A ambidestria organizacional pode ajudar nas diferentes formas de corporate venturing
Dos R$ 46 bilhões de venture capital investidos em 2021 em milhares de startups no Brasil, dez atingiram o status de unicórnio. Esse cenário é uma ameaça real para as empresas estabelecidas.
Entretanto, inovação não é exclusividade de startups. As empresas estabelecidas também podem criar e escalar novos negócios. A AWS, operação de serviços de computação em nuvem desenvolvida pela Amazon, contribuiu com 13% da receita e 100% dos lucros da empresa no quarto trimestre de 2021. O Zé Delivery, aplicativo da Ambev de venda de bebidas em domicílio, fez 29 milhões de entregas no primeiro semestre de 2021.
São casos incríveis de empreendedorismo corporativo (EC) e, mais especificamente, de corporate venturing (CV). O corporate venturing é uma estratégia de criação e investimento em novos negócios para explorar outros usos para competências existentes e desenvolver competências que ampliem o alcance da empresa. Outro exemplo é a Nespresso, da Nestlé, que em 2020 faturou US$ 6,4 bilhões.
O CV tem sido praticado e estudado desde o final dos anos 1970. Nos últimos tempos, as mudanças tecnológicas e de mercado ampliaram a demanda por esse tipo de movimento. Segundo pesquisa da Mckinsey, o desenvolvimento de novos negócios é uma das três prioridades para 52% dos executivos. Será que grandes empresas conseguem desenvolver novos negócios? Quais os principais modelos e desafios?
Os incumbentes têm três formas de se organizar para criar “startups corporativas”:
1. Corporate venture externo – CVE: Envolve novos negócios criados por partes externas à organização, posteriormente investidos ou adquiridos. Pode ser feito por meio do investimento minoritário em startups independentes, assim como por meio de joint ventures com outras empresas. O CVE resulta na criação de estruturas autônomas ou semiautônomas fora da estrutura da empresa e, por isso, permite acessar novos conhecimentos e desenvolver novas competências.2. Corporate venture interno – CVI: Foca na criação de negócios desenvolvidos internamente, de propriedade da corporação, que residem na estrutura corporativa vigente. Os negócios são criados e alocados dentro dos limites da firma, ainda que sejam operados de maneira semiautônoma. É uma forma interessante para desenvolver novas capacidades e gerar resultado alavancando recursos existentes em novos contextos.3. Corporate venture building – CVB: Combina recursos internos e externos para desenvolver novos negócios. Nesse modelo, times internos, um empreendedor residente e times externos colaboram para criar e escalar novos negócios em que o incumbente será controlador. O tema tem sido bastante discutido. O CVB é uma nova forma de fazer venturing dentro de grandes empresas no modelo que Edward B. Roberts chamou de “new style ventures” nos anos 1980.
Criar novos negócios em empresas estabelecidas não é fácil nem rápido. Escalar novos negócios é ainda mais desafiador. Estudos realizados na Nortel e na Intel ilustram o tema. Na Nortel, apenas 20% dos projetos incubados foram aceitos pelas unidades de negócios, número quatro vezes inferior ao planejado. A iniciativa de novos negócios da Intel teve 48 projetos em 2007. Catorze cresceram e foram incorporados a unidades de negócios, mas onze foram encerrados logo depois.
Empreender em organizações existentes é diferente de empreender em startups independentes. No ambiente corporativo, os novos negócios são, frequentemente, dedicados a espaços de mercado desconhecidos e diferentes da estratégia da empresa-mãe. No entanto, para escalar eles precisam de recursos como marca, relacionamentos, conhecimentos e canais de distribuição administrados pelo core business. Em função disso, uma startup corporativa tem dois desafios:1. Validação externa da solução no mercado como qualquer startup.2. Validação interna do negócio junto à alta gestão e às unidades de negócio.
Ainda que parte das iniciativas não exija a formação de uma nova empresa, os novos negócios têm interfaces com as estruturas corporativas e unidades de negócio do core business. Essas interfaces geram tensões estratégicas, estruturais e cognitivas perigosas para o scale-up dos novos negócios, porque as abordagens de gestão são incompatíveis. Governança, processos e papéis das pessoas são muito diferentes nos dois contextos.
A administração da relação entre a startup corporativa e a empresa-mãe deve ser feita pela alta gestão de forma proativa, a fim de antecipar conflitos e arbitrar caminhos. O principal desafio é organizar o necessário grau de separação e os eixos de integração que dão autonomia e força ao novo negócio. A ambidestria organizacional é o processo de conseguir, ao mesmo tempo, otimizar o negócio existente e criar novos. Há três formas de se organizar:
1. Separação estrutural: Nessa abordagem, criam-se duas estruturas separadas, uma focada em extrair do negócio existente e a outra em explorar novas oportunidades. Assim, cada unidade utiliza a abordagem gerencial mais adequada ao seu contexto.2. Separação temporal: A organização alterna períodos de “explore” e “exploit”. Numa fase de maior ruptura, a empresa se concentra em explorar. Em tempos em que precisa trabalhar na maturação, foca no negócio-mãe.3. Separação contextual: Consiste em criar um ambiente interno de suporte que convida cada time a distribuir seu tempo em função dos dois movimentos. Nessa abordagem, as pessoas fazem as duas coisas ao mesmo tempo.
A separação estrutural tem sido o caminho recomendado, mesmo que estudos indiquem que autonomia não é suficiente. É preciso integrar, formal e informalmente, as duas partes para evitar desalinhamento de objetivos e dificuldade de acesso aos recursos para alavancar o crescimento do novo negócio.
Quando as startups corporativas estão estrategicamente conectadas com a empresa-mãe, os novos negócios crescem com força e autonomia. Na IBM, por exemplo, um programa de negócios emergentes entre 2000 e 2008 que aplicou as prescrições da ambidestria se mostrou um sucesso. Foram 25 iniciativas. Apenas três fracassaram e as demais tiveram impacto relevante na receita da empresa.
O contra-ataque dos incumbentes passa por combinar os modelos de venturing mais adequados e ter a disciplina e paciência para equilibrar separação e integração. Para isso, devem se transformar numa mistura de Golias, com força e alcance, com a agilidade e ousadia de Davi.”