Plataformas vencedoras exigem que líderes e seguidores trabalhem para promover os interesses uns dos outros
Um ecossistema em que uma única empresa é a protagonista é, na verdade, “egossistema”. Rótulos como “ecossistema Google” e “ecossistema Facebook” soam impressionantes de início, mas escondem uma dura verdade: estratégia de ecossistema equivale a estratégia de alinhamento.
Definir ecossistemas em torno de empresas nos impede de ver os obstáculos de alinhamento e limita nossa capacidade de elaborar estratégias adequadas. A presunção de centralidade torna mais difícil para os líderes dos ecossistemas criar estratégias que atraiam seguidores, e mais difícil para os parceiros saber em que apostar.
A Apple tem sido muito bem-sucedida em expandir seu ecossistema de dispositivos móveis de dados – do iPod para o iPhone, para o iPad, para o Apple Watch –, com suas plataformas App Store e iOS. Mas tem decepcionado em seus esforços de criar negócios que exijam novos ecossistemas. As falhas da Apple no cumprimento de novas promessas ambiciosas se escondem por trás dos lucros que jorram de seu ecossistema central, mas são fracassos, sim: para ela e para seus parceiros.Se o alinhamento bem-sucedido de parceiros em novos ecossistemas é um desafio para uma empresa sofisticada como a Apple, concluímos: (1) nenhum aspirante a líder de mercado deve ter a ilusão de que seu sucesso em um ecossistema se traduzirá naturalmente em liderança em outra seara; e (2) nenhum aspirante a seguidor deve presumir que seguir líderes estabelecidos rumo a novos domínios seja uma aposta segura.
Para acertar a mira, é preciso que cada player ancore sua noção de ecossistema nas propostas de valor que quer atingir, não em identidade corporativa. É essa mudança de mentalidade que sustenta a formulação e a execução de estratégias mais bem-sucedidas de líderes e seguidores em um mundo ecossistêmico.
Cada ecossistema definido em torno dos papéis, posições e fluxos entre parceiros que criam uma proposta de valor exige uma estratégia de alinhamento única. A Apple participa dos ecossistemas de saúde, educação e automação residencial. Mesmo que essa participação esteja ancorada em muitos dos mesmos elementos (iPhone, iOS, App Store), seu papel e sua posição dentro da coalizão de parceiros críticos que cocriam esses ecossistemas são diferentes em cada caso: não existe um “ecossistema Apple” monolítico. Ou seja, a Apple e seus parceiros não devem esperar que sua liderança em um ecossistema se estenda automaticamente a outros.Costuma fazer sentido que as empresas se esforcem para ser líderes em suas áreas, já que isso gera lucro e orgulho. Mas, no caso dos ecossistemas, a hierarquia é diferente. Em um ecossistema de sucesso não há perdedores, apenas parceiros que ganham de maneiras diferentes. Já num ecossistema malsucedido, só há perdedores. Falhar na liderança de um ecossistema é falhar na criação de valor. Em diversas indústrias, tentar alcançar o “primeiro lugar” e fracassar, muitas vezes, torna as empresas melhores por terem feito o esforço. Mas há pouco consolo em esforçar-se e ficar em “último lugar” num ecossistema. Veja como fica a situação de vencedores e perdedores em relação a isso:
Primeiro lugar. No topo estão os líderes dos ecossistemas de sucesso. Essas empresas conseguiram alinhar seus parceiros num conjunto de posições coerentes e mutuamente aceitáveis. Seus parceiros aceitam a orientação e os limites que orientam a colaboração. O líder faz o investimento inicial em tempo e recursos para alcançar tal alinhamento e é recompensado com uma fatia maior do total.Segundo lugar. Os seguidores de ecossistemas de sucesso são contribuintes e beneficiários da capacidade do ecossistema de manifestar a proposta de valor. A fatia de ganhos dos seguidores em geral é menor que a do líder (embora nem sempre), mas seus investimentos também são. Isso significa que, para os seguidores de ecossistemas de sucesso, os retornos relativos podem ser bastante atraentes.
Terceiro lugar. Nesta posição estão os seguidores de ecossistemas malsucedidos. Eles perdem quando um ecossistema falha, mas, como suas apostas são relativamente baixas, têm perdas pequenas.
Último lugar. Os maiores perdedores são os líderes dos ecossistemas malsucedidos – as empresas que investem dinheiro, tempo, largura de banda e prestígio. Quando o ecossistema não converge, são elas que enfrentam as maiores perdas.
Os esforços da Apple na área de pagamentos por dispositivos móveis refletem os limites da liderança de um ecossistema. Desde 2010, gigantes tecnológicas e líderes do varejo e das telecomunicações têm apostado muito nos pagamentos móveis por aproximação. “O Apple Pay mudará para sempre a maneira como todos nós compramos as coisas”, anunciou o CEO Tim Cook em 2014. Mas demorou até 2019 para que o Apple Pay superasse o app da Starbucks e chegasse ao primeiro lugar nas transações de pagamento móvel nos EUA. Isso é um fracasso. A dificuldade de Apple e outros grandes players para liderar um ecossistema de pagamento móvel bem-sucedido ocorre porque muitos desejam liderá-lo, caindo na armadilha do egossistema.
O sucesso nesse caso depende da colaboração entre quatro tipos de players: fabricantes de smartphones, bancos, varejistas e operadoras de celulares. Todos eles veem uma clara vitória na transição para pagamentos móveis. A Apple, com a liderança incontestável do ecossistema do iPhone, os milhões de usuários e o controle direto de sua App Store, vê os pagamentos móveis como uma importante extensão de seu ecossistema. Da perspectiva da Apple, os outros três players seriam naturalmente seguidores: bancos e varejistas submeteriam seus apps à inspeção e aprovação, conforme os requisitos para distribuição na App Store, e as operadoras de telefonia seriam felizes vendedoras de iPhones e planos de serviços.
Sempre há alguma tensão quanto às questões comerciais (desenvolvedores que questionam as altas comissões da App Store, por exemplo), mas realinhar os parceiros rumo a uma nova proposta de valor pode gerar desacordos maiores sobre papéis e posições.
A entrada da Apple na área de pagamentos preocupou os bancos. Uma coisa era oferecer serviços semelhantes aos da web em um aplicativo móvel, outra era fazer com que um fabricante de telefones entrasse em sua parte do fluxo de valor. A Apple dirimiu as dúvidas com uma estratégia de alinhamento magistral: os usuários precisavam escolher um cartão default – o cartão preferido – para todas as transações via Apple Pay. A estratégia era clara: os bancos que não estivessem prontos para dar suporte ao Apple Pay perderiam a chance de ser o cartão preferido do usuário. Em fevereiro de 2015, mais de 2 mil bancos tinham se integrado.
Porém alinhar com sucesso apenas um tipo de player não garante o ecossistema. AT&T, Verizon e T-Mobile, as três maiores telecoms dos EUA, haviam lançado iniciativas próprias de pagamento móvel em 2010 e já tinham investido centenas de milhões de dólares nisso, supondo que os fabricantes de celular seriam seguidores intercambiáveis e comoditizados.
Os maiores varejistas dos EUA tinham uma perspectiva diferente quando se uniram para criar a Merchant Customer Exchange e liderar o ecossistema. Para eles, os pagamentos móveis representavam uma oportunidade de redefinir as altas tarifas das transações com cartão de crédito. Além disso, a vinculação de pagamentos a smartphones permitiria a coleta de dados dos consumidores para melhor direcionar promoções, criar programas de fidelidade e prever estoque. Em suma: a questão era que muitos dos parceiros-chave necessários para o sucesso da Apple Pay se viam como tudo, menos como seguidores.
O uso de pagamentos móveis nos EUA aumentou durante a crise da covid-19, impulsionado pela pandemia. Mesmo assim, o valor em dólares das transações permanece muito abaixo do valor dos cartões de crédito, e a tecnologia ainda está longe de cumprir a promessa de “mudar para sempre a maneira como compramos as coisas”. Em algum momento, os pagamentos móveis poderão dominar as transações nesse país. Se e quando o fizerem, duas coisas se tornarão fato: o alinhamento entre os players terá sido alcançado e o sucesso terá vindo com incrível ineficiência, bem depois do fracasso em atender às expectativas originais de líderes e seguidores.
Qual a lição a aprender? Presumir liderança cria uma falsa noção de alinhamento. E também do que se entende por sucesso para líderes e seguidores.
Esses ecossistemas só falham quando os aspirantes a liderar finalmente entregam os pontos. Esta é a triste armadilha do egossistema: você pode apoiar a si mesmo como candidato à liderança enquanto estiver disposto a investir, não importa se os parceiros de que precisa consideram sua candidatura improvável ou irracional. O único limite para as empresas continuarem a gastar é o saldo de suas contas ou a paciência de seus investidores. É por isso que vemos as mesmas empresas atuando em tantos ecossistemas e avançando tão pouco. Mas há dois passos que líderes podem dar para aumentar as chances de uma estratégia bem-sucedida.
Identificar quando vale a pena competir por liderança. A escolha depende da empresa e do contexto. Uma liderança ecossistêmica bem-sucedida depende da resposta convincente a uma pergunta-chave: seus parceiros concordarão que é melhor seguir a sua liderança do que eles próprios lutarem pelo posto de líder?Um “sim” claro indica que você tem uma reivindicação defensável – embora não garantida – de liderança. Um “não” é sinal de que a sua ambição pode ser infundada e você se arrisca a acabar no fim da fila. Procurar onde as respostas exigem “não” ou “talvez” é a chave para identificar os limites de seu ecossistema, seu papel no ecossistema e sua escolha de parceiros.
No caso de novos parceiros, os líderes precisam se precaver contra o excesso de confiança baseado no entusiasmo compartilhado em torno da proposta de valor. O obstáculo aqui raramente é o mérito do esforço, mas sim o debate fundamental sobre quem definirá o ritmo, a direção, as regras do ecossistema. Se todos os envolvidos pensam que a resposta é “eu”, podemos prever a paralisia.
Com parceiros já existentes, o excesso de confiança pode vir de expectativas baseadas em papéis anteriores no ecossistema. A suposta liderança que a Apple estabeleceu com o iPhone a legitimou para ditar os termos em pagamentos móveis, mas só até certo ponto. Como a proposta mudou da conveniência online para operações financeiras – atividades mais próximas do núcleo de negócios dos parceiros –, a ideia de liderança mudou drasticamente.
Estimular os outros a seguir você. A função do líder do ecossistema é conduzir o alinhamento. Não importa só o que você quer fazer, mas o que os outros estão dispostos a fazer com você. Ao contrário do que ocorre nos EUA, os pagamentos móveis têm sido revolucionários na China. A comparação é instrutiva, pois a diferença não está apenas na força da alternativa existente (a China não tinha um sistema de pagamentos com cartão de crédito), mas na abordagem adotada pelos líderes bem-sucedidos para alinhar o ecossistema. Apesar de a China ser quase uma tábula rasa, o desafio por lá era tão real quanto nos EUA. Porém, lá a proposta de pagamento móvel foi encabeçada por Alibaba (líder no comércio eletrônico) e Tencent (líder no envio de mensagens), e não por bancos e operadoras de celular.
Partindo de posições iniciais muito diferentes, as duas empresas seguiram uma estratégia de alinhamento sequencial. A proposta de valor e os parceiros necessários seguiam uma ordem lógica e cronológica. Para o Alibaba, os clientes que procuravam alternativas ao pagamento em dinheiro levaram à Alipay, carteira digital financiada com dinheiro depositado em uma conta separada e segura para pagamentos. Para a Tencent, um método peer-to-peer para transferir dinheiro entre usuários de seu sistema de mensagens resultou no WeChat Pay. Ao permitir o acesso a um número crescente de comerciantes e serviços online de terceiros, a Tencent entrou aos poucos na área de pagamentos móveis no mundo físico. E conseguiu isso com o uso de QR codes gerados por aplicativos que podiam ser digitalizados com a câmera do celular da contraparte – uma abordagem que não exigia investimentos significativos do comerciante.
O progresso com os parceiros, por etapas, deu a fundamentação estratégica para que os novos parceiros concordassem em ser seguidores. Adotar o passo a passo pode ser muito mais produtivo do que tentar alinhar todo o sistema de uma só vez.Para estar confiante em sua liderança à medida que se desloca para um novo espaço, você deve confiar que os seguidores valorizarão sua liderança mais do que a própria candidatura ao papel de líder.
Os inovadores sábios do ecossistema sempre verão o conjunto completo de opções na hierarquia dos vencedores antes de se comprometerem com um papel. Eles sabem que ter uma grande ideia e os recursos certos é um começo, não um fim. Se você não conseguir alinhar outros em torno de sua liderança, pode se afastar para buscar outra oportunidade. Mas melhor do que isso é achar uma maneira de encaixar sua oferta dentro da visão de outra empresa – pensando que o papel de seguidor pode ser moldado – e desenvolver uma estratégia para segui-la com sucesso.
Ser um seguidor não é menos estratégico do que liderar, mas as regras são outras. Em um ecossistema novo, os seguidores têm o poder de determinar o líder. Assim que o líder é estabelecido e o sistema está seguro, no entanto, o poder dos seguidores pode diminuir. Os seguidores inteligentes saberão observar como essa janela de influência se abre e se fecha. Também vão saber que os papéis não são permanentes e reconhecer que detêm o poder de mudar os líderes e, assim, ter potencial para se apropriarem da liderança. Entender essas implicações é a diferença entre os seguidores inteligentes e os ingênuos. Há dois passos fundamentais para os seguidores:
Escolher o líder certo para você. Os seguidores inteligentes em um ecossistema emergente detêm um poder único: escolher proativamente e apoiar o plano de um aspirante a líder. Eles reconhecem que o valor de seu apoio lhes dá muita influência na medida em que impulsionam esse líder, trocando poder por influência, ou seja, escolhem seu líder com cuidado e pensam cuidadosamente no que querem em troca.
Se você preferir ser um seguidor, primeiro entenda como um candidato a líder constrói a proposta de valor do ecossistema e se isso é coerente com sua visão e sua estratégia. Embora um ecossistema seja uma colaboração, cada empresa define a própria estratégia, que abrange estrutura, papéis e riscos. Quanto maior a coerência nas estratégias dos players relevantes, maior a probabilidade de que suas ações convergirão e serão bem-sucedidas. Em segundo lugar, se as ações da liderança fazem sentido para você, pergunte-se se elas também farão sentido para os outros participantes. Não basta que um player esteja disposto a seguir o líder se os outros não estiverem. Terceiro, antes de vincular recursos e credibilidade a um líder, seguidores devem ter clareza quanto a seus objetivos e motivações. O líder ganha quando você ganha, e vice-versa? A resposta deve ser “sim”.
Moldar o jogo. Os seguidores devem analisar como querem interagir entre si – é aqui que os mais inteligentes fazem seus melhores movimentos. Um ótimo exemplo é o caso dos prontuários eletrônicos (EHR, na sigla em inglês), que alimentaram a promessa de eficiência no sistema de saúde dos EUA. Por 20 anos, a indústria de tecnologia fez lobby para manter o governo fora da discussão, assumindo que a regulamentação prejudicaria os negócios. Mas, depois de todo esse tempo sem conseguir persuadir os provedores de assistência médica a comprar sua tecnologia, o setor concluiu que não estava em posição de liderar. Para os provedores, o problema era o custo do sistema e da manutenção dos prontuários eletrônicos e a resistência dos médicos ao aumento de sua carga de trabalho com o input de dados.Os gigantes de TI Cerner e Epic decidiram então se tornar seguidores, fazendo um bem-sucedido lobby para que o governo assumisse a liderança no alinhamento do ecossistema. Foi aprovada uma regulamentação em 2009 (o Health Information Technology for Economic and Clinical Health Act) e o governo assumiu o comando: considerou as metas da indústria de TI, penalizando os fornecedores que não adotassem os prontuários eletrônicos, e também as metas dos hospitais, subsidiando a adoção da tecnologia.
Ao todo, houve um aumento de US$ 27 bilhões nos pagamentos de Medicare e Medicaid para “uso significativo de sistemas EHR certificados”. Em 2015, quem não tivesse adotado os prontuários eletrônicos “significativamente” (com a atualização constante dos dados) teria seus pagamentos cortados. Embora o uso maciço dessa tecnologia fosse desagradável para os hospitais, não era algo oneroso a ponto de fazer não valer a pena.
Os hospitais então concordaram em ser seguidores e em troca exigiram uma compensação financeira, negociada com o líder, o que foi uma ação ingênua. As empresas de TI foram mais inteligentes: além de negociarem com o líder a assistência financeira que ajudaria suas vendas, também conseguiram a inclusão do uso significativo de seu produto – uma imposição sobre o comportamento dos demais players. Elas moldaram a governança de longo prazo do ecossistema ainda durante a criação das regras.
Na fase em que o alinhamento e o acordo ainda estavam em discussão, os hospitais poderiam ter feito exigências recíprocas – insistindo em padrões de interoperabilidade entre os prontuários eletrônicos, por exemplo. A indústria de TI era contra, porque isso aumentaria os custos de desenvolvimento e a concorrência. Mas não era um empecilho em si, pois ela também tinha um forte incentivo financeiro para chegar a um acordo. Os hospitais, porém, só pensaram nisso tarde demais. Levaria mais de uma década até que o movimento rumo à interoperabilidade tivesse outra chance de ganhar tração.
Essa é a versão “seguidores” da armadilha do egossistema: agir como se o jogo fosse apenas entre eles e o líder, em vez de se posicionar também em relação aos outros jogadores no ecossistema.
SUCESSO NOS ECOSSISTEMAS requer inteligência, estratégia e estrutura não apenas para você, mas também para os parceiros. Tanto líderes como seguidores devem evitar a armadilha do egossistema; é difícil, mas o esforço compensa.”