TECNOLOGIA 13 min de leitura

Colorindo o futuro da IA 2: revolução no mundo do trabalho

Como a inteligência artificial está mudando o cardápio da programação de softwares –e abrindo as portas para negócios hiperdigitais.

César Gon
31 de julho de 2024
Colorindo o futuro da IA 2: revolução no mundo do trabalho
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Cada vez mais centrais para todos os setores da economia e aspectos da nossa vida, o software está devorando o mundo –e a inteligência artificial está mudando o menu ao introduzir um novo nível de abstração ao processo.

Fascinado por esse tema, em 2023 apresentei uma masterclass sobre inteligência artificial na Corporate Innovation Summit, que antecedeu o Web Summit Lisboa. Essa apresentação foi baseada em uma coluna que escrevi para a MIT Sloan Management Review Brasil (“O software está devorando o mundo, e a IA está mudando o cardápio”).

E agora, enriquecida com mais reflexões, ela se transformou na série de artigos “Colorindo o futuro da IA”. Cada ideia foi ilustrada com uma obra de arte digital gerada por IA, inspirada em obras-primas da pintura e criada por meio de sessões de brainstorming envolvendo eu mesmo, ChatGPT e MidJourney (com agradecimentos a Andre Arruda pela legenda e pelos retoques).

Este é o segundo artigo da série, que será publicada neste mês de julho na MIT Sloan Review Brasil. As outras quatro colunas estão disponíveis nos seguintes links:

O software devorando o mundo

OBRA-PRIMA: A Grande Onda de Kanagawa, Hokusai (c. 1829-1833).

Famosa por sua representação dramática e dinâmica do poder da natureza, é uma das obras de arte japonesa mais reconhecidas mundialmente. Existem várias cópias em instituições como o Museu Nacional de Tóquio e o Metropolitan Museum of Art. A obra está em domínio público.

PROMPT DE IMAGEM: “Crie uma obra de arte digital inspirada em ‘A Grande Onda de Kanagawa’, de Hokusai, mantendo a onda icônica como ponto focal. A peça deve interpretar visualmente o influente artigo de Marc Andreessen de 2011, ‘O software está devorando o mundo’. Substitua os barcos por lojas físicas, jornais impressos, locomotivas a vapor, bancos físicos, caixas de correio e câmeras de filme.”

Great-Wave-of-Kanagawa

Esse artigo de Marc Andreessen, publicado no The Wall Street Journal em 2011, argumentava que o software estava se tornando cada vez mais central para todas as indústrias e aspectos da vida moderna, impulsionando grandes mudanças e interrompendo modelos de negócios tradicionais, transformando o mundo de maneiras novas e inesperadas.

Então, decidi ilustrar essa ideia da revolução do software, devorando todas as indústrias, com a incrível obra-prima “A Grande Onda de Kanagawa”, a famosa arte japonesa de cerca de 200 anos atrás. O paralelo aqui é entre o poder dramático e dinâmico da natureza e o poder dramático e dinâmico do software.

Todo mundo um dia vai programar?

OBRA-PRIMA: “Abaporu”, de Tarsila do Amaral (1928).

Essa pintura é um ícone do modernismo brasileiro, famosa por suas estratégias visuais únicas e por inspirar o “Manifesto Antropófago”. Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (MALBA). Copyright © Tarsila do Amaral Licenciamentos. Todos os direitos reservados.

PROMPT DE IMAGEM: “Crie uma obra de arte digital baseada em ‘Abaporu’, de Tarsila do Amaral, com um número crescente de programadores de computador sendo devorados pelo gigante Abaporu para simbolizar a imensa demanda global por desenvolvedores de software.”

abaporu

Nesse contexto, uma das perguntas mais frequentes que recebi de CEOs e líderes empresariais ao longo da última década foi algo como: “Cesar, com o ritmo atual de demanda por desenvolvimento de software, será que uma grande parte da humanidade precisará aprender a programar?”. Minha resposta padrão, quase acadêmica, tem sido: “Não, uma nova camada de abstração está no horizonte. É difícil prever quando e como, mas ela chegará.”

Minha resposta evasiva era uma dedução lógica baseada na evolução histórica do desenvolvimento de software. Começamos em 1946 com a conexão manual de fios e interruptores no ENIAC, o primeiro computador digital de propósito geral.

O paralelo aqui foi ilustrar o apetite insano por desenvolvedores de software com o gigante antropófago Abaporu. E eu adorei o resultado.

Seguiu-se a era dos cartões perfurados (segure-se, dinossauros!). Depois disso, tivemos a incrível introdução do teclado e da linguagem de montagem, e finalmente o fascínio das linguagens de programação modernas.

Cada uma dessas camadas sucessivas de abstração levou a ganhos significativos de produtividade de 10 a 100 vezes em comparação com a anterior.

Agora, preciso falar sobre essa obra de arte inspirada em Tarsila do Amaral e sua obra-prima Abaporu. Ela foi uma artista incrível e uma figura central em um dos movimentos artísticos mais importantes do Brasil na década de 1920, chamado “Movimento Antropofágico”. O paralelo aqui foi ilustrar o apetite insano por desenvolvedores de software com o gigante antropófago Abaporu. E eu adorei o resultado.

Uma nova camada de abstração

OBRA-PRIMA: “Nenúfares”, de Claude Monet (1914-1926).

Esta série é um dos pilares do movimento impressionista, capturando a essência do jardim de flores de Monet em Giverny, com foco na interação natural da luz, sombra e reflexo. As pinturas desta série estão expostas em vários museus ao redor do mundo, incluindo o Musée de l’Orangerie e o Musée d’Orsay em Paris, França. Esta obra está em domínio público.

PROMPT DE IMAGEM: “Crie uma composição visual que una os ‘Nenúfares’, de Claude Monet, com a essência conceitual da inteligência artificial. Imagine um lago sereno, a marca registrada das paisagens de Monet, onde a natureza encontra a era digital. Entre os nenúfares flutuantes e as suaves reflexões de luz, insira referências sutis à IA: talvez nenúfares com padrões que se assemelhem a placas de circuito ou reflexos que imitem linhas de código. As cores devem ser uma mistura da paleta tranquila e natural de Monet com toques de azuis elétricos e prateados metálicos, simbolizando a fusão da vida orgânica com a tecnologia.”

Water-lilies

E, finalmente, o alicerce para uma nova camada foi estabelecido: a IA já está revolucionando o desenvolvimento de software, promovendo um novo nível de abstração tão necessário para que possamos obter um impulso de 10 a 100 vezes novamente. Prazo? Minha suposição é de 10 vezes em 10 anos e 100 vezes em 20 anos. E sim, isso pode reduzir (um pouco) o apetite pantagruélico exponencial do Abaporu por desenvolvedores.

No entanto, cada nova camada traz muito mais do que apenas um aumento radical na produtividade –ela também aprimora nossas capacidades de resolução de problemas. Portanto, a verdadeira equação com software e tecnologia é a seguinte: toda vez que temos um salto na eficiência, também aumentamos a demanda, ampliando nossas ambições para lidar com uma nova classe de problemas que não eram abordáveis com o nível anterior de abstração.

Estou usando essa referência à clássica obra “Nenúfares”, de Claude Monet, como símbolo da transição do Realismo para o Impressionismo no final do século 19, que marcou a introdução de uma nova camada de abstração na forma como percebemos e experimentamos as artes visuais. Bem, também podemos dizer que com a IA, a engenharia de software se tornará mais borrada (ou difusa).

Redefinindo o trabalho de criar software

OBRA-PRIMA: “Les Demoiselles d’Avignon”, de Pablo Picasso (1907). Celebrada por sua ruptura radical com a composição tradicional e por iniciar o desenvolvimento do cubismo, apresentando uma representação crua e primitiva da forma humana. Museu de Arte Moderna (MoMA), Nova York, EUA. Esta obra está em domínio público.

PROMPT DE IMAGEM: “Crie uma obra de arte digital inspirada em ‘Les Demoiselles d’Avignon’, de Picasso, reinterpretada para ilustrar o tema ‘A IA está mudando o menu: Transformando o cenário do software e redefinindo o trabalho’. Substitua as figuras originais por representações abstratas no estilo cubista de trabalhadores modernos envolvidos com várias formas de tecnologia de IA, como computadores, robôs e fones de ouvido de realidade virtual. Essas figuras devem ser dispostas ao redor de uma interface central de IA brilhante que atua como o novo ‘menu’ do cenário do software. A composição geral deve manter as formas fragmentadas e angulares características do cubismo, simbolizando a natureza disruptiva e multifacetada do impacto da IA no trabalho.”

Les Demoiselles d’Avignon

Embora nem todos precisem saber programar, é altamente provável que a IA impacte todas as profissões baseadas em conhecimento, assim como aconteceu em cada revolução tecnológica do passado, desde a era industrial até a computação pessoal e a internet.

Minha afirmação ousada é a seguinte: em algumas décadas, a disparidade entre os empregos atuais e futuros será tão vasta quanto comparar ocupações medievais com as formas contemporâneas de trabalho.

O software continuará devorando o mundo, e a adição da camada de IA mudará drasticamente o menu de problemas possíveis que podemos enfrentar e a forma como trabalhamos. Pelo menos, essa era a ideia que eu estava tentando ilustrar com essa imagem inspirada em “Les Demoiselles d’Avignon”, de Pablo Picasso.

Um novo mundo de possibilidades

OBRA-PRIMA: “Um Domingo de Tarde na Ilha de La Grande Jatte”, de Georges Seurat (1884-1886). Renomado por sua técnica pontilhista e como uma peça principal do movimento neo-impressionista. Instituto de Arte de Chicago, Chicago, EUA. Esta obra está em domínio público.

PROMPT DE IMAGEM: “Crie uma pintura digital elaborada que reimagina ‘Um Domingo de Tarde na Ilha de La Grande Jatte’, de Georges Seurat, para incorporar o impacto transformador da IA na humanidade. A técnica do pontilhismo recebe um toque digital, com pixels representando os pontos de dados que alimentam a IA, mesclando-se em uma imagem coesa que representa a união da tecnologia e da sociedade. O cenário é sereno, mas vivo com o zumbido da inovação, simbolizando a integração perfeita da IA na vida cotidiana e seu papel na democratização do conhecimento, no avanço da medicina e no aprimoramento da educação global.”

A Sunday Afternoon on the Island-of-La-Grande-Jatte

Como uma tecnologia de propósito geral, a IA irá ampliar nossa capacidade humana de sentir, processar, aprender, compartilhar e agir. Mais pessoas terão acesso a ferramentas acessíveis que amplificam seu poder e criatividade, impactando suas vidas.

Isso está acontecendo mais rápido do que o esperado. Permita-me ilustrar isso com uma conversa que tive algumas semanas atrás. Eu estava em Nova York falando sobre IA com um gestor de fundos. Ele compartilhou que, embora sua empresa tenha bloqueado o uso do ChatGPT, sua mãe chinesa, que mora em Nova York, mas não fala inglês, tornou-se uma usuária assídua.

Ele disse que sua mãe estava feliz pela primeira vez desde que chegou aos EUA. Ela estava lendo notícias online, enviando e recebendo e-mails e se envolvendo felizmente com o mundo de maneiras que antes eram impossíveis para ela.

Leia também: “Como conectar a inteligência artificial e a inteligência humana”, de Luis Rasquilha

Agora, vamos considerar o potencial de usar a IA avançada para resolver problemas aparentemente impossíveis, como biologia humana, câncer, demência, longevidade, energia de fusão ou antecipação de desastres naturais.

Eu tenho outra afirmação audaciosa: nos próximos anos, as histórias concretas serão menos sobre derrotar o maior enxadrista do mundo (como o Deep Blue versus Kasparov em 1997) e mais sobre resolver um dos maiores desafios da biologia, o problema do dobramento de proteínas, como demonstrado pelo AlphaFold da DeepMind em 2020, usando técnicas avançadas de aprendizado profundo.

Finalmente, também podemos vislumbrar uma verdadeira democratização do conhecimento e da educação. Imagine crianças desfavorecidas em todo o mundo (na África, no Brasil, em áreas rurais da Índia ou da China) tendo acesso a tutores de chatbot por meio de seus telefones de baixo custo, recebendo educação personalizada e de qualidade.

Embora isso possa parecer utópico, pela primeira vez na história teremos a tecnologia para implementar isso em grande escala e a baixo custo. E, para ilustrar minha utopia, criei uma obra de arte baseada na obra-prima de Georges Seurat, do final do século 19.

As muitas possibilidades de negócios hiperdigitais

OBRA-PRIMA: “A Escola de Atenas”, de Rafael (1509-1511).

Uma obra-prima do Alto Renascimento, esse afresco é celebrado por sua representação da filosofia clássica com figuras como Platão e Aristóteles em seu centro. Palácio Apostólico na Cidade do Vaticano. Esta obra está em domínio público.

PROMPT DE IMAGEM: “Crie uma obra-prima digital que reimagina ‘A Escola de Atenas’, de Rafael, com um toque moderno para mostrar as incríveis oportunidades que a IA apresenta para os negócios. Nesta cena reimaginada, o grande salão se torna um incubador de empreendimentos futuristas, onde figuras históricas são substituídas por empreendedores, cientistas de dados e avatares de IA. Eles estão engajados em diálogo, cercados por telas e hologramas exibindo gráficos, análises e dados personalizados. A arquitetura está repleta de motivos simbólicos de conectividade, como redes neurais e vinhas digitais.”

The School of Athens

Bem, mudando de assunto agora, vamos direcionar nossa atenção para a nova era de possibilidades para os negócios, para o mundo corporativo. Gosto de explicar minha visão defendendo a IA como o marco que encerra o primeiro capítulo da revolução digital e a porta de entrada para um capítulo completamente novo de disrupção, que chamo de hiperdigital.

Ao longo da próxima década (em um período de dez anos), acredito que o hiperdigital se desdobrará em três atos: o “Ato Um” é a hiperprodutividade, pavimentando o caminho para o “Ato Dois”, a hiperpersonalização.

E essa progressão leva então ao “Ato Três”: o advento de novos modelos de negócios disruptivos, possibilitado pela redução exponencial no custo da tomada de decisões complexas.

Outra perspectiva a considerar é o quão rapidamente as startups e as empresas digitais nativas se moverão em comparação com as operadoras tradicionais. O desafio desses momentos revolucionários é que tendem a prosperar no ambiente fértil e inexplorado das startups e das empresas digitais nativas.

Os melhores espaços para a inovação corporativa ocorrem na interseção das novas possibilidades tecnológicas e dos novos comportamentos do consumidor.

No entanto, muitas vezes, leva anos para causar um impacto relevante no ambiente consolidado das grandes empresas estabelecidas. Em resumo, esses avanços precisam de tempo para se tornarem prontos para a empresa.

Eles devem atingir um nível de maturidade onde o potencial das novas tecnologias possa ser traduzido em valor para o cliente dentro de um quadro de confiabilidade, segurança e privacidade — fatores que são inegociáveis para empresas tradicionais e bem-sucedidas.

Ao mesmo tempo, essa área cinzenta é o playground das startups e dos ecossistemas de inovação. Outra pergunta que tenho recebido muito ultimamente é: quais desafios você acredita que as grandes empresas enfrentarão ao tentar se adaptar a esse novo cenário competitivo?

Com base na minha experiência em ajudar grandes empresas a abraçar a mudança, cheguei a acreditar que a velocidade da MUDANÇA é uma equação da velocidade do APRENDIZADO. Isso acontece em nível pessoal e corporativo.

Agora, o que há para aprender? Para responder a essa pergunta, é importante reconhecer que os melhores espaços para a inovação corporativa ocorrem na interseção das novas possibilidades tecnológicas e dos novos comportamentos do consumidor.

Essas duas forças de mudança estão interligadas. A verdadeira disrupção não ocorre com apenas uma dessas duas forças em jogo. O que estamos vivenciando agora com a IA cabe a ambas: um novo conjunto de caminhos tecnológicos combinado com a rápida adoção por milhões de consumidores.

Portanto, para aumentar a velocidade da mudança, as empresas precisam acelerar seu aprendizado em ambas as áreas: compreender as capacidades da IA e a própria tecnologia, bem como compreender as novas fronteiras do comportamento do consumidor em um mundo impulsionado pela IA.

O grande desafio é a VELOCIDADE DO APRENDIZADO, e é por isso que criei esta obra de arte de IA inspirada na obra-prima de Rafael, “A Escola de Atenas” – uma celebração do espírito do Renascimento.

César Gon
César Gon é empreendedor, fundador e CEO da CI&T, multinacional brasileira de serviços digitais, e investidor ativo em fundos de risco e startups. Premiado, em 2019, como o “Entrepreneur of The Year” pela EY no Brasil, é engenheiro da computação, com mestrado em ciência da computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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