Caso se torne viável em grande escala, a energia dos oceanos – limpa e renovável – atenuará o aquecimento global, além de diminuir a conta para o consumidor
Ampliar as opções em direção a uma economia de baixo carbono é um dos principais desafios do mercado de energia. Nos últimos tempos, uma nova frente de atuação se configurou para alcançar esse objetivo: a energia oriunda das águas dos oceanos ou que pode ser gerada na costa litorânea. Limpa e renovável, ela não estimula a emissão dos gases de efeito estufa. Portanto, atenua a atual crise climática.
Diferentes tecnologias para explorar a energia do oceano estão sendo testadas – inclusive no Brasil –, mas há obstáculos que precisam ser ultrapassados para que ela se transforme em uma tendência consolidada no mercado. Além de ser necessário avançar nas pesquisas para atingir maturidade tecnológica, é preciso encontrar modelos comercialmente viáveis para a implantação em larga escala.
Em 2019, em nível global, o aproveitamento da energia dos oceanos foi de 1,2 TWh, o que representa menos de 0,1% do total de energia elétrica gerada no mundo, conforme dados do relatório Ocean Power, da Agência Internacional de Energia. A boa notícia é que esse volume deverá aumentar 33% ao ano ao longo desta década, alcançando 4 TWh em 2025 e 15 TWh até 2030, como informa Célio Bermann, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo.
O Brasil tem dado passos importantes para ampliar o leque de energia renovável. Um deles foi a aprovação, em agosto deste ano, do projeto de marco regulatório para a exploração de energia em alto-mar. O Projeto de Lei 576/2021 deve seguir, agora, para análise do plenário da Câmara dos Deputados. Outro foram as portarias nº 52/GM/MME e a Interministerial MME/MMA nº 03/2022 publicadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) no dia 20 de outubro. Elas definem, respectivamente, os regramentos e diretrizes complementares para cessão de uso de áreas fora da costa (offshore), com vistas à geração de energia elétrica, e as diretrizes para criação de Portal Único de Gestão do Uso das Áreas Offshore. Segundo comunicado do MME, “as portarias representam fundamental evolução e contribuem para o estabelecimento de um marco legal seguro e adequado para geração de energia elétrica offshore no Brasil”.
A modalidade mais próxima de entrar em operação comercial é a que aproveita a energia dos ventos que sopram nos 10.959 quilômetros de extensão da costa litorânea. A ideia é seguir o exemplo de países como Alemanha, Holanda, Inglaterra e Dinamarca, que não possuem ventos tão constantes e intensos, mas estão em estágio mais avançado de implantação dos parques eólicos no mar.
Como funciona? É necessário assentar torres eólicas no assoalho marinho em áreas de águas rasas. Em 2020, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lançou um termo de referência para regular o processo de licenciamento. Desde então, mais de 60 projetos foram apresentados, a maior parte no Nordeste (região rica em vento), mas também no Sul e no Sudeste. A potência somada dessas iniciativas alcança 170 GW – o que equivale a mais de dez usinas de Itaipu, e não está distante da atual capacidade de geração de eletricidade no País (180 GW). “Evidentemente, nem todos os projetos deverão ir para frente, até porque muitos estão na mesma região. Mas, seja como for, o cenário é promissor”, afirma Milad Shadman, do Grupo de Energia Renovável no Oceano (Gero), do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia/Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).
A expectativa é a de que os primeiros leilões ocorram em 2023. Conforme Shadman, o Brasil pode aproveitar não apenas a maturidade dos sistemas eólicos instalados em terra, que já representam 12% da matriz energética (dados de julho de 2022), mas também a expertise que possui como referência mundial em tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas.
Alguns pesquisadores defendem a necessidade de diversificar a localização dos parques eólicos. Como o período de maior intensidade dos ventos no Nordeste é de setembro a novembro, fazendas eólicas no Amapá (onde o pico é de janeiro a março) poderiam compensar essa variação sazonal, exemplifica Felipe Pimenta, da Coordenadoria Especial de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Outra opção de energia relacionada aos oceanos é a proveniente das ondas, que podem gerar até 91,8 GW no Brasil, conforme estudo do Coppe/UFRJ, de 2019. Um quinto desse potencial já bastaria para atender 35% da demanda de eletricidade do País. Na América Latina, a primeira usina de conversores de energia de ondas foi criada no Porto de Pecém (a 60 quilômetros de Fortaleza), no início dos anos 2010, em caráter experimental. O projeto-piloto, idealizado pelo Coppe/UFRJ, tinha capacidade de 50kW. Em 2021, o governo do Ceará firmou um Memorando de Entendimento (da sigla em inglês MoU, funciona como um pré-contrato) com a empresa sueco-israelense Eco Wave Power para implantar, no futuro, usina de ondas com capacidade de 9MW no Complexo de Pecém.
Em 2013, outra tentativa foi realizada pelo Coppe, em parceria com Furnas, em uma área situada a 14 quilômetros da Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. O objetivo era gerar 100 kW para atender a demanda de 200 residências na Ilha Rasa, mas o projeto está paralisado desde 2015 por falta de verbas.
Há outras formas de aproveitar a energia das águas. Uma delas é usar o desnível entre marés altas e baixas – é o que se denomina maremotriz. Globalmente, a primeira barragem desse tipo foi construída em 1966 no estuário do Rio Rance, na França, com capacidade de 240 MW. O Brasil desenvolveu projeto similar no estuário do Rio Bacaranga, em São Luís (MA), nos anos 1970, que não foi adiante.
Pode-se obter eletricidade também a partir do movimento das correntes marítimas, que entram e saem de estuários ou baías, ou mediante a diferença de temperatura entre águas quentes de superfície (expostas à radiação solar) e frias a profundidades de 800 a 1000 metros. Há ainda projetos que buscam aproveitar as diferentes concentrações de sal na água para gerar energia elétrica.
Em nível global, o estágio tecnológico dessas modalidades de energia dos mares não permite ainda atingir preços competitivos, o que explica a dificuldade de sua implantação em escala comercial em qualquer parte do mundo. Quando se tornar viável em grande escala, além de ajudar a frear o aquecimento global, a energia dos oceanos poderá aliviar o bolso do consumidor.
No Brasil, a opção mais usada hoje para compensar a diminuição do nível dos reservatórios hidrelétricos nos períodos de seca é a energia termelétrica, que tem custos bastante elevados e, por isso, encarece as tarifas. Além disso, a operação das usinas termelétricas depende do uso de combustíveis fósseis, como carvão e óleo diesel, o que vai na contramão da economia de carbono zero. Ampliar o leque de opções em direção a uma economia de baixo carbono é um dos principais desafios do mercado de energia, principalmente em um País que tem quase 11 mil quilômetros de costa litorânea.
Enquanto a energia dos mares não é viável em larga escala, a energia eólica onshore (em terra) está conquistando mais espaço no País. Atualmente, o Brasil ocupa a sexta posição no Ranking de Capacidade Total Instalada de Energia Eólica Onshore, do Global Wind Energy Council (GWEC). Em 2012, o País estava em 15º lugar.
De acordo com o relatório Global Wind Report 2022, no ano passado o Brasil registrou uma capacidade instalada de usinas eólicas de 21,5 mil MW, o suficiente para atender mais de cinco vezes a demanda média de energia elétrica de um estado do tamanho do Rio Grande do Sul. O País foi superado por China (310,6 mil MW), Estados Unidos (134,3 mil MW), Alemanha (56,8 mil MW), Índia (40 mil MW) e Espanha (28,3 mil MW).
Além disso, em 2021, o Brasil foi a terceira nação que mais instalou usinas eólicas, repetindo o feito de 2020, e ficando atrás da China e dos Estados Unidos. “Os dados divulgados pelo GWEC refletem o que estamos claramente vivendo no setor eólico brasileiro, que vem crescendo de forma sustentada e eficiente, com números sólidos e uma importância cada vez maior na matriz elétrica brasileira”, ressalta a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum. Atualmente são 795 parques eólicos brasileiros e mais de 9 mil aerogeradores em operação. A meta é chegar até 2026 com cerca de 36 mil MW.”