Novas regras propostas pelo regulador incorporam as mais recentes discussões internacionais em ESG aos normativos aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional
Temas ambientais, sociais e de governança corporativa (Environmental, Social and Governance – ESG) ganharam mais e mais espaço nas discussões e reflexões a medida em que diversas discussões sobre desigualdade, diversidade e meio ambiente tornam-se mais relevantes para a sociedade. O setor financeiro não poderia ficar – e certamente não ficou – alheio a esse movimento: finanças sustentáveis buscam otimizar retorno financeiro e incorporam critérios ESG no processo de tomada de decisão. Com a demanda, há um boom de produtos ESG no mercado.
Nesse contexto, o Banco Central recentemente submeteu à consulta pública propostas normativas para (i) aprimorar as regras de gerenciamento dos riscos social, ambiental e climático aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional e (ii) aumentar a transparência acerca desses riscos.
Apesar das diferenças, pode-se dizer que o Banco Central se inspirou no marco regulatório europeu aprovado no âmbito do “Plano de Ação: Financiar um crescimento sustentável”, que visava (1) reorientar os fluxos de capitais para investimentos sustentáveis, a fim de assegurar um crescimento sustentável e inclusivo, (2) gerir os riscos financeiros decorrentes das alterações climáticas, do esgotamento dos recursos, da degradação do ambiente e das questões sociais, e (3) promover a transparência e visão a longo prazo nas atividades econômicas e financeiras.
Em meados da década de 2010, o Banco Central já havia regulamentado a preocupação de que instituições financeiras considerassem, para fins de ponderação de riscos de suas operações, o chamado, àquela época, risco socioambiental.
No Edital de Consulta 85/2021, o Banco Central redefine os riscos social e ambiental anteriormente previstos na Resolução CMN 4.327/2014 como sendo aqueles relativos à proteção dos direitos fundamentais e interesses coletivos e à prevenção ou reparação do meio ambiente, respectivamente.
Além disso, a norma proposta introduz o conceito de risco climático, que pode ser de transição (se associado ao processo de transição para uma economia de baixo carbono) ou físico (quando relacionado a intempéries ou condições ambientais mais adversas), e estabelece que tais riscos sociais, ambientais e climáticos devem ser integrados ao gerenciamento dos demais riscos (crédito, mercado, liquidez e operacional).
O objetivo é que as instituições financeiras tenham plena compreensão dos riscos, inclusive sociais, ambientais e climáticos, a que estão expostos e, com isso, sejam adotadas medidas prudenciais à altura para assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Assim, as instituições financeiras passariam a gerenciar a possiblidade de perdas e ponderar o impacto financeiro também dos riscos sociais, ambientais e climáticos a que estão sujeitas – riscos estes que, hoje em dia, nem sempre são devidamente levados em consideração.
Em complemento ao gerenciamento destes riscos, o Edital de Consulta Pública 86/2021 exige uma estrutura de governança robusta e prevê a divulgação de informações sobre os riscos social, ambiental e climático, e as oportunidades de negócios relacionadas ao tema. A divulgação deve ser realizada pelo Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (Relatório GRSAC), publicado anualmente em formato padronizado.
Ainda, nos termos do Edital de Consulta Pública 85/2021, a instituição deve divulgar sua Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), formalizando os princípios e diretrizes observados em suas atividades. A elaboração e a implementação desta política visam promover o engajamento da instituição financeira à agenda sustentável bem como orientar seus negócios e seu relacionamento com a comunidade interna, clientes, fornecedores, prestadores de serviço e outros stakeholders em temas relativos a ESG.
As normas propostas buscam ampliar a transparência, contribuindo para a redução de assimetria de informação sobre os riscos social, ambiental e climático. O próprio mercado, sem prejuízo da supervisão do Banco Central, também passa a monitorar as instituições financeiras em matéria de ESG. Na outra ponta, uma maior transparência confere aos cidadãos os meios para comparar o desempenho sustentável das instituições financeiras.
Equilibrar desempenho econômico e desenvolvimento sustentável é um dos grandes desafios enfrentados pelo mercado, e o setor financeiro é um dos mais afetados por essa discussão por ser fonte de financiamento para as mais diversas atividades econômicas, potencialmente geradoras de riscos ESG.
O Banco Central propõe um caminho, dividido em três momentos: (1) inserir os riscos sociais, ambientais e climáticos na pauta de riscos prudenciais, utilizando critérios ESG na análise de solidez financeira das instituições, (2) tornar as instituições financeiras responsáveis por seus negócios também sob a perspectiva ESG, atendendo a uma demanda social de longa data, e (3) dar à sociedade as ferramentas para acompanhar de perto as práticas sustentáveis das instituições financeiras e fiscalizar sua atuação.
Ao percorrê-lo, as instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional precisarão otimizar ainda mais a utilização do capital disponível, buscando a melhor relação risco x retorno à luz da capacidade de gerenciamento de riscos (agora incluindo riscos sociais, ambientais e climáticos) e restrições relativas às exigências mínimas de capital e reservas para absorver aumentos nos níveis de risco.
Dessa forma, as normas propostas criam mecanismos econômicos que incentivam práticas ESG no setor financeiro, fomentando (a criação de) produtos e serviços que unam retorno financeiro com impacto socioambiental e climático positivo.
A consciência da sociedade, especialmente investidores e partes envolvidas em operações do mercado financeiro e de capitais, continua sendo determinante para o avanço das pautas sustentáveis. O desenvolvimento legal e regulatório é igualmente relevante para a criação de um ambiente jurídico favorável ao mercado ESG. O Banco Central, por sua vez, vem desempenhando seu papel ao construir um novo arcabouço jurídico que impulsione uma economia mais sustentável.
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