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Escassez e formação em TI: ambidestria digital e curva tecnológica – parte 1

Aceleração digital que provoca mudanças dentro das empresas gera escassez de desenvolvedores e de demais profissionais de TI; organizações ambidestras saem na frente ao aproveitaram a atual curva de transição e evolução tecnológica

César Gon
Escassez e formação em TI: ambidestria digital e curva tecnológica – parte 1
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Até dezembro, numa série de três artigos, irei discutir o contexto atual do trabalho de desenvolvedores e da área de TI nas organizações. A série irá abordar a escassez e a guerra geopolítica por talentos, destacando a importância da formação de profissionais. Essa curadoria temática irá analisar, ainda, como as empresas podem ser mais competitivas ao promoverem diversidade e inclusão. Confira a primeira parte, também disponível em áudio, a seguir:

Acho que é importantíssimo falar no assunto da escassez de talentos no meio dessa revolução digital. Primeiramente, é importante estabelecer o contexto. O mundo vive um momento em que a sociedade está mudando de uma maneira muito acelerada pelas possibilidades tecnológicas, e em seguida vem uma aceleração desse mergulho no digital pela pandemia. Isso gera uma demanda, digamos, sem precedentes para a transformação digital no ambiente corporativo.

Cada empresa, independente do seu segmento e do seu setor, precisa se tornar um jogador digital melhor. Isso, obviamente, se desdobra para uma demanda enorme por talentos em tecnologia e talentos do mundo digital. Em todas as rodas corporativas o assunto principal é que falta gente, faltam profissionais capacitados e com as competências que eu preciso para executar as minhas estratégias digitais.

Uma primeira provocação que faço é: sim, precisamos de mais gente para ajudar neste desafio de traduzir as empresas do século 20 para o século 21, mas que tal olhar para as pessoas que já estão nas empresas, para as pessoas que já estão engajadas nos planos, nos desafios daquelas empresas? Tem muita gente muito competente, com muita capacidade de aprendizado, muito criativas, já dentro das empresas.

Precisamos ter um olhar para qual é a estratégia para que essas pessoas produzam mais, contribuam mais, gerem mais valor para os seus clientes, para os clientes dos seus clientes e para a sociedade.

Ambidestria digital: estratégias de talentos em TI

Acho que é interessante esse balanço que provoco entre o brinquedo novo, esse profissional que vou atrair, que virá aqui, que resolverá os meus desafios digitais, versus um time que já existe dentro da empresa e que talvez não esteja conseguindo contribuir ou se desenvolver na velocidade necessária por questões de estratégia de talentos, porque a organização ainda não tem um ambiente que fomente o aprendizado em um setor onde a empresa se redesenha muito rapidamente.

O conhecimento é muito perecível dentro da indústria de tecnologia. As empresas precisam ter estruturas de aprendizado constante, porque com isso os profissionais conseguirão se desenvolver de uma forma mais poderosa e no longo prazo. O que considero outra alavanca de geração de valor, ou de destruição de valor, é o modelo de liderança.

Esse talento digital e de tecnologia quer trabalhar de uma maneira colaborativa, cocriativa, ele quer ter voz. E nem sempre as empresas conseguem ou já conseguiram evoluir os seus modelos de liderança, que ainda são enraizados talvez naquele padrão do século 20 do comando de controle, em que o chefe manda e o liderado obedece, e essa reinvenção para um ambiente onde as pessoas se sintam de verdade parte de algo, com voz, cocriando e com líderes que estão ali para tirar as pedras no caminho e não para colocar impedimentos, isso também é parte de você conseguir transformar os ambientes das empresas em ambientes de maior geração de valor digital.

Uma solução extrema para esse desafio entre você olhar para a sua equipe de tecnologia, para o seu departamento de TI, e não conseguir enxergar que dali vão sair os seus caminhos digitais, acaba sendo a criação de uma segunda estrutura digital e de tecnologia voltada para as tecnologias mais novas, para os processos mais modernos, para essa visão mais poderosa do digital como alavanca estratégica.

Mas a criação desse Muro de Berlim onde uma parte da empresa está conectada no futuro e uma parte da empresa está sendo abandonada como algo muito operacional, com isso você está perdendo a oportunidade de redesenhar o processo de geração de valor daqueles profissionais que já estão ali, que já conhecem os legados, os processos e a cultura da empresa.

E, em segundo lugar, você está de certa forma passando uma mensagem de estagnação profissional que certamente joga contra a criação de um ambiente poderoso de colaboração, de criação de caminhos no mundo digital. Acredito que esse padrão de separar a empresa entre o novo e o velho já começa criando a cultura errada, e não a cultura de “vamos nos reinventar juntos”.

Vamos trazer as competências que não temos, mas vamos também ter espaço para que cada profissional se sinta parte desse novo momento em que a tecnologia passa a ser tão relevante na vida das empresas.

Curva do futuro: transição e evolução tecnológica

Outra perspectiva para esse tema da escassez de talentos é o momento atual. Vivemos um momento de transição tecnológica, de plataformas tecnológicas, de uma nova engenharia de software começando a acontecer na sua infância.

Gosto muito de usar um exemplo do início do advento da telefonia. Temos alguns artigos retratando esse evento na Inglaterra no início do século passado quando se começava aquela demanda enorme por telefones etc. e naquela época você tinha a criação de um trabalho novo que era a operadora de telefonia, a pessoa que fazia as conexões telefônicas manualmente, conectando fios.

Alguns anos depois dessa demanda que parecia explosiva, alguém fez um estudo dizendo que, pela projeção de adesão ao telefone, pelo menos 50% das mulheres da Inglaterra teriam que trabalhar como operadoras de telefonia. Na verdade, alguns anos depois nasce a central telefônica, desaparece a demanda para essa função, ou ela fica restrita a alguns poucos casos de conexões internacionais.

Ou seja, a tecnologia evoluiu, criou uma camada de abstração, de automação, e de repente aquele trabalho manual que parecia tão relevante na cadeia de valor desaparece. Vivemos um momento em que a construção das plataformas digitais, dessas novas arquiteturas, das experiências digitais, está muito artesanal na figura dos programadores, dos designers, dos desenvolvedores, de todo o full stack para fazer essas maravilhosas plataformas acontecerem.

Se hoje você projetar essa curva para o futuro, você vai acabar concluindo que metade da população mundial terá que programar daqui alguns anos. Mas isso não é uma realidade, porque a tecnologia também criando camadas de abstração, vai tornando algumas coisas mais simples ou menos manuais, mais automatizadas, e de repente você vai se equacionando neste assunto.

Primeiramente, devemos evitar o pânico. Não teremos que ter a população mundial toda programando. A tecnologia vai criando. Isso vem acontecendo ao longo das últimas seis décadas. A demanda vai continuar sendo grande, vão surgindo novas camadas de abstração, um novo ferramental que vai, obviamente, diminuindo o lado artesanal da produção de experiências, soluções e plataformas digitais. Este é um ponto também porque senão essa equação fica sem solução.

Do ponto de vista da quantidade de profissionais nesse assunto, é claro que a demanda sempre foi grande e continuará sendo grande na indústria de tecnologia, mas não precisa entrar em pânico.

A tecnologia está evoluindo e vamos conseguir organizar isso de uma maneira poderosa, mas a carreira tecnológica, a carreira digital, certamente é uma das principais carreiras do futuro, e precisamos incentivar os jovens, uma nova geração de pessoas, a olharem para essas oportunidades de uma maneira mais atrativa do que é hoje. Precisamos de mais gente querendo entrar no mundo da tecnologia e no mundo digital.

Na parte 2: remotização, guerra e formação

No próximo artigo da série irei analisar os efeitos da remotização e da guerra geopolítica por talentos em TI, destacando nesse contexto a importância da formação de novos desenvolvedores para diminuir a escassez de talentos.

César Gon
César Gon é empreendedor, fundador e CEO da CI&T, multinacional brasileira de serviços digitais, e investidor ativo em fundos de risco e startups. Premiado, em 2019, como o “Entrepreneur of The Year” pela EY no Brasil, é engenheiro da computação, com mestrado em ciência da computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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