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Como a preguiça pode ser o motor da inovação

Lentidão ou inspiração para a eficiência? Onde há o desejo de minimizar esforços, nasce uma poderosa força motriz para novidades

Luís Rasquilha
19 de julho de 2024
Como a preguiça pode ser o motor da inovação
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Preguiça é uma palavra que se refere à falta de disposição ou de vontade de trabalhar, fazer esforços ou realizar tarefas que exigem energia. Trata-se de um estado de inércia ou indolência, no qual a pessoa sente aversão a atividades que demandam empenho físico ou mental.

Além desse significado, preguiça é um substantivo que pode ser usado de forma mais leve ou brincalhona para descrever alguém que está relaxado ou sem pressa.

Em um contexto zoológico, a preguiça é um mamífero famoso por seus movimentos lentos e sua vida tranquila –o que reforça a associação com lentidão e ausência de pressa.

A preguiça tem sido vista por meio de uma lente negativa por séculos. Mas uma análise mais profunda revela que ela pode ser um dos principais motores da inovação.

O que a preguiça tem a ver com a inovação?

Essa ideia pode parecer contraintuitiva, mas ao longo dos últimos dois anos tenho explorado esse tema, que me foi despertado por minha esposa Viviane, uma advogada que tem olhado de fora a inovação e uma vez me disse: “acho que a preguiça é o motor da inovação”.

Parece estranho pensar dessa forma, mas muitas inovações importantes podem ter sido inspiradas pelo desejo humano de fazer menos esforço e economizar tempo. Por isso quis explorar como a preguiça pode estimular a criatividade e levar a grandes avanços tecnológicos, sociais e empresariais.

Desde as primeiras ferramentas de pedra até as máquinas modernas, muitos inventos foram desenvolvidos para tornar as tarefas diárias mais fáceis. A invenção da roda, por exemplo, revolucionou o transporte, reduzindo significativamente o esforço físico necessário para mover cargas pesadas.

Muitas inovações importantes podem ter sido inspiradas pelo desejo humano de fazer menos esforço e economizar tempo.

A Revolução Industrial trouxe máquinas para automatizar tarefas repetitivas, liberando as pessoas para se concentrar em trabalhos mais intelectuais. A criação de linhas de montagem, como as implementadas por Henry Ford, foi um marco na redução do trabalho manual intenso.

Mais recentemente, o desenvolvimento de computadores e softwares foi impulsionado pela necessidade de processar informações rapidamente e com menos esforço humano. As calculadoras, as planilhas eletrônicas e os bancos de dados também são exemplos disso.

A preguiça muitas vezes leva à busca por soluções mais simples e eficientes para problemas complexos. A frase “trabalhe de forma inteligente, não árdua” resume bem essa abordagem. Por exemplo, a invenção do controle remoto surgiu da necessidade de não se levantar para mudar os canais da televisão. Momentos de ociosidade podem ser extremamente produtivos pois permitem que a mente vagueie, levando a ideias inovadoras e criativas.

Grandes pensadores, como Isaac Newton ou Albert Einstein, fizeram algumas de suas maiores descobertas durante períodos de relaxamento e contemplação – os chamados momentos de flow.

Momentos de ociosidade podem ser extremamente produtivos pois permitem que a mente vagueie, levando a ideias inovadoras e criativas.

A criação de aplicativos e dispositivos que simplificam nossas vidas é um exemplo atual de como a preguiça impulsiona a inovação. Smartphones, assistentes virtuais (como Alexa ou Siri) e robôs de limpeza foram todos desenvolvidos para reduzir o esforço e aumentar a conveniência.

Agora, a IA e a automação estão transformando setores inteiros ao realizar tarefas complexas com mínima intervenção humana. Algoritmos que aprendem e se adaptam são projetados para otimizar processos, reduzindo a necessidade de esforço humano constante.

Alguns exemplos de preguiça inovadora

A criação do Google (por Lawrence Page e Sergey Brin) foi motivada pela necessidade de encontrar informações rapidamente e com o mínimo esforço. A missão de organizar a informação mundial e torná-la universalmente acessível e útil é uma manifestação clara da inovação motivada pela preguiça.

Elon Musk frequentemente fala sobre a importância de simplificar processos complexos. O desenvolvimento de veículos elétricos e foguetes reutilizáveis são exemplos de inovações que reduzem o esforço e o custo em longo prazo.

Pesquisando bem, inúmeros exemplos podem ser enquadrados nesta tese de que a inovação pode muito bem ser gerada pela preguiça. Vejamos alguns:

  • Máquina de lavar roupas: foi desenvolvida para automatizar o processo e economizar tempo e esforço físico.
  • Lava-louças: reduziu o trabalho manual e liberou tempo para que as pessoas pudessem se dedicar a outras atividades.
  • Micro-ondas: tornou o aquecimento e a preparação de alimentos muito mais rápidos e convenientes.
  • Elevadores e escadas rolantes: facilitam o deslocamento vertical em edifícios altos como arranha-céus e grandes centros comerciais.
  • Controle remoto: foi criado para permitir o controle à distância, evitando que as pessoas precisassem se levantar repetidamente.
  • Robô aspirador: funcionam de forma autônoma, limpando a casa enquanto os proprietários realizam outras atividades ou descansam.
  • Plataformas de streaming: dão acesso instantâneo a uma vasta biblioteca de filmes, séries e músicas, eliminando a necessidade de ir a uma loja de locação ou comprar mídias físicas.
  • Automóveis autônomos: estão sendo desenvolvidos para reduzir o esforço envolvido em dirigir, permitindo que as pessoas relaxem, trabalhem ou se divirtam enquanto são transportadas.
  • E-commerce: revolucionou a forma como compramos, permitindo que as pessoas adquiram produtos e serviços sem sair de casa.
  • Assistentes virtuais: realizar tarefas por meio de comandos de voz, sem a necessidade de interação manual.
  • Refeições prontas e serviços de entrega: atende à demanda por conveniência, permitindo que as pessoas desfrutem de uma variedade de alimentos sem precisar cozinhar ou sair de casa.
  • Ferramentas de gestão de tarefas e automação: economizam tempo e reduzem a necessidade de intervenção manual em tarefas administrativas.
  • Sistemas de pagamento por aproximação: tornam as transações mais rápidas e convenientes, eliminando a necessidade de carregar dinheiro ou cartões físicos.
  • Controle de temperatura inteligente: aprendem as preferências dos usuários e ajustam automaticamente a temperatura para economizar energia e aumentar o conforto.

Esses são apenas alguns exemplos – podemos encontrar muitos outros adotando essa lente de análise. A preguiça, quando entendida como o desejo de minimizar o esforço e maximizar a eficiência, pode ser uma poderosa força motriz para a inovação.

Ao buscar soluções que tornem a vida mais fácil, indivíduos e empresas criam produtos e processos que beneficiam toda a sociedade.

Portanto, em vez de ser vista como um vício ou uma característica negativa, a preguiça pode ser reconhecida como uma virtude criativa que impulsiona o progresso humano – se soubermos usá-la com esse objetivo.

Luís Rasquilha
CEO da Inova TrendsInnovation Ecosystem e professor da Fundação Dom Cabral (FDC), Hospital Albert Einstein e Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

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