Cada pessoa tem uma expectativa diferente para sua vida profissional. Para lidar da melhor maneira com seus colaboradores, os líderes precisam ajustar sua abordagem a cada um deles
A importância de ter um propósito é comumente repetida na grande imprensa e nos modernos ambientes de trabalho. Diz-se que as organizações e seus líderes devem diligentemente incutir um senso de propósito em cada funcionário. Mas a great resignation (a grande renúncia, na tradução) deixou claro que muitos trabalhadores simplesmente não ligam para o propósito da empresa; eles desejam uma carreira estável, ou, às vezes, apenas um trabalho, por algum tempo. Indo um pouco além, alguns deles nunca se importarão com esse propósito.
Frequentemente posta em destaque nos textos sobre propósito, deixemos um pouco esta ideia de lado. Aquele bordão de aconselhamento que diz que “caso um funcionário esteja desmotivado, ajude-o a entender como o trabalho dele contribui para o propósito da organização” deve ser posto em quarentena se esse propósito não faz e nem irá fazer diferença para esta pessoa.
Em nossa visão, existem três tipos de colaboradores nas organizações: o voltado para o emprego, o que prioriza a carreira e o que se guia pelo propósito. E, assim como é importante entender que nem todos estão na última categoria, é preciso reconhecer e aceitar que os que estão nas duas primeiras também contribuem para o sucesso geral. Isto requer uma mudança radical em nossa postura, uma vez que, embora sempre seja bom engajar as pessoas no propósito de uma organização, é igualmente importante entender quando desejam apenas um emprego ou carreira.
Ao longo da última década, a tendência de treinar os gestores de pessoas como coaches foi bastante consistente, por duas razões: o coaching incrementa desenvolvimento e performance dos funcionários e as organizações assumem que os gestores raramente dispõem das habilidades necessárias para essa atuação. Imagine, no entanto, que talvez eles sejam capazes de agir como coaches, mas que as empresas querem que levem suas equipes a atingir resultados que não encontram ressonância junto a elas. Talvez o ponto mais difícil não esteja na execução da tarefa de ser coach, mas preparar-se para entender os seus funcionários.
Propósito é a razão oculta que faz uma pessoa se mover e uma questão importante quando se fala em desenvolver um indivíduo como um todo. Mas em uma sociedade em que o trabalho é a atividade dominante em nossas vidas, uma palavra que representa universalmente suas motivações acaba sendo vista como relacionada somente ao trabalho. Essa insistência provavelmente vem da noção que o trabalho, ou mais especificamente a carreira, é onde está o nosso propósito.
Com o advento da responsabilidade social corporativa, as empresas vislumbraram a oportunidade de, ao alinharem os seus propósitos aos dos seus colaboradores, ter uma eficiente estratégia que maximize produtividade, felicidade e retenção. Isto fez com que as organizações adotassem propostas que já fossem valorizadas e com as quais os trabalhadores já se identificassem: proteção ambiental na Patagônia, ou justiça social na Ben & Jerry’s, por exemplo. Para aqueles que tivessem encontrado um emprego do agrado em companhias cujo propósito coincidia com o seu próprio, surgia um novo patamar de potencial. Esse alinhamento ocasional permitiu que as empresas desbloqueassem um estoque ilimitado de motivação.
Contudo, em meio a isso tudo, está o fato que diversos funcionários têm seus próprios propósitos, alguns até mesmo individualistas, e está tudo bem.Todos têm um propósito (que pode não ser o de suas organizações)
A covid-19 provocou uma onda de reavaliação para muitas pessoas. Naira Dhingra, da McKinsey, identificou que sete em cada dez pessoas estavam revendo seus objetivos por causa da pandemia. Agora, depois da grande renúncia, é mais comum que os indivíduos avaliem o que fazem e os propósitos por trás disso.Todo mundo tem necessidades básicas: para muitos, isto inclui o bem-estar da família e a capacidade de oferecer uma vida confortável. Outras necessidades têm um significado pessoal mais profundo: empoderar-se, ajudar pessoas por meio de caridade ou voluntariado ou aprender e desafiar-se intelectualmente, entre muitos outros. E são todos válidos, independentemente do seu alinhamento com a organização.
Por sorte, tal alinhamento não é essencial para que os funcionários tenham sucesso nas organizações. E também é verdade que alguns podem incorporar os propósitos das organizações. Porém, este é um equilíbrio delicado e muito dependente da liderança. Gestores podem direcionar pessoas orientadas para o emprego ou para a carreira de forma a adotar os objetivos da organização e, da mesma forma, afastá-los deles.
Pressionar pelo comprometimento com os propósitos de uma organização pode ser a receita do desastre. De fato, gestores que forçam esta abordagem em pessoas que desejam simplesmente um trabalho ou construir uma carreira podem causar um desengajamento ou levá-las ao burnout. Ao contrário, aqueles que compreendem e aceitam os motivadores de cada um vão obter o melhor desempenho, apoiados em relacionamentos construídos sobre um entendimento comum.
A conclusão de que nem todos compartilham dos mesmos objetivos tem muitas implicações sobre o liderar e gerir funcionários.
A ausência de um propósito não quer dizer má performance. Pessoas orientadas para o trabalho ou o emprego podem aportar valor às organizações – o que é uma boa notícia, porque se estima que sejam cerca de 50% do total. Elas são voltadas para retornos intrínsecos, como desenvolver sua especialidade, ou extrínsecos, como dar conta de suas despesas e voltar para casa no final do expediente, e sua motivação diária não está relacionada à organização ou seus propósitos.
Aqueles que querem apenas um trabalho não esperam vantagens futuras ou que seus interesses individuais sejam atendidos dentro da companhia. Provavelmente irão resistir às tentativas de serem conquistados pelos objetivos organizacionais, porque esta não é a razão de fazerem parte dela. A insistência poderá levá-los à desmotivação.
Aqueles gestores que assumem que seus funcionários compartilham dos propósitos da empresa podem promover colaboradores com alto desempenho para posições que eles não desejam, o que também pode causar perda de motivação e pedidos de demissão. Em vez disso, esses gestores devem se utilizar do que é importante para essas pessoas: desenvolvimento de habilidades ou retornos tangíveis, particularmente o primeiro. Da mesma maneira, o salário e benefícios afetarão diretamente o tempo que permanecerão na empresa. Muito mais do que pedir seu esforço para que a organização atinja seus propósitos, a competitividade do pacote de remuneração vai ser o fator de permanência.
Estes têm por objetivo construir uma relação estável e de longo prazo, em que possam dominar o exercício de seu papel com a possibilidade de crescimento futuro. Sua identidade não está contida em seu trabalho. Embora possam se engajar parcialmente nos propósitos organizacionais e mesmo divulgá-los, não colocam todo o seu coração neles.
Em nossa experiência, trabalhadores engajados são mais produtivos, assim os gestores buscam maneiras de dirigir essa energia e entusiasmo. A imensa maioria das pessoas quer ser desafiada e fazer algo que tenha significado. Querem aprender, então deixe. Ofereça as oportunidades e experiências que buscam para manter esse grupo motivado e engajado.
A questão está em que poucas organizações agem para captar e promover esse engajamento desde o início. Elas podem se esforçar ao máximo para contratar os melhores e mais brilhantes, mas estes são imediatamente condenados à tortura de uma apresentação em power point para recém-chegados. São informados sobre os banheiros, onde fica o café e então enfiados em uma baia onde permanecerão por 40 a 50 horas semanais. O entusiasmo da contratação pode arrefecer rapidamente neste contexto, até para os mais animados.
Aqueles que se orientam por um propósito acreditam em sua organização e em sua missão e valores. São intrinsecamente motivados por esses fatores para ter um ótimo desempenho e, para além de um conjunto de tarefas a serem concluídas, encontram sentido e um senso de compartilhamento em seu trabalho. Alguns tipos de organizações inspiram naturalmente este sentimento, como entidades humanitárias ou socorristas, enquanto outros precisam construir e articular cuidadosamente sua face para gerar o mesmo efeito.
Pessoas que buscam um propósito querem mudar o mundo e tem ideias precisas sobre como fazê-lo. Os líderes devem acolher esse entusiasmo mostrando o impacto de seus esforços sobre os resultados e encontrar meios de cultivar suas paixões, mesmo com atividades fora da descrição de cargo estrita. Mentoria, treinamento cross-functional, storytelling de liderança podem render bastante em atração, engajamento e retenção deste grupo tão dinâmico.
Trabalhar com vistas a um objetivo maior é a chave para engajar esse tipo de profissional, e os bons gestores irão acolher essa tendência e direcioná-la produtivamente. Faça com que cada tarefa tenha significado, exiba o todo e não as partes e mostre como o papel dele faz parte disso. É a parcela da força de trabalho que espera de seus líderes oportunidades de contribuir rapidamente e com frequência.
Veja a seguir três coisas que os líderes podem usar na gestão desses três tipos de indivíduos:
1. Deixe claro que, se não compartilham o propósito organizacional, está tudo bem. A pressão atual por alinhamento de objetivos pode tornar quase impossível que um funcionário assuma essa condição. Aceite que nem todos irão trabalhar do mesmo jeito, mas que todos podem ser parte do sucesso coletivo.
2. Todo mundo tem um propósito – só pode ser que não seja o mesmo da organização em que trabalham. Dedique-se a entender o que motiva as pessoas e como isso pode mudar ao longo do tempo. Pessoas mudam; visões podem se modificar. É essencial ter conhecimento de onde seus funcionários estão e identificar as oportunidades certas para eles.
3. Tente estimular um senso de propósito em sua equipe, mas sem forçar. Este artigo não foi feito para servir de desculpa para as organizações negligenciarem os seus propósitos. Eles são um instrumento motivacional incrivelmente poderoso. Porém, se alguém está em busca de propósito no trabalho e não consegue se engajar na missão da empresa, não chegará a atingir seu potencial.
Propósito importa, mas não é um requisito para um bom trabalho. Todos os três tipos de funcionários têm função nas organizações: quem deseja um trabalho é a espinha dorsal; quem tem carreira por objetivo garante a continuidade e os que se orientam por um propósito são a fonte da futura liderança. Alguns podem transitar entre os três tipos, outros serão docemente empurrados por um gestor, mas a maioria deve conservar sua escolha. A compreensão e aceitação dessas características por parte da liderança são o que fará a diferença.”