Um balanço dos avanços recentes e um panorama das perspectivas futuras dos meios de pagamento no País
O mercado de meios de pagamento no Brasil passou por profundas transformações em 2024, impulsionado por avanços regulatórios e inovações tecnológicas. Quais os pontos mais relevantes desse cenário dinâmico e que estão moldando o setor? Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto Advogados, traçou um panorama sobre as principais mudanças legislativas, as consultas públicas em andamento e as expectativas para o futuro.
No cenário regulatório, o ano passado foi marcado por um número expressivo de normativas. O Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central (Bacen) apresentaram mais de 150 resoluções. Uma das principais novidades foi a Lei 14.905, que alterou o Código Civil para esclarecer que a limitação de juros não se aplica a contratos entre pessoas jurídicas. “Se a empresa-mãe, líder do conglomerado, faz uma captação no mercado e depois empresta para as outras empresas do seu grupo, não há mais limitação da Lei de Usura [Decreto nº 22.626, de 1933, que regula a cobrança de juros e proíbe a prática de usura ou juros abusivos no Brasil]”, exemplifica Balduccini.
Essa alteração trouxe segurança jurídica em transações envolvendo taxas de juros e impactou modelos como os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). “Foi uma mudança importante para dar mais clareza jurídica”, explica o especialista.
Outro avanço no setor foram as novas regras de governança do open finance, que ampliaram a participação obrigatória de bancos e instituições reguladas. A partir de janeiro de 2025, conglomerados com mais de 5 milhões de clientes passam a integrar compulsoriamente o sistema. Além disso, a resolução conjunta número 10 reforça a reciprocidade na troca de dados. “Isso permite nivelar o tratamento entre entrantes e incumbentes”, avisa Balduccini.
Além disso, conforme explica Balduccini, houve a formalização de governança do open finance, que solidificou a participação de cada segmento, e não por critérios como tamanho ou capacidade de mercado. Essa nova abordagem busca garantir uma maior representatividade e colaboração entre todos os participantes, desde grandes bancos até fintechs menores.
As novas regras para as apostas online no Brasil estão mudando a forma como as empresas operam. Apesar de não estar diretamente relacionado com instituições financeiras ou de pagamento (IF ou IP), existe um normativo que impacta o setor. Antes, era permitido que agentes de coleta podiam receber dinheiro dos apostadores e enviar (normalmente para o exterior) para as casas de apostas. Agora, a lei exige que todo o dinheiro envolvido nas apostas, tanto o dos apostadores quanto o das casas de apostas, seja depositado em contas bancárias ou de pagamento de titularidade dos apostadores e casas de apostas. E as casas de apostas devem ser autorizadas pelo Ministério da Fazenda para operar unicamente no Brasil. Agentes de coleta e intermediários não são mais permitidos.
“O mundo de apostas somente pode ser explorado por entidades aprovadas no Brasil, e o grande ponto que afeta essa indústria é que qualquer aposta feita pelas pessoas, qualquer pagamento de prêmio e o dinheiro da casa de apostas só pode estar em contas correntes ou contas de pagamento de bancos ou IPs aprovadas pelo Bacen”, diz Balduccini. O objetivo dessas novas regras é tornar o mercado de apostas online mais seguro, transparente e justo para todos os envolvidos.
O PIX continua sendo uma revolução nos meios de pagamento. Em 2024, surgiram novos produtos, como PIX agendado, PIX automático e PIX cobrança. A agenda futura inclui ainda o desenvolvimento do PIX garantido e do PIX internacional.
Além disso, o Banco Central está “elevando a barra das exigências de participação no PIX”, como afirmou Breno Lobo, chefe-adjunto do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BCB, ao Finsiders.
Um dos indícios é que, desde 1º de janeiro de 2025, apenas instituições autorizadas poderão solicitar adesão ao PIX. Empresas já estabelecidas, mas que ainda não eram instituições de pagamento aprovadas a operar pelo Banco Central, terão que se adequar, enquanto novos entrantes precisarão de autorização prévia. Balduccini prevê que, entre as novas regras, uma deve estabelecer novos requisitos de capital mínimo para os participantes, aumentando a segurança do sistema.
As consultas públicas são mecanismos que permitem que a sociedade participe ativamente da criação de novas leis e regulamentações. No setor financeiro e de meios de pagamento, elas são fundamentais para garantir que as regras que governam esse mercado sejam justas, eficientes e atendam às necessidades tanto dos consumidores quanto das instituições reguladas.
O sócio do escritório Pinheiro Neto destaca três consultas públicas em andamento. Uma delas diz respeito às bandeiras de cartão, que estão propondo regras mais rigorosas, como detalhamento da estrutura de gerenciamento de risco e a exigência de que as bandeiras criem uma conta extra ou um fundo mutualizado. Esse recurso servirá como um fator de segurança para cobrir eventuais perdas em caso de falha ou insolvência de alguma empresa envolvida nas transações com cartão, como emissores, credenciadores ou subcredenciadores. “Mas o mais importante é a regra de waterfall, que determina que os valores recebidos pelo emissor sejam depositados em contas separadas, liberando-os para o credenciador e subcredenciador apenas no vencimento de determinada obrigação. Essa nova dinâmica está gerando um aumento nos custos operacionais e causando grande insatisfação entre as bandeiras”, comenta o advogado.
Outra consulta pública é a proposta de regulação do Bank as a Service (BaaS), que promete impactos significativos. O modelo atual de subcredenciadores poderá vir a ser substituído por um sistema em que apenas instituições reguladas poderão operar. Essa mudança deve alterar profundamente o mercado e gerar desafios para empresas que atuam como subcredenciadoras. Em entrevista ao Finsiders, Otavio Damaso, diretor de regulação do Banco Central, afirmou que a regulamentação do BaaS visa “colocar um pouco de ordem” no segmento para que continue crescendo com segurança.
A terceira consulta pública destacada por Balduccini é a regulamentação dos provedores de serviços de ativos virtuais (Vasps), como exchanges de criptomoedas. Essas empresas terão que se adequar às novas regras de capital mínimo, governança e conformidade. Um ponto controverso, apontado por ele, é a proibição de instituições de pagamento (IPs) de atuarem no segmento de ativos digitais.
E por falar em moedas digitais, vale citar o que o então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, anunciou no ano passado: que o Brasil pretende regulamentar stablecoins e a tokenização de ativos em 2025. Conforme artigo da Reuters, a preocupação é em relação à crescente demanda por stablecoins no País que está ligada à evasão fiscal ou atividades ilícitas, justificando a necessidade de uma regulamentação específica.
Em 2025, espera-se uma consolidação no setor, com fusões e aquisições entre empresas. A regulamentação do BaaS e as novas regras para cartões de crédito e PIX devem aumentar a competitividade, mas também desafiar os pequenos players.
Olhando para um horizonte mais distante, até 2030 é esperada uma integração crescente entre métodos tradicionais e alternativos de pagamento. O uso de ativos virtuais em transações cotidianas promete transformar o mercado, enquanto tecnologias como contratos inteligentes, automatizarão de processos financeiros complexos deverão se tornar uma realidade no cotidiano das pessoas.
O mercado de meios de pagamento está em plena evolução, de olho em trazer mais segurança e eficiência ao setor. O futuro promete avanços, moldando um mercado mais conectado e inclusivo.