A área de tecnologia atua estrategicamente com duas perspectivas: a sustentabilidade da sua própria estrutura e o desenvolvimento de soluções que ajudem o mercado a cumprir os objetivos ESG
Com o desafio de alcançar suas metas de sustentabilidade, grandes companhias estão cada vez mais atentas ao G do ESG. Na governança, há um componente fundamental para atingir esses objetivos: a tecnologia. Desde a mensuração e controle das emissões de carbono até o desenvolvimento de novos negócios sustentáveis, a tecnologia é estratégica, possibilitando estruturar dados confiáveis para a tomada de decisão assertiva e economicamente viável. Além disso, auxilia na geração de relatórios e indicadores, rastreabilidade da informação e gestão de energia, por exemplo.
Nesse sentido, a área de tecnologia atua em duas frentes quando o assunto é sustentabilidade: olhando para dentro da própria estrutura e operação de TI; e para fora, na implantação de ferramentas e soluções capazes de apoiar e criar oportunidades de negócios para os clientes. Segundo estimativa do Gartner, 50% dos CIOs devem ter métricas de desempenho de TI vinculadas à sustentabilidade até 2025.
O estudo A World in Balance, feito pelo Capgemini Research Institute, aponta que as organizações estão investindo em tecnologias para limitar o impacto ambiental: 55% já sabem qual é a sua pegada de carbono na área de tecnologia, ou seja, as emissões em ferramentas digitais, aplicativos, sistemas de TI e centros de dados. Além disso, 60% apostam em IA e automação para sustentabilidade e 56% em IoT para monitorar ou reduzir o consumo de energia.
“Vivemos um momento ímpar em que as grandes empresas têm se mobilizado de maneira genuína para endereçar o tema ESG. Elas já têm metas e emitem relatórios de sustentabilidade de maneira consistente há alguns anos, mensuram o impacto na sociedade, com governança e gestão de dados, além de ações concretas para mitigar os impactos”, avalia Emanuel Queiroz, diretor de soluções de cloud e sustentabilidade na Capgemini Brasil. Isso é fundamental, diz, uma vez que o mundo vive um momento crítico, especialmente com a aceleração do aquecimento global e mudanças climáticas que trazem impactos diretos na economia.
“Mas apesar desses avanços, as organizações têm dificuldade de dar o próximo passo”, afirma o executivo. Hoje, entre os vários desafios enfrentados, uma das principais dores envolve a mensuração e a redução das emissões de carbono de escopo 3, as emissões indiretas geradas por fornecedores e clientes.
Na operação da TI, Queiroz destaca um ponto de atenção para as empresas. “Os data centers são responsáveis por 10% das emissões de CO2 na atmosfera. É um número bastante relevante”, afirma. Isso porque os data centers são grandes consumidores de energia e, além disso, a produção e descarte dos equipamentos envolvem minérios e metais pesados, com grande impacto para o meio ambiente. “A tecnologia tem um papel para viabilizar e facilitar a busca pelo desenvolvimento sustentável, mas também para reduzir as suas próprias emissões”, afirma o executivo da Capgemini.
Ele conta que a companhia participou de um projeto em que fez a revisão do landscape de tecnologia da KOF/Coca Cola Femsa, no México. Com uso de computação em nuvem e redução da quantidade de sistemas necessários para a operação de envase e distribuição de bebidas, a KOF conseguiu diminuir 4 milhões de toneladas de emissões de carbono em um período de três anos.
Outra empresa que tem no radar a relação de tecnologia e sustentabilidade é a Microsoft. “Todos procuram fazer a chamada transformação digital e incluir nos seus negócios uma camada de modelos baseados em tecnologia. Nesse sentido, é muito difícil conseguir eficiência com data centers. Por isso, migrar para a nuvem é o primeiro passo para se tornar mais verde e eficiente”, concorda Ronan Damasco, diretor de tecnologia da Microsoft Brasil.
Ele lembra que a estrutura de cloud dá suporte aos modelos de inteligência artificial, principalmente a generativa, e computação quântica. “Levar os workloads para nuvem também é uma maneira de se beneficiar desses avanços tecnológicos, porque eles só rodam em nuvem”, destaca Damasco.
Além do uso em escala da computação em nuvem, que reduz a dependência de grandes data centers, soluções como digital twin, inteligência artificial, computação quântica, IoT, entre outras, têm apoiado as empresas que buscam o desenvolvimento sustentável.
Na avaliação de Queiroz, empresas dos setores de tecnologia e do sistema financeiro podem ser aliadas para ajudar outras organizações a se tornarem mais sustentáveis. Isso acontece, entre outros fatores, porque elas têm, de maneira geral, uma governança robusta e alta maturidade em sua jornada interna de sustentabilidade, com um aprendizado ao longo dos últimos anos que serviu como uma espécie de laboratório para desenvolver soluções de sustentabilidade para o mercado.
A Capgemini, por exemplo, tem um histórico de quase duas décadas de práticas de sustentabilidade aplicadas à própria operação e em projetos junto a clientes e parceiros, com reconhecimentos e premiações globais. A companhia definiu oito compromissos globais que permeiam suas ações e projetos. Até 2030, a meta é atuar nas mudanças climáticas sendo net zero business e, no pilar social, prioriza a diversidade e a inclusão.
Já a Microsoft tem o objetivo de zerar as emissões de carbono, reduzir o consumo de água e de resíduos até 2030, além de proteger uma maior quantidade de terras do que usa. A empresa desenvolveu o Planetary Computer, uma fonte de dados sobre meio ambiente, como imagens de satélite, biodiversidade e clima para apoiar várias iniciativas no mundo. No Brasil, por exemplo, em conjunto com Imazon e Fundo Vale, a Microsoft utiliza essa plataforma para prever o desmatamento na Amazônia e, assim, auxiliar nas ações de combate a esse problema e na elaboração de políticas públicas.
Para as empresas, no ano passado, lançou a solução Microsoft Cloud for Sustainability, ferramenta baseada em nuvem que faz a gestão de dados de carbono. A solução agrega dados dos vários sistemas utilizados pelas empresas, como viagens e consumo de energia elétrica, para calcular a pegada de carbono, emitir relatórios e gerar insights para estabelecer metas. Segundo Damasco, empresas no Brasil já utilizam a ferramenta e a Microsoft pretende divulgar, em breve, os resultados. Além disso, a companhia desenvolve um modelo similar de solução para gestão de água.
Em junho deste ano, a companhia anunciou o lançamento do Azure Quantum Elements, uma biblioteca de inteligência artificial para uso em computação quântica focado em química e ciência dos materiais. “A computação quântica traz para o meio ambiente uma esperança de resolver problemas muito complexos que temos hoje”, afirma Damasco. Ele explica que esse tipo de tecnologia possibilita o estudo aprofundado de processos como a fotossíntese, que pode ser um modelo para produzir baterias mais eficientes, ou da fixação do nitrogênio para reduzir o uso de fertilizantes.
O sistema financeiro também se destaca na combinação entre ESG e tecnologia, dando suporte para viabilizar a implementação das ações. O Banco do Brasil, por exemplo, possui desde 2005 um plano de sustentabilidade, com compromissos de longo prazo divididos em três eixos: negócios sustentáveis, investimento responsável e gestão ESG.
Segundo Gustavo Garcia Lellis, diretor de suprimentos, infraestrutura e patrimônio do Banco do Brasil, a carteira de negócios sustentáveis do banco registrou crescimento de 13,3% no período de 12 meses, alcançando R$ 328 bilhões. “Destaque para a linha de energias renováveis, que obteve um crescimento de mais de 60%. Em abril de 2023, emitimos o nosso primeiro Sustainability Bond no mercado internacional, no montante de US$ 750 milhões, pelo prazo de sete anos. Os recursos serão aplicados no financiamento de projetos de energia renovável e de MPEs, principalmente aquelas lideradas por mulheres”, conta.
Além disso, em junho o Banco do Brasil lançou duas soluções: a compra dos imóveis vendidos pelo banco com créditos de carbono; e assessoria especializada para os clientes que desejem monetizar suas áreas verdes e ingressar no mercado sustentável. “Por meio de uma plataforma desenvolvida internamente, o banco identifica áreas rurais de clientes com potencial para geração de crédito de carbono e conecta proprietários de imóveis a climatechs especializadas”, diz Lellis.
Nas iniciativas internas, o Banco do Brasil investe em diversas frentes, como em uma matriz energética limpa e na redução das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE). A tecnologia é aliada em vários projetos internos, como o piloto em 300 unidades de negócios em que monitorou o consumo de água, energia e equipamentos com uso de IoT. No primeiro semestre deste ano, a iniciativa gerou um resultado de R$ 1,5 milhão e, com isso, a companhia está expandindo o uso do IoT para mais de 800 dependências no País.
Por conta dessas e outras ações, o BB já foi reconhecido em diversos fóruns nacionais e internacionais. Em 2023, foi a única empresa da América Latina a receber o Selo Terra Carta, da Sustainable Markets Initiative (SMI), iniciativa do Rei Charles III que reconhece organizações do setor privado que lideram a aceleração global para uma transição sustentável.
Para Queiroz, da Capgemini, a tecnologia é uma ferramenta para o modelo de uma sociedade e negócios mais sustentáveis. “Esse é um caminho para ser trilhado em colaboração. Empresas de tecnologia não farão nada sem empresas de comunicação, sem o setor financeiro, sem o setor produtivo, sem o varejo. O tema ESG tem mudado a relação transacional de cliente e fornecedor para uma relação de parceria em prol das futuras gerações”, conclui o executivo. “