Estudo mostra como companhias industriais têm conseguido migrar para abordagens mais sustentáveis do ponto de vista ambiental; fugir de quatro erros aumenta a chance de sucesso
Aurgência da crise climática vem levando alguns dos principais fabricantes europeus a inovar – por exemplo, adotando um modelo de negócio circular, cujo objetivo é melhorar a eficiência dos recursos – prolongando a vida útil de produtos e peças, por exemplo – a fim de alcançar benefícios ambientais e, ao mesmo tempo, atingir as metas de lucro.
ABB, BillerudKorsnäs, Komatsu, LKAB, Metso, Sandvik, Scania e Volvo estão entre as principais empresas que passaram do modelo tradicional e linear de extrair-produzir-descartar para um modelo circular de produzir-usar-reusar-produzir de novo-reciclar. Para muitos fabricantes, isso significa agregar serviços aos produtos, para que estes sejam compartilhados, consertados, melhorados, reutilizados, reformados, otimizados ou reciclados.
Nos últimos cinco anos, estudamos grandes fábricas projetaram, desenvolveram e implementaram modelos de negócio circulares com seus parceiros de ecossistema, e compartilhamos as principais descobertas neste artigo.
Fazer a transição de um modelo de negócio linear para um circular é algo ambicioso; envolve repensar como a organização cria, captura e entrega valor.Criação de valor. Um fabricante que adota um modelo de negócio circular deve se integrar mais às operações de seus clientes, cocriar valor com parceiros, enfatizar valor em uso em vez de valor em transação e lançar serviços novos e inovadores. O fornecedor de equipamentos pesados da Metso cocria valor com seus clientes oferecendo-lhes uma garantia de desempenho. Especificamente, =otimiza o processo e garante alguns resultados – por exemplo, contratos de custo por tonelada nas indústrias de mineração, química ou de papel e celulose. Os resultados: maior tempo de uso do equipamento, melhor produtividade e reforço da segurança do trabalhador durante as paradas para manutenção.
Captura de valor. É provável que os modelos de receita mudem com um modelo de negócio circular. Por exemplo, a tradicional venda de produtos pode evoluir para taxas mensais de leasing, combinadas com contratos de serviços que costumam durar longos períodos. (Em termos financeiros, isso representa uma evolução de um fluxo de receitas e despesas de capital para um fluxo de receitas e despesas operacionais). A divisão de motores industriais da ABB oferece diferentes de contratos de serviços para prolongar a vida útil de seus produtos. Uma das opções – receber os produtos de volta – foi desenvolvida junto com a Stena Recycling, empresa de reciclagem industrial de seu ecossistema. Depois de reformados, os produtos ou componentes podem ser usados pela ABB na fabricação de novos motores ou revendidos a terceiros.
Entrega de valor. Um modelo de negócio circular exige que as empresas desenvolvam novas capacidades para fornecer valor (como a criação de companhias de entrega de serviços) e formem parcerias estratégicas com fornecedores externos de tecnologia e serviços. A Volvo Construction Equipment (CE), sua cliente Skanska (construtora) e outros parceiros (um provedor de conectividade, um de tecnologia de automação e um revendedor de equipamentos e prestador de serviços) criaram um canteiro de obras eletrificado na pedreira Vikan Kross da Skanska, perto de Gothenburg, na Suécia. Todas as etapas de escavação, britagem primária e transporte para britagem secundária contam com máquinas Volvo CE autônomas e sistemas de gerenciamento local totalmente elétricos. Os testes na pedreira mostraram redução de 98% nas emissões de carbono, de cerca de 70% nos custos de energia e de 25% nos custos operacionais totais. As metas de lucro e os objetivos ambientais se complementaram.
Há quatro áreas principais nas quais as empresas têm certa dificuldade em fazer transições bem-sucedidas para um modelo de negócio circular – elas se devem, muitas vezes, a dois vieses comuns que influenciam as decisões.O primeiro viés, a “falácia do nível errado”, é a tendência de pensar em um modelo de negócio circular como centrado na empresa, quando na realidade ele é centrado no ecossistema. A segunda distorção, o “efeito de dotação”, ocorre quando as empresas supervalorizam seus próprios recursos internos e desejos, bem como suas capacidades e necessidades, e subestimam os de seus parceiros ecossistêmicos. Tais hábitos são mais perigosos quando as empresas deparam com os quatro desafios de execução listados a seguir.
DESAFIO 1: Alinhar incentivos e motivações entre os parceiros do ecossistema. São raras as empresas incumbentes que têm recursos financeiros e capacidade organizacional para desenhar, desenvolver e implementar com sucesso um modelo de negócio circular por conta própria. Por isso, procuram alianças com parceiros do ecossistema, como empresas de serviços especializados, atores digitais e subfornecedores. Para que tais alianças se concretizem, um operador deve atuar como protagonista e desenhar o alinhamento de todos os parceiros quanto a posições (onde cada um se situa) e fluxos de atividade (o que cada um deve fazer).
A DIFICULDADE: Para as empresas que estudamos, chegar a um acordo mútuo foi difícil. Além de os diferentes parceiros terem motivações e objetivos diferentes, muitas empresas incumbentes investiram pouco em garantir acordos coletivos; enfatizaram demais suas próprias estratégias e de menos as estratégias alheias. Isso resultou em conceitos errados sobre incentivos dos parceiros, interpretações conflitantes de situações e objetivos, e aumento dos custos de transação. O problema foi aguçado quando os participantes buscaram novos tipos de colaboração – por exemplo, na reciclagem, atualização e reforma de produtos.O desenvolvimento de sistemas de ventilação inteligentes para minas subterrâneas (a fim de melhorar a qualidade do ar e reduzir o consumo de energia) ilustra isso. Um fornecedor global de hardware e tecnologia de ventilação estava colaborando com vários parceiros: uma empresa global de telecomunicações, fornecedores de conectividade, uma empresa de soluções de IA para minas, um fornecedor de tecnologia de tags inteligentes e um subfornecedor de ventiladores e sensores. O cliente queria um contrato único que englobasse todo mundo, em vez de assinar contratos individuais com cada empresa. Mas os parceiros do ecossistema não chegaram a um acordo. O protagonista da aliança falhou no alinhamento.
A SOLUÇÃO: O protagonista do ecossistema precisa criar uma boa estrutura de alinhamento que espelhe o acordo entre os parceiros. Ele deve evitar o silo e permitir que os parceiros participem do processo, articulem seus próprios incentivos e motivos, negociem os termos de uma colaboração contínua e cheguem a um consenso. O fornecedor do sistema de ventilação inteligente mencionado acima até financiiy os subfornecedores para incentivar a reengenharia de produtos, mas não bastou.
DESAFIO 2: Olhar para além das relações ecossistêmicas existentes. A maioria das empresas que estudamos subestimou a necessidade de colaboração no ecossistema e nos novos tipos de parcerias em particular. Um player-chave deveria começar com uma proposta de valor preliminar para a circularidade e só depois procurar o conjunto de parceiros apropriados para materializá-la.
A DIFICULDADE: Na indústria florestal que estudamos, um fornecedor de equipamentos procurou uma colaboração inusitada com concorrentes-chave e com empresas inovadoras de pequeno e médio porte (PMEs) para otimizar a colheita de árvores. Ele precisava, especificamente, facilitar o pooling de equipamentos e o compartilhamento de dados a fim de alcançar o valor ideal para um de seus clientes, uma grande empresa de papel e celulose. Mas os atores principais estavam presos em seus próprios pontos de vista sobre relações comerciais, não gostavam da ideia de compartilhar dados e não viam os concorrentes como colaboradores.
A SOLUÇÃO: O player-chave deve partir da proposta de valor para fazer uma busca imparcial dos parceiros ideais, que tragam novos recursos e capacidades à mesa, para além de parceiros já existentes. Os custos de tal busca podem ser altos no curto prazo, mas a vantagem no longo prazo os justifica. Companhias de plataforma como Amazon, IBM e Microsoft agora oferecem capacidades de digitalização complementares para empresas tradicionais que querem experimentar modelos de negócio circulares. Nossa pesquisa também revelou que PMEs recém-criadas, motivadas a se aliar com empresas maiores como trampolins para expansão dos negócios, podem contribuir com produtos e serviços inovadores que apoiam os modelos de negócio circulares de empresas incumbentes.
DESAFIO 3: Envolver profundamente os clientes. Um modelo de negócio circular significa passar de uma relação transacional com os clientes a uma mais relacional, na qual eles estejam ativamente envolvidos no desenvolvimento da oferta. Recursos, processos e pessoas precisam ser combinados além das fronteiras organizacionais para garantir que a proposta de valor atenderá com abrangência as necessidades dos clientes – por exemplo, o descarte de seus resíduos.
A DIFICULDADE: Muitas das organizações que estudamos não estavam prontas ou dispostas a abrir suas operações internas a empresas clientes, limitando, assim, o potencial de cocriar valor. A maioria dos clientes, por sua vez, estava habituada a adquirir produtos, não a contratar serviços avançados. Alguns temiam perder ou depreciar sua base de conhecimento principal, e se preocupavam com a possibilidade de ficarem muito dependentes de outras empresas (num efeito lock-in).Por exemplo, um fabricante de equipamentos para mineração se ofereceu para vender a seus clientes operações completas para segmentos individuais do processo de extração de minério (como a britagem primária), contratos de serviços avançados e de manutenção poativa. O fabricante do equipamento sabia que poderia otimizar sua operação e eficiência e, portanto, prolongar seu ciclo de vida e reduzir o consumo de energia. Mas a mineradora cliente resistiu a uma relação nova e mais profunda; sentiu sua competência principal e seu modelo tradicional de aquisição ameaçados. A eficiência e o impacto ambiental não foram alcançados.Em outro caso, um fornecedor global de caminhões pesados estava desenvolvendo soluções autônomas combinadas com um sistema de gerenciamento de frota. Em teoria, a inovação poderia ter prolongado o ciclo de vida do produto e reduzido o consumo de combustível, com diminuição dos custos operacionais para os clientes e geração de benefícios ambientais. Fizeram programas de treinamento, mas estes falharam. As empresas de logística clientes não conheciam aquele modo de operar e sua inércia paralisou o projeto. Mesmo as que aceitaram o sistema não se dispuseram a colaborar de modo diferente com a fabricante dos caminhões.
A SOLUÇÃO: Para identificar os pontos de dor dos clientes, o valor precisa ser cocriado pelo protagonista-chave, seu cliente e os parceiros do ecossistema. É preferível lançar soluções menores e que foram desenvolvidas iterativamente com o envolvimento próximo do cliente, porque essa abordagem gera maior confiança entre fornecedores e clientes – e maior engajamento. O medo de abrir mão do conhecimento básico vai sumindo aos poucos. Unir recursos, processos e pessoas de múltiplas organizações é quase sempre desafiador.
DESAFIO 4: Planejar uma implementação ampliada. Independentemente do setor, empresas de manufatura incumbentes se concentram no desenvolvimento e venda de produtos, e veem o valor residir principalmente na transação. Mudar para um modelo de negócio circular significa abraçar serviços avançados focando o uso ou os resultados – o valor passa a residir no uso do serviço pelo cliente. Tais contratos de serviço podem durar muitos anos, o que significa um relacionamento contínuo com a implementação estendida, o que requer criar rotinas como assegurar qualidade adequada na manutenção e no suporte pós-venda e treinar os clientes para usar o equipamento adequadamente.
A DIFICULDADE: Poucas das empresas estudadas haviam pensado em uma implementação estendida e muitas tiveram problemas para superar uma cultura enraizada em transações e venda de produtos. Os clientes muitas vezes cortaram os serviços cedo demais, e os fornecedores fizeram pressão para vendas adicionais. Um fornecedor de equipamentos pesados, por exemplo, ofereceu garantias de desempenho, incluindo metas ambiciosas de tempo de atividade e de produtividade, para uma mineradora no norte da Europa. O fornecedor não investiu o suficiente na criação de rotinas de entrega, e o cliente não estava disposto a permitir o acesso total ao local. O relacionamento sofreu grande pressão e o contrato de serviço acabou dissolvido. As duas partes erraram ao visar “”vendas”” no curto prazo.
A SOLUÇÃO: Nos casos de sucesso que estudamos, reuniões quinzenais de manutenção, reuniões bimestrais de tecnologia e reuniões trimestrais de executivos eram comuns – e todas exigiam forte compromisso com relacionamentos de longo prazo. Os indicadores-chave de desempenho também devem ser definidos em conjunto. As parcerias de ecossistemas nas quais as funções eram flexíveis e adaptativas geralmente tinham uma fase de implementação prolongada mais funcional, quase sempre resultando na renovação do serviço avançado.
“”tornar-se circular”” é um processo gradual; mudar a abordagem das empresas demora.
SOBRE A PESQUISA
De 2015 a 2020, os autores deste artigo estudaram como as empresas colaboraram com os parceiros de ecossistema na concepção, no desenvolvimento e na implementação de modelos de negócio circulares. Eles conduziram mais de 100 entrevistas e 12 workshops com executivos e engenheiros de 15 grandes empresas europeias de manufatura que procuraram adotar a circularidade. Estavam representados os setores de mineração, construção, equipamentos de construção, tecnologia médica, eletrodomésticos, aviação, automóveis, caminhões pesados, celulose e papel, florestal.
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