado nacional: “vejam só a quantidade de aplicativos, da influência das redes sociais, das compras online, do TikTok, dos games, do Pix! Eu acho que o Brasil tem se tornado cada vez mais um mercado complementar à China, há um bom ânimo dos dois lados”.
Ono, por sua vez, destaca a força do Brasil como fonte de energia renovável – com destaque para a questão do crédito de carbono – como aspecto determinante para seguir como parceiro do Japão. “A minha perspectiva é bastante positiva e temos muito potencial para fomentar os negócios na área ambiental”, projeta.
Por fim, Salomão reforça o papel do governo e do Banco Central brasileiros para a sustentação dessas relações, citando o memorando de entendimentos assinado com o Banco Central da China (PBC) para viabilização de transações internacionais feitas em yuan, a moeda chinesa, e convertidas em real de “forma mais rápida e menos custosa”.
“Esse memorando permite a transação sem necessidade de fazer a liquidação em dólar. Portanto, tirando essa intermediação com a moeda norte-americana, isso mostra claramente uma intenção de aproximação que deve facilitar as exportações, importações e o comércio financeiro entre os dois países. Eu sou otimista e acho que do ponto de vista do Brasil, a nossa legislação é muito moderna, feita por um regulador entusiasta de tecnologia e que está aberto a receber novos modelos. Tem tudo para dar certo”, finaliza o sócio.”